sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Lula adota retranca na segurança, por Vera Magalhães

O Globo

Temor do entorno do presidente com o tema pauta resposta contraditória e, para alguns, omissa à operação que resultou em 121 mortes no Rio

A cautela extrema demonstrada pelo governo federal na reação à Operação Contenção, realizada na terça-feira pelas polícias do Rio nos complexos do Alemão e da Penha, se deve ao reconhecimento, por parte do Palácio do Planalto, de que o tema da segurança pública é o mais delicado para Lula na campanha do ano que vem — na avaliação de auxiliares, mais espinhoso até que a economia e o nó fiscal.

Existe uma profusão de pesquisas demonstrando a centralidade que o assunto adquiriu na percepção do eleitorado. Violência é a maior preocupação dos brasileiros em relação ao país, segundo a Pesquisa Nacional de Vitimização e Segurança Pública realizada pela Quaest para a UFMG em 2023 e neste ano. O mesmo instituto vem medindo a avaliação da população quanto à atuação do governo Lula no tema da segurança. Dados de março mostram que ela é negativa para 38%, e apenas 25% a classificam como positiva.

Em geral, os governadores se saem melhor. O Rio, no entanto, é uma exceção: levantamento também da Quaest em fevereiro cravava 60% de rejeição à atuação do governador Cláudio Castro no assunto. A operação de terça-feira, pela letalidade inédita e pela repercussão internacional que alcançou, tem tudo para mexer os ponteiros dessa percepção popular, e é isso que os governos avaliam para ditar cada um dos seus passos.

Disso decorrem contradições e omissões deliberadas ou involuntárias, de lado a lado. Da parte do governo Lula, elas são escancaradas. O presidente preferiu não se manifestar sobre uma operação que levou a pelo menos 121 mortes.

Ainda ecoavam suas palavras no fim de semana, quando classificou traficantes como “vítimas” de usuários durante viagem à Malásia, e o temor de que produzisse outra frase ambígua ou abertamente desastrosa brecou a intenção de que falasse. Lula se limitou a uma postagem anódina nas redes sociais, em que não condenou a violência policial, frustrando entidades de direitos humanos e parlamentares do PT e do PSOL.

A mesma retranca pautou o tom adotado pelo ministro Ricardo Lewandowski, que, depois de uma visita cordial e cercada de amabilidades a Cláudio Castro, chegou a ponto de dizer, em entrevista ao Estúdio i, da GloboNews, que a operação era assunto “estritamente local”, para justificar a não colaboração da Polícia Federal na ação.

Ora, se é assim, por que um escritório compartilhado para atuar no enfrentamento do crime organizado? E como fica o discurso central do governo Lula em relação à segurança, segundo o qual a coordenação tem de ser nacional, uma vez que as facções criminosas não respeitam mais fronteiras e têm atuação também fora do país?

Tanta cautela decorre da percepção, a ser ainda confirmada em pesquisas, de que a ação na Zona Norte do Rio, com toda a sua ferocidade e com diversos questionamentos possíveis dos pontos de vista legal, operacional, de logística e humanitário, contou com apoio de largo espectro da população do Rio e do resto do Brasil.

Isso — aliado ao conhecimento de que o governo ainda não tem um portfólio de ações concretas para mostrar que prioriza o combate ao crime e não está mais preso ao discurso tradicional da esquerda de só abordar o tema da segurança sob a égide dos direitos humanos e das medidas socioeducativas — fez com que os estrategistas de Lula recomendassem evitar que a crise do Rio caísse no seu colo.

Para tentar começar a construir seu discurso de campanha, o petista arranha um contraponto a ações como a de terça-feira com a Operação Carbono Oculto, repetindo o mantra de que ela causou dano considerável ao PCC sem “derramar uma gota de sangue”. Parece pouco para reverter a percepção negativa das pesquisas, reforçada por declarações como a dos traficantes-vítimas.

A megaoperação no Rio reaglutinou a direita e pode ser um obstáculo à fase de recuperação que Lula vinha exibindo desde que encaixou o discurso da soberania para responder ao tarifaço de Donald Trump.

 

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