domingo, 19 de outubro de 2025

Lula no divã, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Às vésperas de completar 80 anos, Lula parece à procura de um divã. O presidente tem usado atos públicos para expor preocupações que o afligem. Entre as mais citadas, estão a crise da esquerda, o futuro do PT e as razões para disputar o quarto mandato.

O petista tratou dos três assuntos na quinta-feira, em encontro do PCdoB. Ele começou contando que havia penado para gravar um vídeo de incentivo aos socialistas europeus. “Fiquei pensando que mensagem poderia dar para as pessoas que ainda querem ser de esquerda. Não é fácil”, desabafou.

Depois de reconhecer o avanço da extrema direita, Lula admitiu que o campo progressista “não está convencendo”. Por isso, precisaria adotar novas táticas para se reaproximar do eleitorado. “Nós nos distanciamos do povo”, lamentou. “Do jeito que está, não dá. Temos que mudar”, pediu.

Ao tratar da disputa de 2026, o presidente destacou a necessidade de atualizar o próprio discurso. “Eu serei candidato para quê? Para continuar falando de Bolsa Família? É preciso pensar num país maior”, afirmou.

O petista já havia feito parte dos questionamentos em setembro, durante reunião com outros líderes progressistas em Nova York. “Onde foi que a esquerda errou? Por que permitimos que a extrema direta crescesse com a força que está crescendo? É virtude deles ou incompetência nossa?”, perguntou.

O encontro foi promovido por Gabriel Boric, que amarga baixos índices de popularidade no Chile. O país vai às urnas em novembro, e as pesquisas mostram sua candidata em desvantagem nas simulações de segundo turno.

No ato do PCdoB, Lula atribuiu parte dos problemas à comunicação. Ele sugeriu que a esquerda prega para convertidos e tem levado uma “surra” no front digital.

A presença do governo nas redes melhorou, mas o Planalto ainda parece apostar em truques batidos. Em solenidade recente, o ministro Sidônio Palmeira se gabou de ter trocado a expressão “Governo federal” por “Governo do Brasil” nas peças de publicidade oficial. A inovação já aparecia na propaganda do governo de Fernando Collor. Foi adotada pela primeira vez em 1990.

Apesar das falas em tom de autocrítica, Lula tem deixado claro que não perdeu o apetite pelo poder. Se for reeleito, poderá ficar no cargo até os 85 anos de idade. Nesta quinta, ele avisou: “Tenho disposição para mais umas cinco eleições”.

Memórias do cárcere

A história é contada por um dos principais candidatos à vaga de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal. Em encontro recente, um aliado tentou advertir Lula sobre erros que ele teria cometido em indicações anteriores. O presidente interrompeu a conversa e dispensou o conselho: “Passei 580 dias em Curitiba lembrando esses erros. Pode ter certeza que eu já pensei mais nisso do que você”.

 

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