Correio Braziliense
Se conseguir unir
estabilidade econômica, inclusão social e credibilidade internacional, Lula
terá um grande êxito. O principal obstáculo não é a idade, mas o ambiente
político
Completados em plena viagem oficial à Malásia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega aos 80 anos como um dos políticos mais longevos e resilientes da história contemporânea do Brasil. Depois de governar o país por dois mandatos (2003-2010) e retornar ao poder em 2023, após um período de ostracismo e prisão, Lula aparece novamente como favorito nas intenções de voto para 2026. O levantamento mais recente do Instituto Paraná Pesquisas, divulgado nesta segunda-feira, mostra Lula à frente em todos os cenários testados para o primeiro turno, com vantagem sobre Jair Bolsonaro, Michelle Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Flávio Bolsonaro.
No cenário mais competitivo, Lula registra
37% das intenções de voto contra 31% de Jair Bolsonaro — uma diferença de seis
pontos percentuais. Embora o ex-presidente continue inelegível por decisão do
TSE, a pesquisa reafirma a força de Bolsonaro como líder da direita brasileira.
Em outro cenário, enfrentando Flávio Bolsonaro, a vantagem do petista sobe para
18 pontos: 37,6% a 19,2%. No segundo turno, o equilíbrio é maior, com empates
técnicos frente a Jair e Michelle Bolsonaro e uma margem ligeiramente superior
sobre Tarcísio de Freitas (44,9% a 40,9%). Contra Flávio Bolsonaro, Lula abre a
diferença mais confortável, com 46,7% a 37%.
O resultado mostra que a reeleição de Lula
não será ganha de véspera, embora venha conseguindo uma recuperação gradual da
popularidade do governo, após meses de turbulência econômica e desafios políticos
internos. As recentes iniciativas para controlar a inflação, reanimar o consumo
e ampliar programas sociais começam a surtir efeito. Além disso, a estratégia
de reposicionar o Brasil no cenário internacional — reforçada pela agenda no
Sudeste Asiático e pelo encontro bilateral com o presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump — permitiu que Lula recuperasse a imagem de líder político com
projeção global.
Lula fez da sua presença na 47ª Cúpula da
Asean, em Kuala Lumpur, não apenas uma empreitada para abrir novos mercados às
exportações brasileiras, mas também o esforço para reposicionar o país como
ator relevante no diálogo entre Ocidente e o chamado Sul Global. Por isso
mesmo, o aniversário de 80 anos, celebrado com parabéns cantado por jornalistas
estrangeiros e líderes internacionais, ganhou contornos de vitória pessoal e
política, numa espécie de fim do “inferno astral” depois de uma fase de queda
de aprovação e reveses diplomáticos.
Nesse aspecto, em relação ao ex-presidente
Jair Bolsonaro e a seus filhos, que articularam o tarifaço de 50% sobre as
exportações brasileiras, Lula parece rir por último no contencioso com a Casa
Branca. Depois da troca de salamaleques do encontro entre os dois, Trump voltou
a elogiar o petista. Nesta segunda-feira, antes de embarcar para o Japão, disse
que a reunião que teve com Lula no domingo foi “muito boa” e desejou um feliz
aniversário para o líder brasileiro. Lula é um sobrevivente em múltiplos sentidos:
sobreviveu à fome, à ditadura, ao câncer, à prisão e à erosão da confiança
pública.
Projeção mundial
Em contraste com o envelhecimento de boa
parte da elite política brasileira de sua geração, seu vigor físico e
disposição para a disputa de 2026 o colocam no patamar de grandes líderes
octogenários que marcaram a história do Ocidente. Konrad Adenauer governou a
Alemanha Ocidental até os 87 anos; Georges Clemenceau deixou o poder aos 78; e
Winston Churchill, símbolo da resistência britânica, encerrou sua carreira no
comando do Reino Unido aos 80.
Há, contudo, diferenças substantivas entre os
problemas que esses estadistas notáveis enfrentaram e o desempenho de Lula
neste terceiro mandato. Adenauer reconstruiu uma Alemanha devastada pela
guerra; Clemenceau conduziu a França à vitória na I Guerra Mundial; Churchill
foi o arquiteto da resistência ao nazismo na Europa. Lula enfrenta outros
desafios, principalmente os de recuperar o crescimento sustentado e de liderar
uma transição ecológica e tecnológica num mundo em transformação, para defender
a democracia e reconstruir a confiança e a coesão interna num país polarizado
ideologicamente.
Se conseguir unir estabilidade econômica,
inclusão social e credibilidade internacional, Lula terá um grande êxito. O
principal obstáculo não é a idade, mas o ambiente político que Lula ajudou a
criar: uma democracia fragmentada, marcada pela desinformação e pelo descrédito
institucional. Além disso, apesar do clima amistoso e da evidente empatia entre
Lula e Trump, as contradições nas relações entre os dois países não são
pequenas.
O preesidente Trump defende sua liderança
global e o alinhamento das democracias liberais ocidentais aos Estados Unidos,
enquanto Lula insiste em uma “autonomia ativa”, dialogando com Washington,
Pequim, Moscou e o Sul Global. Essa diferença é visível em temas como Ucrânia,
Venezuela e Brics. Washington vê a Amazônia como patrimônio ambiental global e
propõe mecanismos de vigilância e financiamento atrelados a metas; o Brasil
exige respeito à soberania e defende políticas ambientais que conciliem proteção
e desenvolvimento social.
Trump e Lula são opostos ideológicos. O
primeiro simboliza o populismo de direita e o protecionismo econômico; o
segundo, o trabalhismo latino-americano com traços de socialdemocracia. Os EUA
valorizam o livre mercado e o setor privado; o Brasil aposta em um Estado
indutor do desenvolvimento, com programas sociais e redistributivos. O governo
Trump reintroduziu o protecionismo com tarifas sobre aço, alumínio e produtos
agrícolas brasileiros.
O Brasil tenta equilibrar a balança ampliando parcerias com China, UE e Ásia. Washington pressiona pela exclusão da Huawei em redes 5G e infraestrutura; o Brasil insiste na liberdade tecnológica e na diversificação de parceiros. Apesar das diferenças, há interesses econômicos recíprocos que ocupam o centro das negociações. E uma tradicional cooperação em assuntos geopolíticos e Defesa, na qual Brasil e EUA reconhecem o peso estratégico um do outro, o primeiro como potência regional; o segundo, como potência global.

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