Folha de S. Paulo
Livro do pesquisador Carlos Didier mapeia o
surgimento do gênero no Rio
Mario de Andrade não apreciava a revolução
dos jovens pretos de classe baixa
Expoente da alta sociedade carioca, o cantor
Mario Reis tinha medo de subir o morro de Mangueira. Mas precisava falar com o
pedreiro Cartola, queria lhe comprar um samba.
Contratou um intermediário, o guarda municipal Clóvis, que se dizia primo do
compositor.
"E eu vou vender música, rapaz? Música se vende? Esse sujeito tá maluco e você é outro", disse Cartola. Conversa vai, conversa vem, acabou cedendo: "Vou pedir 50 mil réis". "Pede 300 mil que ele dá", garantiu o falso parente. Por não se adaptar à voz de Mario Reis, "Que Infeliz Sorte" foi gravado em 1929 por Francisco Alves, outro exímio negociador de sucessos.
Essa é uma das histórias contadas no livro
recém-lançado "Canção do Chão do Brasil", com o qual Carlos Didier,
biógrafo de Noel Rosa e Orestes Barbosa, dá prosseguimento à tarefa de mapear o
surgimento do samba batucado, em meados dos anos 1920, primeiro no Estácio e
logo em Mangueira, responsável por formatar o gênero como o conhecemos até
hoje. Uma revolução de jovens pretos da classe baixa que, registre-se, não
teria sido possível sem a participação dos canários Mario Reis e Francisco
Alves.
Didier ouviu fontes primárias, pesquisou
gravações e partituras originais, cartas, depoimentos, reportagens de época e
processos criminais. Os compositores, ritmistas e pastoras de Mangueira, revela
ele, eram tratados como bandidos pela polícia, não raras vezes conduzidos à
delegacia e enquadrados em "crime de samba".
O autor avança no tempo com as trajetórias de
Geraldo Pereira e Ataulfo Alves, entre outros, até chegar à parceria de
Vinicius de Moraes com Baden Powell, na década de 1960. Dedica boas páginas a
Mario de Andrade e sua conflituosa relação com a música urbana carioca. Tendo
ouvidos de lata para Cartola e Noel Rosa, o modernista de São Paulo criticava
"a carne para alimento de rádios e discos, elemento de namoro e interesse
comercial". Para ele, a maior parte da produção carnavalesca era
"chata, plagiária, falsa como as canções americanas de cinema".
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