domingo, 19 de outubro de 2025

A reunião do FMI, por Samuel Pessôa

Folha de S. Paulo

Na reunião do FMI o entendimento foi que os riscos geopolíticos se reduziram

Faltou a percepção de que haverá na próxima década desaceleração importante na economia mundial

Meu amigo e economista-chefe da Asa Investimentos, Fábio Kanczuk, postou no seu Instagram um ótimo sumário da reunião em Washington do FMI.

Na reunião de abril, havia forte pessimismo com a desaceleração da economia mundial com as tarifas de Trump. No entanto, a economia mundial não desacelerou.

De fato, o FMI esperava no final de 2024 que a economia mundial iria crescer 3,2% em 2025. Após as tarifas o FMI reviu para 2,8%, e agora voltou aos 3,2%. Para 2026, espera estabilidade da economia mundial, com crescimento de 3,1%. Assim, não há hoje o pessimismo que havia em abril.

Na geopolítica, o sumário é que os riscos se reduziram. O conflito da Rússia com a Ucrânia continuará. Um não consegue se impor militarmente sobre o adversário. A guerra de atrito continuará. Não há nenhum fator que pare o conflito no médio prazo.

No conflito comercial entre a China e os EUA, o gigante americano é a parte fraca: sua dependência de terras raras é maior do que a da China por chips. Adicionalmente, a China, por ser uma ditadura, consegue absorver perdas de bem-estar com mais facilidade do que democracias. Trump tem eleição em 2026. Xi não se depara com o mesmo obstáculo.

De qualquer forma, a percepção na conferência em Washington do FMI é que a intensidade da guerra tarifária irá reduzir. Penso que, muito provavelmente, o poder de barganha menor dos EUA fará com que Trump negocie com Xi e vire essa página. Trump talvez aprenda mais rapidamente do que Merkel que a negociação com autocracias ocorre em outros termos.

Com relação ao conflito de Israel com o Irã, a percepção, em função da forma como transcorreu a guerra dos 12 dias, é que os dois atores são mais responsáveis do que se imaginava. Reduziu, portanto, o risco de uma crise energética aguda.

O sumário de Fabio termina com a política fiscal americana. A leitura é que o sistema político dos EUA até os anos 2000 era funcional. A disputa política não desorganizava a política fiscal. Portanto, é possível divisar soluções à frente e já se fala em redução estrutural de gastos com aposentadorias e saúde, bem como em elevação de impostos.

O problema fiscal piorou conjuntamente com a polarização política na gringolândia. Uma solução deverá vir conjuntamente com um processo de distensão das diferenças e disputas políticas. Caso contrário, não me parece que a conquista do equilíbrio fiscal virá sem choques. O mesmo se aplica ao Brasil.

Penso que um possível detonador de uma crise fiscal aguda nos EUA será uma provável percepção de que a taxa neutra de juros se elevou permanentemente. Quando e se houver esta percepção, o problema fiscal ficará pior. O mercado deverá forçar uma solução ao desequilíbrio fiscal.

Há semelhança entre o momento atual e 1914. O início da primeira guerra marca o fim da Pax Britânica. O 2 de abril de 2025, dia da libertação de Trump, talvez marcará nos livros de história o fim da Pax Americana. As três décadas após 1914 foram trágicas. Que a história não se repita.

De qualquer forma, o grande ausente em Washington foi a percepção de que haverá na próxima década uma desaceleração importante do crescimento da economia mundial. Toda a desorganização e perda de eficiência microeconômica com o fechamento das economias cobrará seu preço nas próximas décadas.

 

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