quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A economia global em tempos de turbulência, por José Serra

O Estado de S. Paulo

A incerteza em relação à política comercial continua elevada na ausência de acordos claros entre os parceiros comerciais

O ano de 2025 marca um ponto de inflexão para a economia global: acirramento do protecionismo, inovações tecnológicas disruptivas e realinhamentos geopolíticos. Um dos principais catalisadores dessa inflexão é a postura dos Estados Unidos, sob a égide do lema America First, caracterizado por uma visão protecionista que privilegia os interesses domésticos em detrimento da cooperação multilateral. Essa abordagem tem gerado atritos com diversos parceiros comerciais, incluindo o Brasil, abalando o sistema multilateral de comércio e ameaçando o crescimento global.

De acordo com o recém lançado Panorama da Economia Global do Fundo Monetário Internacional (FMI) de outubro, o ano de 2025 tem sido instável e volátil, com grande parte da dinâmica impulsionada por uma reordenação das prioridades políticas nos Estados Unidos e pela adaptação das políticas nas outras economias às novas realidades. Contudo, os temores iniciais de uma forte desaceleração do crescimento não se concretizaram.

No relatório de abril, o FMI havia reduzido a projeção de crescimento global para 2,8%, refletindo a percepção de que as tarifas agiriam como choques de oferta para os países que as impõem e como choques de demanda para os países-alvo, com a incerteza geral atuando como um choque de demanda negativo. Agora, projeta-se que o crescimento global desacelere de 3,3% em 2024 para 3,2% em 2025 e 3,1% em 2026. Contudo, vale ressaltar que esse patamar continua bem abaixo da média de 3,7% do período pré-pandemia.

A questão que emerge do relatório do fundo é: por que a economia global tem se mostrado relativamente resiliente mesmo assolada por líderes mundiais nitidamente fora do prumo? O FMI tenta enfrentar a questão por algumas vias. Vale a pena discuti-las.

As tarifas não mantiveram o nível indicado no “Dia da Libertação” de Donald Trump. Após terem atingido 23% em abril, patamar inédito no século, a tarifa média ponderada pelo comércio estadunidense caiu para 17,5% em outubro, ainda superior à de 2024. Além disso, houve pouca retaliação por parte dos parceiros comerciais dos Estados Unidos.

É verdade que o setor privado respondeu de forma favorável no curto prazo. Consumo e investimento foram antecipados frente à elevação esperada das tarifas. Adicionalmente, os exportadores e importadores absorveram as tarifas em suas margens. Só que isso é a forma de gestão de quem tem estoques e contratos de fornecimento. Só agora, os efeitos mais duradouros serão conhecidos.

O boom de investimentos em inteligência artificial (IA) tem impulsionado os mercados acionários e contribuído para manter as condições financeiras globais favoráveis. No entanto, essa exuberância levanta dúvidas sobre a sustentabilidade desse crescimento, com alguns analistas alertando para o risco de uma bolha especulativa que pode estourar a qualquer momento.

O mais interessante do documento do fundo é uma crítica velada às políticas macroeconômicas dos países desenvolvidos. O elogio aos melhores fundamentos das economias de mercado emergentes, que aprenderam com experiências passadas e seguiram políticas fiscais e monetárias mais disciplinadas, mais parece uma forma de dizer que os pequenos são mais responsáveis do que os grandes.

Assim, a revisão positiva do cenário, ancorada no desempenho econômico observado no primeiro semestre de 2025, decorreu de fatores temporários, como a antecipação de compras e as estratégias de gestão de estoque. A resiliência diminuirá à medida que esses fatores se dissiparem. Na realidade, dados mais fracos já começaram a surgir, com o mercado de trabalho nos Estados Unidos mostrando sinais de desaquecimento. A incerteza em relação à política comercial continua elevada na ausência de acordos claros entre os parceiros comerciais e com a atenção começando a mudar do nível final das tarifas para o seu impacto sobre os preços, os investimentos e o consumo. O recente arroubo de 100% sobre a China só realça essa percepção.

E o Brasil?

No atual cenário do FMI, a economia brasileira desacelerará de 3,4% em 2024 para 2,4% em 2025 (0,1 ponto porcentual acima da projeção de julho) e 1,9% em 2026. A desaceleração será muito mais intensa do que na média das economias de mercado emergentes e em desenvolvimento (de 4,3% em 2024 para 4,2% em 2025 e 4% em 2026) e na América Latina e no Caribe (2,4% em 2024 e 2025 e 2,3% em 2026).

Uma das principais razões desse maior impacto adverso é externa: a dimensão do choque tarifário. Em outubro, a tarifa média sobre o Brasil atingiu o patamar de 35%, inferior somente aos porcentuais da Índia e da China, se considerarmos as principais economias avançadas e de mercado emergentes e em desenvolvimento. Resta saber se a “química” entre os presidentes Trump e Lula se traduzirá em menores tarifas, atenuando a perda de ritmo da economia brasileira.

A outra é culpa nossa: com uma persistente taxa de juro real de mais de 9% ao ano, fica difícil falar em algo diferente de estagnação.

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