Exceções destroem credibilidade do arcabouço fiscal
Por O Globo
Até o fim do mandato, governo terá gastado
1,3% do PIB fora das metas que ele mesmo estabeleceu
Repetindo um comportamento contumaz, o Senado aprovou mais uma despesa que ficará fora da meta fiscal. O projeto tramitou de forma célere, com apoio maciço de governistas e oposicionistas. Permite destinar até R$ 5 bilhões a investimentos estratégicos do Ministério da Defesa sem se preocupar com o impacto nas contas públicas. Com mais essa manobra, até o fim do mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá superado R$ 150 bilhões em exceções às regras do arcabouço fiscal (elas já passam de R$ 140 bilhões). Não é montante desprezível. Corresponde a 1,3% do PIB, ou ao valor previsto este ano para o Bolsa Família.
O investimento na Defesa pode até ser
meritório, mas se soma a diversos outros gastos que, por mais necessários que
sejam, nada têm de excepcional. Deveriam ser compensados com cortes de
despesas. Em vez disso, contribuirão para aprofundar o buraco nas contas
públicas. Sem qualquer constrangimento, a fila de exceções só aumenta. A
primeira iniciativa foi adotada em dezembro de 2023, antes mesmo de o arcabouço
entrar em vigor. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu
regularizar pagamentos de dívidas judiciais (precatórios) fora do limite de
gastos e da meta fiscal até o fim de 2026. Como o Executivo antecipou o
pagamento ainda em 2023, não houve exceção em 2024. Neste ano, porém, o gasto
fora da meta será de cerca de R$ 40 bilhões. Para 2026, estão previstos R$ 57,8
bilhões.
A comoção nacional provocada pelas enchentes
no Rio Grande do Sul serviu de pretexto para que o governo novamente sabotasse
as próprias regras. Os gastos com a reconstrução do estado (R$ 29 bilhões)
foram retirados da meta e do limite de despesas, assim como os recursos
destinados a regiões castigadas por incêndios florestais (R$ 1,4 bilhão). Ainda
no ano passado, foram autorizados como exceção R$ 5 bilhões de investimentos de
estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Neste ano, o
ressarcimento a aposentados lesados por descontos fraudulentos também se somou
à lista de exceções, depois de autorização do Supremo. Para que o governo
pudesse ressarcir as vítimas da roubalheira, o Congresso aprovou crédito
extraordinário de R$ 3,3 bilhões. Somente em 2025, o valor fora da meta já soma
R$ 47,1 bilhões. Para o ano que vem, ainda podem entrar os gastos na Defesa e o
socorro a empresas afetadas pelo tarifaço de Donald Trump.
É lamentável que o governo crie regras de
controle das contas — já demasiado frouxas —, depois lance mão de artimanhas
para driblá-las. “Quando o governo lançou o projeto do arcabouço, a meta de
resultado primário para 2025 era 0,5% do PIB. A gente obteve -0,5%”, diz o
economista Marcos Mendes. “Para 2026, a expectativa era 1% do PIB. Agora é
-0,6%. A dívida bruta prevista para 2026 era 77,3% do PIB. O mercado projeta
83,7%.”
As exceções contumazes só estimulam a crise
fiscal, num governo que despreza a contenção de gastos. Não se questiona a
destinação de recursos para calamidades ou situações atípicas, mas as despesas
precisam seguir as regras pactuadas pelo governo. Ou então perde-se a credibilidade.
Embora a despesa não seja computada, ela continua alimentando a dívida, minando
a confiança no governo, pressionando os juros e prejudicando a atividade
econômica. A conta da incúria fiscal sobra para todos os brasileiros.
Venda do Maracanã beneficiará todos — o
governo, as torcidas e o futebol
Por O Globo
Dado valor histórico e simbólico do estádio,
é preciso garantir que continue palco dos clássicos cariocas
É oportuno o projeto do deputado estadual
Alexandre Knoploch (PL) incluindo o Maracanã na
lista de imóveis que o Estado do Rio de Janeiro poderá vender para reduzir sua
dívida e mitigar a crise fiscal crônica. Não faz sentido o governo possuir ou
administrar um estádio de futebol. Tanto que, desde 2019, a dupla Flamengo e
Fluminense, por concessão, cuida do Maracanã. Diante da necessidade de
equilibrar as contas do estado, é sensato passá-lo adiante.
O rombo orçamentário previsto no Orçamento
fluminense de 2026 é de quase R$ 19 bilhões, o maior em cinco anos. O estoque
da dívida passa de R$ 227 bilhões, com proporção de endividamento sobre receita
superior a 200%, bem acima do limite permitido pela Lei de Responsabilidade
Fiscal. Ainda que o Rio obtenha adesão ao Propag, o novo programa de
refinanciamento em condições generosas aprovado pelo Congresso, o problema não
desaparecerá. Os esforços para saná-lo passam tanto pelo equilíbrio
orçamentário quanto pela venda de ativos — uma das condições do Propag para
conceder taxas de juro mais baixas. É nesse contexto que entra a privatização
do Maracanã, incluído numa lista de 62 imóveis que deverão ser vendidos.
Não se pode esquecer que o estádio é uma
instituição do Rio de Janeiro e um símbolo do futebol mundial. Já foi palco de
duas finais de Copa do Mundo, em 1950 e 2014, além de inúmeras partidas
históricas. Com a reforma para a Copa de 2014, foi modernizado, ficou mais
seguro e oferece melhor visão do gramado. Ainda serão necessários, porém,
investimentos em manutenção e na ampliação da oferta de serviços, como lojas,
bares ou restaurantes.
Estima-se que o conjunto formado por Estádio
Mário Filho, Maracanãzinho, Parque Aquático Júlio Delamare e pelo antigo
Estádio Célio de Barros, de atletismo, possa ser vendido por R$ 2 bilhões. Na
ponta do lápis, é menos que o custo de um estádio novo, como o que o Flamengo
projeta erguer na região do Gasômetro. Com a vantagem de já haver experiência
de clubes na gestão.
Na semana passada, o presidente da Assembleia
Legislativa (Alerj), Rodrigo Bacellar (União), reuniu-se com o presidente do
Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, e com deputados da Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), e o tema veio à tona. Ao assumir, Baptista interrompeu o projeto
de construção do estádio próprio para estudar o assunto. Planos dessa
envergadura podem ser fatais para as finanças de clubes, e é possível que seja
mais vantajoso comprar um estádio pronto.
Dado o valor histórico e simbólico do Maracanã, é essencial que as regras da privatização contenham salvaguardas. É preciso garantir a integridade arquitetônica e manter no estádio os clássicos do futebol carioca, com divisão equânime entre as torcidas. “Pode-se ainda colocar uma condicionante na venda, de que os demais clubes poderão usá-lo, sob pagamento da locação”, diz Knoploch. Tudo isso pode ser garantido por mecanismos legais. Tomados os devidos cuidados, todos ganharão com a venda do Maracanã — o governo, as torcidas e o futebol.
Exceções em série tornam regra fiscal uma
peça de ficção
Por Folha de S. Paulo
Com bênção do governo Lula, Senado acaba de
aprovar gastos militares fora dos limites orçamentários
A consequência é perda de credibilidade que
dificulta a queda dos juros cobrados por credores de uma dívida pública que
cresce sem parar
É preocupante constatar rotineiramente que o
mal denominado arcabouço fiscal, aprovado em 2023 como âncora para a
estabilidade das contas públicas do Estado brasileiro, não passa de uma regra
frágil, com sucessivas exceções que sabotam sua finalidade.
Para se ter uma ideia, cálculos da
Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado, apontam
que as despesas fora dos limites fixados podem chegar a R$ 157,3 bilhões entre
2024 e 2026.
O marco estabelece uma meta de resultado
primário (receitas menos despesas, excluindo juros da
dívida) com tolerância —exagerada, diga-se— de 0,25% do PIB para mais ou para
menos. Neste ano a meta é de déficit zero, com limite inferior de R$ 31
bilhões.
Ademais, há normas para o aumento dos gastos
federais, que deve seguir taxa correspondente a 70% da expansão das receitas,
com teto anual de 2,5%.
A margem de tolerância e eventuais exceções
deveriam ser utilizadas somente em caos de emergências ou eventos inesperados
de grande impacto orçamentário. Na prática, entretanto, dá-se um jeito de
encaixar de tudo um pouco nesses critérios.
Com a bênção do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), o Senado
acaba de aprovar
R$ 5 bilhões anuais para investimentos em equipamentos das Forças
Armadas fora do teto. Serão R$ 30 bilhões em seis anos num setor já
custoso em razão de despesas com pessoal ativo e polpudas aposentadorias. Esse
é apenas o exemplo mais recente.
Ainda em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a
norma criada na gestão de Jair Bolsonaro (PL) que permitia adiar o pagamento de
parte dos precatórios federais, mas autorizou que esses gastos não fossem
integralmente incluídos no arcabouço fiscal. Isso viabilizou R$ 40 bilhões em
2025 e R$ 57,8 bilhões em 2026 fora das restrições.
No ano passado foram excetuados R$ 29 bilhões
para socorro ao Rio Grande do Sul, atingido por enchentes. Neste 2025 adicionaram-se
R$ 3,3 bilhões para ressarcir beneficiários do INSS vítimas
de descontos fraudulentos e R$ 9,5 bilhões para conter os efeitos do tarifaço
comercial promovido pelos EUA.
Com isso, o déficit primário real de R$ 73,5
bilhões projetado para este ano corresponderá a não mais de R$ 30,2 bilhões,
graças a todas as gambiarras, e a meta —supostamente de déficit zero— estará
cumprida perto do limite mínimo autorizado.
Como a tapeação está à vista de todos, a
consequência é perda de credibilidade que dificulta, entre outras coisas, a
queda dos juros cobrados pelos credores de uma dívida pública que cresce sem
parar —e é o indicador mais fidedigno dos resultados da política fiscal.
A meta perde seu poder de sinalização,
deixando de guiar expectativas da sociedade. Mas não há como ocultar a
deterioração contínua das finanças públicas, que cedo ou tarde exigirá ajustes
e reformas politicamente difíceis.
Resistência a antibióticos é crise silenciosa
Por Folha de S. Paulo
Segundo a OMS, 1 em cada 6 infecções
bacterianas não reage aos remédios e o Brasil tem taxas elevadas
Aqui, mais de 50% das infecções urinárias
causadas por dois patógenos resistem aos antibióticos; no Chile, essas taxas
não alcançam 30%
Em 2019, a Organização Mundial da Saúde declarou
que a
resistência antimicrobiana (RAM) é uma das dez maiores ameaças à
saúde. Desde lá, porém, a situação só piora, indicando que se trata de uma
crise sanitária gradual e silenciosa —ao contrário das epidemias.
Relatório do Sistema Mundial de Vigilância da
Resistência aos Antimicrobianos e de seu Uso (GLASS) de 2025, divulgado na
segunda (13) pela OMS, mostra
que 1
em cada 6 infecções bacterianas confirmadas em laboratório é resistente a
antibióticos. De 2018 a 2023, a RAM aumentou 40% no mundo, com altas relativas
anuais variando de 5% a 15%.
Pesquisas estimam que cerca de 5 milhões de
mortes por ano estejam relacionadas ao problema. Segundo o Banco Mundial, se
não for controlada, a RAM produzirá perdas anuais de US$ 1 trilhão a US$ 3,4
trilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) até 2030.
No Brasil, o cenário é delicado. O
levantamento da OMS, que cobre o período entre 2016 e 2023, mostra
altas taxas de RAM no país. Mais de 50% das infecções urinárias causadas
pelas bactérias Escherichia
coli e Klebsiella
pneumoniae, por exemplo, apresentam resistência tanto a
antibióticos comuns como aos de terceira geração —no vizinho Chile, essas
taxas não alcançam 30%.
Em algumas infecções sanguíneas, supera-se os
40%, e, nas urogenitais provocadas por Neisseria
gonorrhoeae, a RAM beira a universalidade com mais de 70%.
Trata-se de um caso de feitiço contra o
feiticeiro. Se a descoberta da ação antibiótica há cerca de 90 anos foi um
feito notável da ciência que salvou milhões de vidas, sua aplicação
indiscriminada gerou infecções que não respondem aos remédios.
Não só em humanos. O uso de antibióticos em
larga escala na agropecuária também impulsiona o surgimentos de micróbios cada
vez mais resistentes.
No Brasil, há gargalos estruturais. A atenção
primária em saúde é ampla, o que facilita o acesso a esse tipo de medicamento
sem muito controle, já que a rede carece de serviços de diagnósticos essenciais
para atestar que a infecção é de fato bacteriana e o tipo de patógeno —muitas
vezes o antibiótico é receitado para casos virais ou não é o mais indicado para
determinada bactéria.
Outro problema é a precária cobertura de
vigilância da RAM, ainda concentrada em hospitais terciários (os de alta
complexidade) e com baixa representatividade da região Norte.
Racionalidade é a chave aqui, seja na prescrição de antibióticos, seja na alocação de recursos no sistema público de saúde.
Vale-tudo orçamentário
Por O Estado de S. Paulo
Governo e Congresso culpam um ao outro, mas
ambos ignoram Lei de Responsabilidade Fiscal ao apresentarem projetos que
ampliam gastos sem dizer o quanto eles efetivamente custarão à sociedade
Governo e Congresso costumam duelar sobre
quem tem mais responsabilidade fiscal, mas seria mais justo que disputassem o
título de quem tem menos. Afinal, oito em cada dez dos projetos com impacto nas
contas públicas em tramitação no Legislativo foram apresentados por um ou outro
sem uma estimativa sobre seus custos, segundo estudo elaborado pelo Movimento
Orçamento Bem Gasto e publicado pelo Estadão.
Coordenado pelo cientista político e advogado
Marcelo Issa, o Movimento Orçamento Bem Gasto reúne especialistas, autoridades,
economistas e empresários e tenta sensibilizar lideranças políticas a elaborar
um Orçamento transparente, sustentável e eficiente, com vistas ao crescimento
sustentável, à redução de desigualdades e à justiça intergeracional.
Para isso, é imprescindível que o País retome
o equilíbrio fiscal, razão pela qual todas as propostas que tramitam no
Legislativo deveriam trazer cálculos sobre o quanto elas custarão à sociedade.
É, inclusive, o que manda a lei, mas não é assim que a banda toca em Brasília.
O estudo do Movimento Orçamento Bem Gasto
deixa claro como Congresso e Executivo, a despeito de assumirem discursos
fáceis – seja contra o aumento de impostos, seja a favor da taxação dos ricos –
trabalham na surdina para inviabilizar o Orçamento. Os resultados evidenciam a
preferência, tanto por parte do governo quanto dos parlamentares, por projetos
que criem ou ampliem benefícios, auxílios e isenções.
Das 496 propostas que tratavam de assuntos de
natureza fiscal, apenas 104, o equivalente a 21% do total, tinham estimativa de
impacto financeiro no momento em que haviam sido apresentadas. Quanto mais
próxima estava a eleição, mais projetos desse tipo eram protocolados.
É como se tivesse sido revogada a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) – segundo a qual todo incentivo ou benefício que
gere renúncia fiscal, bem como toda ação que acarrete aumento de despesas, deve
estar acompanhado de estimativa de impacto orçamentário-financeiro.
O levantamento revela um padrão de
comportamento generalizado e pernicioso de ignorar o custo das políticas
públicas. Essa conduta independe do espectro político e abarca parlamentares de
partidos de esquerda, de centro e de direita, todos de olho nos louros
eleitorais que elas podem render.
Mas o governo tampouco é inocente. Embora
invoque a LRF para vetar propostas aprovadas pelo Congresso, o Executivo ignora
os dispositivos da lei quando convém. De acordo com o levantamento, de 42
projetos com impactos fiscais apresentados pelo governo federal entre 2011 e
2025, 21 deles não possuíam o cálculo do custo para o Orçamento.
Foi assim, sem apresentar números, que o
governo propôs a retomada de obras paradas nas áreas de saúde e educação e um
programa para reduzir a fila de processos e exames médicos no Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) por meio do pagamento de bônus aos peritos.
A ausência de estimativas de impacto tampouco
impediu o Executivo de apoiar o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover),
que garantiu subsídios para montadoras, e o perdão de dívidas com o Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies).
Analisada de maneira individual, cada uma
dessas políticas encontrará defensores dispostos a mostrar que elas têm mérito.
Em conjunto, no entanto, elas não cabem no Orçamento, que, em tese, deveria
priorizar medidas que beneficiem a coletividade em vez de grupos de interesse específicos.
As propostas defendidas pelo Movimento
Orçamento Bem Gasto são claras: redução de privilégios, reforma da Previdência,
desindexação e desobrigação de despesas, redução e requalificação de emendas
parlamentares e uma nova arquitetura fiscal e orçamentária que assegure
responsabilidade e capacidade de ação ao Estado.
Não se deve esperar que governo, Congresso e
Judiciário encarem essas propostas de bom grado, sobretudo a menos de um ano da
eleição. Mas, sem pressão da sociedade em prol de uma agenda que vá além dos
ciclos eleitorais, o País permanecerá preso na armadilha do baixo crescimento
econômico e refém dos voos de galinha.
O Supremo normalizou o nepotismo
Por O Estado de S. Paulo
Ao permitir a nomeação de parentes para
cargos políticos, desde que tenham ‘qualificação técnica’, o STF afronta o
princípio republicano da impessoalidade e abastarda a administração pública
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou
maioria para manter o entendimento que autoriza a nomeação de parentes para
cargos políticos na administração pública. A decisão, embora tecnicamente
apresentada pelo relator, Luiz Fux, como uma reafirmação da jurisprudência da
Corte, na prática afronta princípios republicanos elementares. O Supremo pode
dar quantas piruetas hermenêuticas quiser, mas a nomeação de familiares diretos
para cargos temporários ou em comissão configura, sim, o velho e ilegal
nepotismo.
Fux foi acompanhado por Cristiano Zanin,
André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Para eles,
não há nepotismo quando o parente indicado possui “qualificação técnica” para
exercer o cargo. Beira o escárnio. Ora, o mal do nepotismo não está no
currículo do parente nomeado, mas na natureza da relação que levou à sua
nomeação. Quando o poder é exercido como extensão de relações familiares, toda
a sociedade perde. Ao admitir exceção com base na “competência” do parente –
que sabe-se lá como e se seria fiscalizada –, o Supremo abastarda a
impessoalidade e a moralidade que devem nortear a administração pública.
O caso particular, de repercussão geral,
trata de uma lei aprovada em Tupã (SP), em 2013, que proibia a contratação de
parentes até o terceiro grau do prefeito, do vice e dos vereadores, exceto
nomeações para o secretariado municipal. O Tribunal de Justiça de São Paulo
declarou inconstitucional essa brecha, mas a prefeitura de Tupã recorreu ao
Supremo. Agora, a Corte alterou a Súmula Vinculante n.º 13, de 2008, para
excluir a nomeação de parentes para cargos políticos das hipóteses de nepotismo
– decisão, por ora majoritária, tomada em nome de uma suposta “autonomia do
governante” para escolher seus auxiliares diretos.
A versão original da Súmula Vinculante n.º 13
foi um marco civilizatório. Sua razão de ser era elementar: impedir que o
Estado voltasse a ser tratado como propriedade privada de governantes e seus
clãs. Ao relativizar a própria súmula, alguns anos depois, o STF enfraqueceu um
dos instrumentos mais eficazes para combater o patrimonialismo, um traço
atávico que até hoje degrada a vida pública do País.
Durante o julgamento, na quinta-feira
passada, Fux afirmou que “a mensagem do Supremo é que a regra é a possibilidade
(de nomeação de parentes), e a exceção é a impossibilidade”, buscando afastar a
ideia de uma “carta de alforria” para o nepotismo. Mas é exatamente isso o que
a decisão da Corte será, caso não seja modificada. É de uma ingenuidade
desarmante supor que governadores e prefeitos das 27 unidades da Federação e
dos mais de 5.570 municípios brasileiros submeterão os currículos de seus
parentes a algum escrutínio técnico rigoroso. Ou que, diante de candidatos
igualmente qualificados, não optarão pelo laço familiar. A experiência política
brasileira demonstra que, sempre que há brechas, o interesse particular
infiltra-se no poder institucional.
Até agora, o voto divergente do ministro
Flávio Dino foi o único a respeitar a lei e, principalmente, o espírito
republicano. Dino lembrou que a Lei n.º 14.230/21 vedou expressamente o
nepotismo sem abrir exceção para cargos políticos. Ao tipificar o nepotismo
como improbidade, o Congresso, esclareceu Dino, “não excepcionalizou cargos
políticos”. O ministro defende a revisão da jurisprudência, porque a lei
posterior prevalece sobre a interpretação anterior da Corte. É o Supremo que
deve ajustar-se à lei, não o inverso.
Ao insistir na permissividade como regra, o
STF ainda agrava um mal crônico do próprio Judiciário: a complacência com o
conflito de interesses, seja nas relações familiares, seja nas afinidades
políticas e empresariais. Nada parece constranger Suas Excelências. Ao menos
são coerentes. O mesmo STF que agora flexibiliza a prática do nepotismo no
Executivo afrouxou, em 2023, as regras de impedimento de juízes em processos
que envolvem clientes de escritórios de parentes.
Impessoalidade não é capricho, mas sim a
garantia de que o Estado não será tomado por famílias ou grupos de interesse. A
decisão do Supremo – que, esperamos, seja revertida – naturaliza uma prática
que o Brasil, a duras penas, tem tentado eliminar desde a redemocratização.
Greve política é abusiva
Por O Estado de S. Paulo
TST acerta ao dizer que a Constituição não
permite greve contra a reforma trabalhista
A Constituição federal não protege uma greve
política. Esse foi o entendimento firmado acertadamente pela Seção
Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), durante um recente julgamento sobre um movimento deflagrado contra a
reforma trabalhista do governo Michel Temer. Segundo a decisão dos ministros da
SDC, os empregados têm, sim, o direito de cruzar os braços para pressionar seus
empregadores por melhores condições de trabalho, salário ou quaisquer outros
benefícios econômicos, mas não lhes é assegurado o direito de parar de
trabalhar por inconformismo com medidas adotadas pelo poder público.
Pois foi justamente isso o que aconteceu no
caso concreto em análise na SDC. Os ministros julgaram um recurso apresentado
por um sindicato de trabalhadores da indústria de cimento de Sergipe contra uma
decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 20.ª Região (TRT-20) que considerou
abusiva uma greve realizada na unidade da Votorantim em Laranjeiras (SE). Em
2017, esse sindicato parou sua base não apenas contra a reforma trabalhista,
mas contra a lei de terceirização, uma eventual reforma da Previdência e
suspeitas de corrupção. Houve bloqueios na portaria da fábrica, e
trabalhadores, terceirizados e prestadores de serviços foram impedidos de
entrar no local.
Com isso, a Votorantim deixou de atender a
282 ordens de serviço em abril daquele ano, o que a forçou depois a contratar
777 horas extras para dar conta da sua demanda. Como se vê, a empresa acumulou
perdas financeiras em razão de uma greve cuja reivindicação era incapaz de
atender, pois não tinha qualquer relação com a pauta em discussão. Por óbvio, a
companhia resistiu na Justiça a essas arbitrariedades. A Votorantim alegou que
essa mobilização incentivada pelo sindicato tinha caráter político, sem guardar
relação alguma com quaisquer reinvidicações contratuais.
O direito de greve é constitucional, mas não
é ilimitado. Segundo a Constituição, aos trabalhadores compete decidir “a
oportunidade de exercê-lo” assim como “os interesses que devam por meio dele
defender”, mas tudo isso é permitido respeitando-se a lei e as necessidades
inadiáveis da comunidade, sem o cometimento de abusos. E, como bem atestaram os
magistrados do TRT-20 e do TST, a Lei 7.783, de 1989, mais conhecida como Lei
de Greve, permitiu a realização desse tipo de movimento contra os empregadores,
e não contra os Poderes da República.
Por isso, no entendimento do relator, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, uma greve política não é um direito trabalhista com proteção constitucional. Foi assim acompanhado pela maioria dos integrantes da SDC na declaração de abusividade daquela greve. Agora, com essa decisão colegiada, espera-se que sindicalistas irresponsáveis não ousem mais tentar constranger as suas bases a aderirem a aventuras que apenas atendem às suas agendas, não raro, político-partidárias. A greve é um direito do trabalhador, não do sindicato. Eis uma boa lição dada pelo TST.
CPMI do INSS não pode virar inquérito de
ocasião
Por Correio Braziliense
O país já assistiu a inúmeras comissões
parlamentares que começaram com promessas de moralização e acabaram em
relatórios inconclusos, arquivados sem punição
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) do INSS chega a um ponto crítico pouco mais de dois meses depois de
instalada. O colegiado acumulou mais de 300 horas de trabalho, dezenas de
oitivas e produziu um vasto conjunto de documentos e provas. Mas o que poderia
representar um avanço decisivo na luta contra a corrupção e a impunidade corre
o risco de se dissolver na espuma dos discursos e das disputas políticas. O
apelo dramático do presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG),
para que o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), decrete
as prisões já aprovadas é um gesto de desespero institucional — e, ao mesmo
tempo, uma tentativa de resgatar a credibilidade de um inquérito que ameaça
cair na rotina das "CPMIs de ocasião".
O escândalo no Instituto Nacional do Seguro
Social atinge o coração de um dos sistemas mais sensíveis do Estado brasileiro:
a Previdência. O desvio de recursos destinados a aposentados e pensionistas não
é apenas um crime contra o erário, é uma ofensa direta à dignidade de milhões
de brasileiros que confiaram no Estado ao longo de décadas de contribuição.
Quando o senador Viana afirma que "esses homens não vivem sob suspeita,
vivem do roubo dos mais pobres", ele traduz o sentimento de indignação de
quem vê o país conviver com a miséria de uns e a impunidade de outros.
A comissão conseguiu reunir elementos
consistentes sobre as fraudes em descontos associativos ilegais, as
movimentações de dinheiro ilícito e o papel de operadores como Antônio Carlos
Camilo, o "Careca do INSS", e Felipe Macedo Gomes, ex-presidente da
Amar Brasil, entidade apontada como fachada de um esquema que teria movimentado
mais de R$ 1 bilhão. As investigações mostram que as fraudes atingiam
diretamente os contracheques dos beneficiários, que viam o valor de seus
proventos ser reduzido por cobranças indevidas, sem qualquer autorização ou
contrapartida real.
O senador Viana acusa o governo federal de
omissão, citando relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) de 2024 que
alertavam para repasses suspeitos e não receberam providências. De fato, não
basta lamentar as falhas de fiscalização, é preciso esclarecer se houve
negligência ou conivência. A administração pública tem o dever de responder por
eventuais omissões, sobretudo quando elas prejudicam os mais vulneráveis.
Ao longo dos trabalhos, a CPMI também foi
palco de constrangimentos: bate-bocas entre parlamentares e advogados,
depoentes amparados no direito ao silêncio, tentativas de manipular o foco da
investigação e de transformá-la em arena política. A oposição busca capitalizar
o escândalo, mas corre o risco de perder legitimidade se o inquérito descambar
para a "pirotecnia", como advertiu o ministro da Previdência Social,
Wolney Queiroz.
O desafio agora é impedir que a CPMI termine sem consequências concretas. O país já assistiu a inúmeras comissões parlamentares que começaram com promessas de moralização e acabaram em relatórios inconclusos, arquivados sem punição. A CPMI do INSS não pode virar pizza.
As expectativas da reunião entre Lula e Trump
Por O Povo (CE)
Encontro entre os
dois presidentes indica que a relação entre Brasil e Estados Unidos caminha
para a normalidade
A reunião ocorrida há oito dias, entre o
ministro brasileiro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de
Estado americano, Marco Rubio, serviu para "quebrar o gelo" entre os
dois países. No entanto, nada foi revelado do que foi conversado entre as duas
delegações, em termos de propostas.
O comunicado conjunto, divulgado após o
encontro em Washington, informou apenas que Brasil e os Estados Unidos
"concordaram em colaborar e conduzir discussões em várias frentes no
futuro imediato (…). Ambas as partes também concordaram em trabalhar
conjuntamente pela realização de reunião entre o presidente Trump e o
presidente Lula na primeira oportunidade possível".
De fato, os termos desta nota foram
rigorosamente cumpridos. As negociações continuaram e Lula se reunirá com Trump
neste domingo, em Kuala Lumpur, capital da Malásia, onde ambos se encontram
para participar da cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean),
bloco econômico que reúne países da região.
A pauta do encontro não foi divulgada. Mas, a
partir do que se conhece até agora, será restrita principalmente às questões
econômicas. Nada indica que Trump insistirá em um "perdão" para
Bolsonaro ou continue a sancionar autoridades brasileiras.
Também está praticamente fora de cogitação,
apesar da instabilidade de Trump, que o presidente americano use o encontro
para constranger Lula de alguma forma, como já fez com outros líderes mundiais.
De sua parte, Lula vai reivindicar a redução
da sobretaxa de 50% imposta aos produtos brasileiros e pedir o fim da aplicação
da Lei Magnitsky contra brasileiros, reafirmar a soberania brasileira e
reivindicar mais acesso ao mercado americano.
Trump, por sua vez, deverá se ater a questões
pragmáticas, pondo na mesa o interesse pelas terras raras, abundantes no
Brasil, advogará em favor das grandes empresas de tecnologia, e se mostrará
interessado em investimentos de empresas brasileiras, como a Embraer, nos
Estados Unidos.
É importante destacar que nenhum ponto econômico
deve ser considerado "inegociável". Tudo depende se acordo realizado
respeita os interesses do povo brasileiro.
Mas é possível que temas geopolíticos entrem
na conversa, especialmente a situação da Venezuela, sob pressão militar dos
Estados Unidos. Recentemente, Trump anunciou, sem citar o país sul-americano,
uma possível "ação terrestre", supostamente para combater cartéis de
drogas. Se o assunto vier à tona, Trump ouvirá de Lula que uma intervenção na
Venezuela pode criar instabilidade em toda a região.
No mais, tudo indica, salvo alguma surpresa, que tudo caminha para a normalização da relação do Brasil com os Estados Unidos. É um bom resultado, independentemente de quem governa os EUA, pois é importante manter os laços diplomáticos que unem os dois países há mais de dois séculos.

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