Folha de S. Paulo
Idiota é o indivíduo perturbado, que une
ignorância à agitação pessoal, sem escuta para o outro
É razoável perguntar se não seria vão
diagnosticar figuras do poder, quando importante é a estrutura do avanço
neoimperialista
São recorrentes nos últimos anos atribuições
de loucura a próceres da extrema
direita e seguidores. O diagnóstico não decorre de nenhuma precisão
médica, mas da falta de nome apropriado para comportamentos destoantes da
racionalidade. Nomear é o mínimo comum das formas indutoras de pensar e sentir.
E insanidade é o que acorre ao bom senso.
Como a pré-modernidade tem avançado sobre o presente, vale uma consulta ao passado. Na era barroca, loucura era mais erro do que doença. Tratá-la como enfermidade mental é decisão moderna, segundo Michel Foucault em sua "História da Loucura na Idade Clássica". Antes, supunha-se que a alma dos loucos fosse igual à das pessoas ditas normais, mas com perversão de pensamento, o delírio. O insano estava mais próximo do idiota do que do doente.
Isso não abrandava a gravidade. Idiotia é
ausência estrutural de bom senso. Na tradição grega, era causa de todos os
males individuais e coletivos, maior do que mera estupidez. Idiota é o
indivíduo perturbado, que une ignorância à agitação pessoal, sem escuta para o
outro, com opinião volátil. Para os estoicos, uma calamidade pública, porque a
incoerência de pensamento e de ações corrompia o laço social e formas solidárias
de vida.
À primeira vista, as descrições da
volatilidade de Donald Trump sugerem
loucura. Um olhar atento à sua cognição, porém, afasta a hipótese de doença
mental e sugere idiotia no sentido grego. Vê-se inteligência sem a
característica primária de humanidade que é a faculdade de agregação afetiva a
outros humanos. O idiota faz adeptos, mas não sociedade, a menos que
perversa: Jeffrey
Epstein, pedófilo, traficante sexual, foi parceiro longevo de Trump.
É razoável perguntar se não seria vão
diagnosticar figuras do poder, quando importante é a estrutura do avanço
neoimperialista no mundo. Mas há uma relevância objetiva na idiotia,
despercebida ao foco sociopolítico: o fenômeno da pós-legitimidade nas funções
de Estado. Hoje, em vez de competência ou carisma, o incumbente se
auto-legitima, performando, senão extorquindo autoridade.
Daí as incongruências que, com Trump, têm
sérias consequências: chantagens tarifárias, "assassinatos legais" no
Caribe, ultimatos a aliados. Ele fomentou o genocídio em Gaza para
depois impor a paz e aspirar ao Nobel.
Seu delírio ativo de "inimigos internos", evidente fragilidade das
instituições americanas, é tática facho-golpista. Mesmo sob a presunção de que
"a América não é país, é negócio", a idiotia é um experimento de
deslegitimação do direito e da soberania.
Nesse regime, o absurdo é normalizado pela
réplica dos adeptos: tresloucados, ignorantes, matéria-prima da extrema
direita. Catalisador é o feromônio do ódio. Isso está à vista no ministério de
Trump: Rubio odeia brasileiros; Vance, latinos; Hegseth, generais gordos;
Kennedy, vacinas. Misóginos, todos. No exterior, lideranças imbecilizadas e
morto-vivo político atuante. O terreno é fértil. A quinta-coluna brasileira já
garimpa a idiotia antinacional em busca de candidato à presidência.
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