domingo, 12 de outubro de 2025

A razão progressiva da idiotia. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Idiota é o indivíduo perturbado, que une ignorância à agitação pessoal, sem escuta para o outro

É razoável perguntar se não seria vão diagnosticar figuras do poder, quando importante é a estrutura do avanço neoimperialista

São recorrentes nos últimos anos atribuições de loucura a próceres da extrema direita e seguidores. O diagnóstico não decorre de nenhuma precisão médica, mas da falta de nome apropriado para comportamentos destoantes da racionalidade. Nomear é o mínimo comum das formas indutoras de pensar e sentir. E insanidade é o que acorre ao bom senso.

Como a pré-modernidade tem avançado sobre o presente, vale uma consulta ao passado. Na era barroca, loucura era mais erro do que doença. Tratá-la como enfermidade mental é decisão moderna, segundo Michel Foucault em sua "História da Loucura na Idade Clássica". Antes, supunha-se que a alma dos loucos fosse igual à das pessoas ditas normais, mas com perversão de pensamento, o delírio. O insano estava mais próximo do idiota do que do doente.

Isso não abrandava a gravidade. Idiotia é ausência estrutural de bom senso. Na tradição grega, era causa de todos os males individuais e coletivos, maior do que mera estupidez. Idiota é o indivíduo perturbado, que une ignorância à agitação pessoal, sem escuta para o outro, com opinião volátil. Para os estoicos, uma calamidade pública, porque a incoerência de pensamento e de ações corrompia o laço social e formas solidárias de vida.

À primeira vista, as descrições da volatilidade de Donald Trump sugerem loucura. Um olhar atento à sua cognição, porém, afasta a hipótese de doença mental e sugere idiotia no sentido grego. Vê-se inteligência sem a característica primária de humanidade que é a faculdade de agregação afetiva a outros humanos. O idiota faz adeptos, mas não sociedade, a menos que perversa: Jeffrey Epstein, pedófilo, traficante sexual, foi parceiro longevo de Trump.

É razoável perguntar se não seria vão diagnosticar figuras do poder, quando importante é a estrutura do avanço neoimperialista no mundo. Mas há uma relevância objetiva na idiotia, despercebida ao foco sociopolítico: o fenômeno da pós-legitimidade nas funções de Estado. Hoje, em vez de competência ou carisma, o incumbente se auto-legitima, performando, senão extorquindo autoridade.

Daí as incongruências que, com Trump, têm sérias consequências: chantagens tarifárias, "assassinatos legais" no Caribe, ultimatos a aliados. Ele fomentou o genocídio em Gaza para depois impor a paz e aspirar ao Nobel. Seu delírio ativo de "inimigos internos", evidente fragilidade das instituições americanas, é tática facho-golpista. Mesmo sob a presunção de que "a América não é país, é negócio", a idiotia é um experimento de deslegitimação do direito e da soberania.

Nesse regime, o absurdo é normalizado pela réplica dos adeptos: tresloucados, ignorantes, matéria-prima da extrema direita. Catalisador é o feromônio do ódio. Isso está à vista no ministério de Trump: Rubio odeia brasileiros; Vance, latinos; Hegseth, generais gordos; Kennedy, vacinas. Misóginos, todos. No exterior, lideranças imbecilizadas e morto-vivo político atuante. O terreno é fértil. A quinta-coluna brasileira já garimpa a idiotia antinacional em busca de candidato à presidência.

 

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