O Globo
Temor do entorno do presidente com o tema
pauta resposta contraditória e, para alguns, omissa à operação que resultou em
121 mortes no Rio
A cautela extrema demonstrada pelo governo
federal na reação à Operação Contenção, realizada na terça-feira pelas polícias
do Rio nos complexos do Alemão e da Penha, se deve ao reconhecimento, por parte
do Palácio do Planalto, de que o tema da segurança pública é o mais delicado
para Lula na campanha do ano que vem — na avaliação de auxiliares, mais
espinhoso até que a economia e o nó fiscal.
Existe uma profusão de pesquisas demonstrando a centralidade que o assunto adquiriu na percepção do eleitorado. Violência é a maior preocupação dos brasileiros em relação ao país, segundo a Pesquisa Nacional de Vitimização e Segurança Pública realizada pela Quaest para a UFMG em 2023 e neste ano. O mesmo instituto vem medindo a avaliação da população quanto à atuação do governo Lula no tema da segurança. Dados de março mostram que ela é negativa para 38%, e apenas 25% a classificam como positiva.
Em geral, os governadores se saem melhor. O
Rio, no entanto, é uma exceção: levantamento também da Quaest em fevereiro
cravava 60% de rejeição à atuação do governador Cláudio Castro no assunto. A
operação de terça-feira, pela letalidade inédita e pela repercussão
internacional que alcançou, tem tudo para mexer os ponteiros dessa percepção
popular, e é isso que os governos avaliam para ditar cada um dos seus passos.
Disso decorrem contradições e omissões
deliberadas ou involuntárias, de lado a lado. Da parte do governo Lula, elas
são escancaradas. O presidente preferiu não se manifestar sobre uma operação
que levou a pelo menos 121 mortes.
Ainda ecoavam suas palavras no fim de semana,
quando classificou traficantes como “vítimas” de usuários durante viagem à
Malásia, e o temor de que produzisse outra frase ambígua ou abertamente
desastrosa brecou a intenção de que falasse. Lula se limitou a uma postagem
anódina nas redes sociais, em que não condenou a violência policial, frustrando
entidades de direitos humanos e parlamentares do PT e do PSOL.
A mesma retranca pautou o tom adotado pelo
ministro Ricardo Lewandowski, que, depois de uma visita cordial e cercada de
amabilidades a Cláudio Castro, chegou a ponto de dizer, em entrevista ao Estúdio i, da GloboNews, que a
operação era assunto “estritamente local”, para justificar a não colaboração da
Polícia Federal na ação.
Ora, se é assim, por que um escritório
compartilhado para atuar no enfrentamento do crime organizado? E como fica o
discurso central do governo Lula em relação à segurança, segundo o qual a
coordenação tem de ser nacional, uma vez que as facções criminosas não
respeitam mais fronteiras e têm atuação também fora do país?
Tanta cautela decorre da percepção, a ser
ainda confirmada em pesquisas, de que a ação na Zona Norte do Rio, com toda a
sua ferocidade e com diversos questionamentos possíveis dos pontos de vista
legal, operacional, de logística e humanitário, contou com apoio de largo
espectro da população do Rio e do resto do Brasil.
Isso — aliado ao conhecimento de que o
governo ainda não tem um portfólio de ações concretas para mostrar que prioriza
o combate ao crime e não está mais preso ao discurso tradicional da esquerda de
só abordar o tema da segurança sob a égide dos direitos humanos e das medidas
socioeducativas — fez com que os estrategistas de Lula recomendassem evitar que
a crise do Rio caísse no seu colo.
Para tentar começar a construir seu discurso
de campanha, o petista arranha um contraponto a ações como a de terça-feira com
a Operação Carbono Oculto, repetindo o mantra de que ela causou dano
considerável ao PCC sem “derramar uma gota de sangue”. Parece pouco para
reverter a percepção negativa das pesquisas, reforçada por declarações como a
dos traficantes-vítimas.
A megaoperação no Rio reaglutinou a direita e
pode ser um obstáculo à fase de recuperação que Lula vinha exibindo desde que
encaixou o discurso da soberania para responder ao tarifaço de Donald Trump.

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