sábado, 25 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Exceções destroem credibilidade do arcabouço fiscal

Por O Globo

Até o fim do mandato, governo terá gastado 1,3% do PIB fora das metas que ele mesmo estabeleceu

Repetindo um comportamento contumaz, o Senado aprovou mais uma despesa que ficará fora da meta fiscal. O projeto tramitou de forma célere, com apoio maciço de governistas e oposicionistas. Permite destinar até R$ 5 bilhões a investimentos estratégicos do Ministério da Defesa sem se preocupar com o impacto nas contas públicas. Com mais essa manobra, até o fim do mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá superado R$ 150 bilhões em exceções às regras do arcabouço fiscal (elas já passam de R$ 140 bilhões). Não é montante desprezível. Corresponde a 1,3% do PIB, ou ao valor previsto este ano para o Bolsa Família.

O investimento na Defesa pode até ser meritório, mas se soma a diversos outros gastos que, por mais necessários que sejam, nada têm de excepcional. Deveriam ser compensados com cortes de despesas. Em vez disso, contribuirão para aprofundar o buraco nas contas públicas. Sem qualquer constrangimento, a fila de exceções só aumenta. A primeira iniciativa foi adotada em dezembro de 2023, antes mesmo de o arcabouço entrar em vigor. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu regularizar pagamentos de dívidas judiciais (precatórios) fora do limite de gastos e da meta fiscal até o fim de 2026. Como o Executivo antecipou o pagamento ainda em 2023, não houve exceção em 2024. Neste ano, porém, o gasto fora da meta será de cerca de R$ 40 bilhões. Para 2026, estão previstos R$ 57,8 bilhões.

A comoção nacional provocada pelas enchentes no Rio Grande do Sul serviu de pretexto para que o governo novamente sabotasse as próprias regras. Os gastos com a reconstrução do estado (R$ 29 bilhões) foram retirados da meta e do limite de despesas, assim como os recursos destinados a regiões castigadas por incêndios florestais (R$ 1,4 bilhão). Ainda no ano passado, foram autorizados como exceção R$ 5 bilhões de investimentos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Neste ano, o ressarcimento a aposentados lesados por descontos fraudulentos também se somou à lista de exceções, depois de autorização do Supremo. Para que o governo pudesse ressarcir as vítimas da roubalheira, o Congresso aprovou crédito extraordinário de R$ 3,3 bilhões. Somente em 2025, o valor fora da meta já soma R$ 47,1 bilhões. Para o ano que vem, ainda podem entrar os gastos na Defesa e o socorro a empresas afetadas pelo tarifaço de Donald Trump.

É lamentável que o governo crie regras de controle das contas — já demasiado frouxas —, depois lance mão de artimanhas para driblá-las. “Quando o governo lançou o projeto do arcabouço, a meta de resultado primário para 2025 era 0,5% do PIB. A gente obteve -0,5%”, diz o economista Marcos Mendes. “Para 2026, a expectativa era 1% do PIB. Agora é -0,6%. A dívida bruta prevista para 2026 era 77,3% do PIB. O mercado projeta 83,7%.”

As exceções contumazes só estimulam a crise fiscal, num governo que despreza a contenção de gastos. Não se questiona a destinação de recursos para calamidades ou situações atípicas, mas as despesas precisam seguir as regras pactuadas pelo governo. Ou então perde-se a credibilidade. Embora a despesa não seja computada, ela continua alimentando a dívida, minando a confiança no governo, pressionando os juros e prejudicando a atividade econômica. A conta da incúria fiscal sobra para todos os brasileiros.

Venda do Maracanã beneficiará todos — o governo, as torcidas e o futebol

Por O Globo

Dado valor histórico e simbólico do estádio, é preciso garantir que continue palco dos clássicos cariocas

É oportuno o projeto do deputado estadual Alexandre Knoploch (PL) incluindo o Maracanã na lista de imóveis que o Estado do Rio de Janeiro poderá vender para reduzir sua dívida e mitigar a crise fiscal crônica. Não faz sentido o governo possuir ou administrar um estádio de futebol. Tanto que, desde 2019, a dupla Flamengo e Fluminense, por concessão, cuida do Maracanã. Diante da necessidade de equilibrar as contas do estado, é sensato passá-lo adiante.

O rombo orçamentário previsto no Orçamento fluminense de 2026 é de quase R$ 19 bilhões, o maior em cinco anos. O estoque da dívida passa de R$ 227 bilhões, com proporção de endividamento sobre receita superior a 200%, bem acima do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda que o Rio obtenha adesão ao Propag, o novo programa de refinanciamento em condições generosas aprovado pelo Congresso, o problema não desaparecerá. Os esforços para saná-lo passam tanto pelo equilíbrio orçamentário quanto pela venda de ativos — uma das condições do Propag para conceder taxas de juro mais baixas. É nesse contexto que entra a privatização do Maracanã, incluído numa lista de 62 imóveis que deverão ser vendidos.

Não se pode esquecer que o estádio é uma instituição do Rio de Janeiro e um símbolo do futebol mundial. Já foi palco de duas finais de Copa do Mundo, em 1950 e 2014, além de inúmeras partidas históricas. Com a reforma para a Copa de 2014, foi modernizado, ficou mais seguro e oferece melhor visão do gramado. Ainda serão necessários, porém, investimentos em manutenção e na ampliação da oferta de serviços, como lojas, bares ou restaurantes.

Estima-se que o conjunto formado por Estádio Mário Filho, Maracanãzinho, Parque Aquático Júlio Delamare e pelo antigo Estádio Célio de Barros, de atletismo, possa ser vendido por R$ 2 bilhões. Na ponta do lápis, é menos que o custo de um estádio novo, como o que o Flamengo projeta erguer na região do Gasômetro. Com a vantagem de já haver experiência de clubes na gestão.

Na semana passada, o presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), Rodrigo Bacellar (União), reuniu-se com o presidente do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, e com deputados da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e o tema veio à tona. Ao assumir, Baptista interrompeu o projeto de construção do estádio próprio para estudar o assunto. Planos dessa envergadura podem ser fatais para as finanças de clubes, e é possível que seja mais vantajoso comprar um estádio pronto.

Dado o valor histórico e simbólico do Maracanã, é essencial que as regras da privatização contenham salvaguardas. É preciso garantir a integridade arquitetônica e manter no estádio os clássicos do futebol carioca, com divisão equânime entre as torcidas. “Pode-se ainda colocar uma condicionante na venda, de que os demais clubes poderão usá-lo, sob pagamento da locação”, diz Knoploch. Tudo isso pode ser garantido por mecanismos legais. Tomados os devidos cuidados, todos ganharão com a venda do Maracanã — o governo, as torcidas e o futebol.

Exceções em série tornam regra fiscal uma peça de ficção

Por Folha de S. Paulo

Com bênção do governo Lula, Senado acaba de aprovar gastos militares fora dos limites orçamentários

A consequência é perda de credibilidade que dificulta a queda dos juros cobrados por credores de uma dívida pública que cresce sem parar

É preocupante constatar rotineiramente que o mal denominado arcabouço fiscal, aprovado em 2023 como âncora para a estabilidade das contas públicas do Estado brasileiro, não passa de uma regra frágil, com sucessivas exceções que sabotam sua finalidade.

Para se ter uma ideia, cálculos da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado, apontam que as despesas fora dos limites fixados podem chegar a R$ 157,3 bilhões entre 2024 e 2026.

O marco estabelece uma meta de resultado primário (receitas menos despesas, excluindo juros da dívida) com tolerância —exagerada, diga-se— de 0,25% do PIB para mais ou para menos. Neste ano a meta é de déficit zero, com limite inferior de R$ 31 bilhões.

Ademais, há normas para o aumento dos gastos federais, que deve seguir taxa correspondente a 70% da expansão das receitas, com teto anual de 2,5%.

A margem de tolerância e eventuais exceções deveriam ser utilizadas somente em caos de emergências ou eventos inesperados de grande impacto orçamentário. Na prática, entretanto, dá-se um jeito de encaixar de tudo um pouco nesses critérios.

Com a bênção do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Senado acaba de aprovar R$ 5 bilhões anuais para investimentos em equipamentos das Forças Armadas fora do teto. Serão R$ 30 bilhões em seis anos num setor já custoso em razão de despesas com pessoal ativo e polpudas aposentadorias. Esse é apenas o exemplo mais recente.

Ainda em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a norma criada na gestão de Jair Bolsonaro (PL) que permitia adiar o pagamento de parte dos precatórios federais, mas autorizou que esses gastos não fossem integralmente incluídos no arcabouço fiscal. Isso viabilizou R$ 40 bilhões em 2025 e R$ 57,8 bilhões em 2026 fora das restrições.

No ano passado foram excetuados R$ 29 bilhões para socorro ao Rio Grande do Sul, atingido por enchentes. Neste 2025 adicionaram-se R$ 3,3 bilhões para ressarcir beneficiários do INSS vítimas de descontos fraudulentos e R$ 9,5 bilhões para conter os efeitos do tarifaço comercial promovido pelos EUA.

Com isso, o déficit primário real de R$ 73,5 bilhões projetado para este ano corresponderá a não mais de R$ 30,2 bilhões, graças a todas as gambiarras, e a meta —supostamente de déficit zero— estará cumprida perto do limite mínimo autorizado.

Como a tapeação está à vista de todos, a consequência é perda de credibilidade que dificulta, entre outras coisas, a queda dos juros cobrados pelos credores de uma dívida pública que cresce sem parar —e é o indicador mais fidedigno dos resultados da política fiscal.

A meta perde seu poder de sinalização, deixando de guiar expectativas da sociedade. Mas não há como ocultar a deterioração contínua das finanças públicas, que cedo ou tarde exigirá ajustes e reformas politicamente difíceis.

Resistência a antibióticos é crise silenciosa

Por Folha de S. Paulo

Segundo a OMS, 1 em cada 6 infecções bacterianas não reage aos remédios e o Brasil tem taxas elevadas

Aqui, mais de 50% das infecções urinárias causadas por dois patógenos resistem aos antibióticos; no Chile, essas taxas não alcançam 30%

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde declarou que a resistência antimicrobiana (RAM) é uma das dez maiores ameaças à saúde. Desde lá, porém, a situação só piora, indicando que se trata de uma crise sanitária gradual e silenciosa —ao contrário das epidemias.

Relatório do Sistema Mundial de Vigilância da Resistência aos Antimicrobianos e de seu Uso (GLASS) de 2025, divulgado na segunda (13) pela OMS, mostra que 1 em cada 6 infecções bacterianas confirmadas em laboratório é resistente a antibióticos. De 2018 a 2023, a RAM aumentou 40% no mundo, com altas relativas anuais variando de 5% a 15%.

Pesquisas estimam que cerca de 5 milhões de mortes por ano estejam relacionadas ao problema. Segundo o Banco Mundial, se não for controlada, a RAM produzirá perdas anuais de US$ 1 trilhão a US$ 3,4 trilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) até 2030.

No Brasil, o cenário é delicado. O levantamento da OMS, que cobre o período entre 2016 e 2023, mostra altas taxas de RAM no país. Mais de 50% das infecções urinárias causadas pelas bactérias Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae, por exemplo, apresentam resistência tanto a antibióticos comuns como aos de terceira geração —no vizinho Chile, essas taxas não alcançam 30%.

Em algumas infecções sanguíneas, supera-se os 40%, e, nas urogenitais provocadas por Neisseria gonorrhoeae, a RAM beira a universalidade com mais de 70%.

Trata-se de um caso de feitiço contra o feiticeiro. Se a descoberta da ação antibiótica há cerca de 90 anos foi um feito notável da ciência que salvou milhões de vidas, sua aplicação indiscriminada gerou infecções que não respondem aos remédios.

Não só em humanos. O uso de antibióticos em larga escala na agropecuária também impulsiona o surgimentos de micróbios cada vez mais resistentes.

No Brasil, há gargalos estruturais. A atenção primária em saúde é ampla, o que facilita o acesso a esse tipo de medicamento sem muito controle, já que a rede carece de serviços de diagnósticos essenciais para atestar que a infecção é de fato bacteriana e o tipo de patógeno —muitas vezes o antibiótico é receitado para casos virais ou não é o mais indicado para determinada bactéria.

Outro problema é a precária cobertura de vigilância da RAM, ainda concentrada em hospitais terciários (os de alta complexidade) e com baixa representatividade da região Norte.

Racionalidade é a chave aqui, seja na prescrição de antibióticos, seja na alocação de recursos no sistema público de saúde.

Vale-tudo orçamentário

Por O Estado de S. Paulo

Governo e Congresso culpam um ao outro, mas ambos ignoram Lei de Responsabilidade Fiscal ao apresentarem projetos que ampliam gastos sem dizer o quanto eles efetivamente custarão à sociedade

Governo e Congresso costumam duelar sobre quem tem mais responsabilidade fiscal, mas seria mais justo que disputassem o título de quem tem menos. Afinal, oito em cada dez dos projetos com impacto nas contas públicas em tramitação no Legislativo foram apresentados por um ou outro sem uma estimativa sobre seus custos, segundo estudo elaborado pelo Movimento Orçamento Bem Gasto e publicado pelo Estadão.

Coordenado pelo cientista político e advogado Marcelo Issa, o Movimento Orçamento Bem Gasto reúne especialistas, autoridades, economistas e empresários e tenta sensibilizar lideranças políticas a elaborar um Orçamento transparente, sustentável e eficiente, com vistas ao crescimento sustentável, à redução de desigualdades e à justiça intergeracional.

Para isso, é imprescindível que o País retome o equilíbrio fiscal, razão pela qual todas as propostas que tramitam no Legislativo deveriam trazer cálculos sobre o quanto elas custarão à sociedade. É, inclusive, o que manda a lei, mas não é assim que a banda toca em Brasília.

O estudo do Movimento Orçamento Bem Gasto deixa claro como Congresso e Executivo, a despeito de assumirem discursos fáceis – seja contra o aumento de impostos, seja a favor da taxação dos ricos – trabalham na surdina para inviabilizar o Orçamento. Os resultados evidenciam a preferência, tanto por parte do governo quanto dos parlamentares, por projetos que criem ou ampliem benefícios, auxílios e isenções.

Das 496 propostas que tratavam de assuntos de natureza fiscal, apenas 104, o equivalente a 21% do total, tinham estimativa de impacto financeiro no momento em que haviam sido apresentadas. Quanto mais próxima estava a eleição, mais projetos desse tipo eram protocolados.

É como se tivesse sido revogada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – segundo a qual todo incentivo ou benefício que gere renúncia fiscal, bem como toda ação que acarrete aumento de despesas, deve estar acompanhado de estimativa de impacto orçamentário-financeiro.

O levantamento revela um padrão de comportamento generalizado e pernicioso de ignorar o custo das políticas públicas. Essa conduta independe do espectro político e abarca parlamentares de partidos de esquerda, de centro e de direita, todos de olho nos louros eleitorais que elas podem render.

Mas o governo tampouco é inocente. Embora invoque a LRF para vetar propostas aprovadas pelo Congresso, o Executivo ignora os dispositivos da lei quando convém. De acordo com o levantamento, de 42 projetos com impactos fiscais apresentados pelo governo federal entre 2011 e 2025, 21 deles não possuíam o cálculo do custo para o Orçamento.

Foi assim, sem apresentar números, que o governo propôs a retomada de obras paradas nas áreas de saúde e educação e um programa para reduzir a fila de processos e exames médicos no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por meio do pagamento de bônus aos peritos.

A ausência de estimativas de impacto tampouco impediu o Executivo de apoiar o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que garantiu subsídios para montadoras, e o perdão de dívidas com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

Analisada de maneira individual, cada uma dessas políticas encontrará defensores dispostos a mostrar que elas têm mérito. Em conjunto, no entanto, elas não cabem no Orçamento, que, em tese, deveria priorizar medidas que beneficiem a coletividade em vez de grupos de interesse específicos.

As propostas defendidas pelo Movimento Orçamento Bem Gasto são claras: redução de privilégios, reforma da Previdência, desindexação e desobrigação de despesas, redução e requalificação de emendas parlamentares e uma nova arquitetura fiscal e orçamentária que assegure responsabilidade e capacidade de ação ao Estado.

Não se deve esperar que governo, Congresso e Judiciário encarem essas propostas de bom grado, sobretudo a menos de um ano da eleição. Mas, sem pressão da sociedade em prol de uma agenda que vá além dos ciclos eleitorais, o País permanecerá preso na armadilha do baixo crescimento econômico e refém dos voos de galinha.

O Supremo normalizou o nepotismo

Por O Estado de S. Paulo

Ao permitir a nomeação de parentes para cargos políticos, desde que tenham ‘qualificação técnica’, o STF afronta o princípio republicano da impessoalidade e abastarda a administração pública

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para manter o entendimento que autoriza a nomeação de parentes para cargos políticos na administração pública. A decisão, embora tecnicamente apresentada pelo relator, Luiz Fux, como uma reafirmação da jurisprudência da Corte, na prática afronta princípios republicanos elementares. O Supremo pode dar quantas piruetas hermenêuticas quiser, mas a nomeação de familiares diretos para cargos temporários ou em comissão configura, sim, o velho e ilegal nepotismo.

Fux foi acompanhado por Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Para eles, não há nepotismo quando o parente indicado possui “qualificação técnica” para exercer o cargo. Beira o escárnio. Ora, o mal do nepotismo não está no currículo do parente nomeado, mas na natureza da relação que levou à sua nomeação. Quando o poder é exercido como extensão de relações familiares, toda a sociedade perde. Ao admitir exceção com base na “competência” do parente – que sabe-se lá como e se seria fiscalizada –, o Supremo abastarda a impessoalidade e a moralidade que devem nortear a administração pública.

O caso particular, de repercussão geral, trata de uma lei aprovada em Tupã (SP), em 2013, que proibia a contratação de parentes até o terceiro grau do prefeito, do vice e dos vereadores, exceto nomeações para o secretariado municipal. O Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucional essa brecha, mas a prefeitura de Tupã recorreu ao Supremo. Agora, a Corte alterou a Súmula Vinculante n.º 13, de 2008, para excluir a nomeação de parentes para cargos políticos das hipóteses de nepotismo – decisão, por ora majoritária, tomada em nome de uma suposta “autonomia do governante” para escolher seus auxiliares diretos.

A versão original da Súmula Vinculante n.º 13 foi um marco civilizatório. Sua razão de ser era elementar: impedir que o Estado voltasse a ser tratado como propriedade privada de governantes e seus clãs. Ao relativizar a própria súmula, alguns anos depois, o STF enfraqueceu um dos instrumentos mais eficazes para combater o patrimonialismo, um traço atávico que até hoje degrada a vida pública do País.

Durante o julgamento, na quinta-feira passada, Fux afirmou que “a mensagem do Supremo é que a regra é a possibilidade (de nomeação de parentes), e a exceção é a impossibilidade”, buscando afastar a ideia de uma “carta de alforria” para o nepotismo. Mas é exatamente isso o que a decisão da Corte será, caso não seja modificada. É de uma ingenuidade desarmante supor que governadores e prefeitos das 27 unidades da Federação e dos mais de 5.570 municípios brasileiros submeterão os currículos de seus parentes a algum escrutínio técnico rigoroso. Ou que, diante de candidatos igualmente qualificados, não optarão pelo laço familiar. A experiência política brasileira demonstra que, sempre que há brechas, o interesse particular infiltra-se no poder institucional.

Até agora, o voto divergente do ministro Flávio Dino foi o único a respeitar a lei e, principalmente, o espírito republicano. Dino lembrou que a Lei n.º 14.230/21 vedou expressamente o nepotismo sem abrir exceção para cargos políticos. Ao tipificar o nepotismo como improbidade, o Congresso, esclareceu Dino, “não excepcionalizou cargos políticos”. O ministro defende a revisão da jurisprudência, porque a lei posterior prevalece sobre a interpretação anterior da Corte. É o Supremo que deve ajustar-se à lei, não o inverso.

Ao insistir na permissividade como regra, o STF ainda agrava um mal crônico do próprio Judiciário: a complacência com o conflito de interesses, seja nas relações familiares, seja nas afinidades políticas e empresariais. Nada parece constranger Suas Excelências. Ao menos são coerentes. O mesmo STF que agora flexibiliza a prática do nepotismo no Executivo afrouxou, em 2023, as regras de impedimento de juízes em processos que envolvem clientes de escritórios de parentes.

Impessoalidade não é capricho, mas sim a garantia de que o Estado não será tomado por famílias ou grupos de interesse. A decisão do Supremo – que, esperamos, seja revertida – naturaliza uma prática que o Brasil, a duras penas, tem tentado eliminar desde a redemocratização.

Greve política é abusiva

Por O Estado de S. Paulo

TST acerta ao dizer que a Constituição não permite greve contra a reforma trabalhista

A Constituição federal não protege uma greve política. Esse foi o entendimento firmado acertadamente pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), durante um recente julgamento sobre um movimento deflagrado contra a reforma trabalhista do governo Michel Temer. Segundo a decisão dos ministros da SDC, os empregados têm, sim, o direito de cruzar os braços para pressionar seus empregadores por melhores condições de trabalho, salário ou quaisquer outros benefícios econômicos, mas não lhes é assegurado o direito de parar de trabalhar por inconformismo com medidas adotadas pelo poder público.

Pois foi justamente isso o que aconteceu no caso concreto em análise na SDC. Os ministros julgaram um recurso apresentado por um sindicato de trabalhadores da indústria de cimento de Sergipe contra uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 20.ª Região (TRT-20) que considerou abusiva uma greve realizada na unidade da Votorantim em Laranjeiras (SE). Em 2017, esse sindicato parou sua base não apenas contra a reforma trabalhista, mas contra a lei de terceirização, uma eventual reforma da Previdência e suspeitas de corrupção. Houve bloqueios na portaria da fábrica, e trabalhadores, terceirizados e prestadores de serviços foram impedidos de entrar no local.

Com isso, a Votorantim deixou de atender a 282 ordens de serviço em abril daquele ano, o que a forçou depois a contratar 777 horas extras para dar conta da sua demanda. Como se vê, a empresa acumulou perdas financeiras em razão de uma greve cuja reivindicação era incapaz de atender, pois não tinha qualquer relação com a pauta em discussão. Por óbvio, a companhia resistiu na Justiça a essas arbitrariedades. A Votorantim alegou que essa mobilização incentivada pelo sindicato tinha caráter político, sem guardar relação alguma com quaisquer reinvidicações contratuais.

O direito de greve é constitucional, mas não é ilimitado. Segundo a Constituição, aos trabalhadores compete decidir “a oportunidade de exercê-lo” assim como “os interesses que devam por meio dele defender”, mas tudo isso é permitido respeitando-se a lei e as necessidades inadiáveis da comunidade, sem o cometimento de abusos. E, como bem atestaram os magistrados do TRT-20 e do TST, a Lei 7.783, de 1989, mais conhecida como Lei de Greve, permitiu a realização desse tipo de movimento contra os empregadores, e não contra os Poderes da República.

Por isso, no entendimento do relator, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, uma greve política não é um direito trabalhista com proteção constitucional. Foi assim acompanhado pela maioria dos integrantes da SDC na declaração de abusividade daquela greve. Agora, com essa decisão colegiada, espera-se que sindicalistas irresponsáveis não ousem mais tentar constranger as suas bases a aderirem a aventuras que apenas atendem às suas agendas, não raro, político-partidárias. A greve é um direito do trabalhador, não do sindicato. Eis uma boa lição dada pelo TST.

CPMI do INSS não pode virar inquérito de ocasião

Por Correio Braziliense

O país já assistiu a inúmeras comissões parlamentares que começaram com promessas de moralização e acabaram em relatórios inconclusos, arquivados sem punição

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS chega a um ponto crítico pouco mais de dois meses depois de instalada. O colegiado acumulou mais de 300 horas de trabalho, dezenas de oitivas e produziu um vasto conjunto de documentos e provas. Mas o que poderia representar um avanço decisivo na luta contra a corrupção e a impunidade corre o risco de se dissolver na espuma dos discursos e das disputas políticas. O apelo dramático do presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), para que o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), decrete as prisões já aprovadas é um gesto de desespero institucional — e, ao mesmo tempo, uma tentativa de resgatar a credibilidade de um inquérito que ameaça cair na rotina das "CPMIs de ocasião".

O escândalo no Instituto Nacional do Seguro Social atinge o coração de um dos sistemas mais sensíveis do Estado brasileiro: a Previdência. O desvio de recursos destinados a aposentados e pensionistas não é apenas um crime contra o erário, é uma ofensa direta à dignidade de milhões de brasileiros que confiaram no Estado ao longo de décadas de contribuição. Quando o senador Viana afirma que "esses homens não vivem sob suspeita, vivem do roubo dos mais pobres", ele traduz o sentimento de indignação de quem vê o país conviver com a miséria de uns e a impunidade de outros.

A comissão conseguiu reunir elementos consistentes sobre as fraudes em descontos associativos ilegais, as movimentações de dinheiro ilícito e o papel de operadores como Antônio Carlos Camilo, o "Careca do INSS", e Felipe Macedo Gomes, ex-presidente da Amar Brasil, entidade apontada como fachada de um esquema que teria movimentado mais de R$ 1 bilhão. As investigações mostram que as fraudes atingiam diretamente os contracheques dos beneficiários, que viam o valor de seus proventos ser reduzido por cobranças indevidas, sem qualquer autorização ou contrapartida real.

O senador Viana acusa o governo federal de omissão, citando relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) de 2024 que alertavam para repasses suspeitos e não receberam providências. De fato, não basta lamentar as falhas de fiscalização, é preciso esclarecer se houve negligência ou conivência. A administração pública tem o dever de responder por eventuais omissões, sobretudo quando elas prejudicam os mais vulneráveis.

Ao longo dos trabalhos, a CPMI também foi palco de constrangimentos: bate-bocas entre parlamentares e advogados, depoentes amparados no direito ao silêncio, tentativas de manipular o foco da investigação e de transformá-la em arena política. A oposição busca capitalizar o escândalo, mas corre o risco de perder legitimidade se o inquérito descambar para a "pirotecnia", como advertiu o ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz.

O desafio agora é impedir que a CPMI termine sem consequências concretas. O país já assistiu a inúmeras comissões parlamentares que começaram com promessas de moralização e acabaram em relatórios inconclusos, arquivados sem punição. A CPMI do INSS não pode virar pizza.

As expectativas da reunião entre Lula e Trump

Por O Povo (CE)

Encontro entre os dois presidentes indica que a relação entre Brasil e Estados Unidos caminha para a normalidade

A reunião ocorrida há oito dias, entre o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, serviu para "quebrar o gelo" entre os dois países. No entanto, nada foi revelado do que foi conversado entre as duas delegações, em termos de propostas.

O comunicado conjunto, divulgado após o encontro em Washington, informou apenas que Brasil e os Estados Unidos "concordaram em colaborar e conduzir discussões em várias frentes no futuro imediato (…). Ambas as partes também concordaram em trabalhar conjuntamente pela realização de reunião entre o presidente Trump e o presidente Lula na primeira oportunidade possível".

De fato, os termos desta nota foram rigorosamente cumpridos. As negociações continuaram e Lula se reunirá com Trump neste domingo, em Kuala Lumpur, capital da Malásia, onde ambos se encontram para participar da cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), bloco econômico que reúne países da região.

A pauta do encontro não foi divulgada. Mas, a partir do que se conhece até agora, será restrita principalmente às questões econômicas. Nada indica que Trump insistirá em um "perdão" para Bolsonaro ou continue a sancionar autoridades brasileiras.

Também está praticamente fora de cogitação, apesar da instabilidade de Trump, que o presidente americano use o encontro para constranger Lula de alguma forma, como já fez com outros líderes mundiais.

De sua parte, Lula vai reivindicar a redução da sobretaxa de 50% imposta aos produtos brasileiros e pedir o fim da aplicação da Lei Magnitsky contra brasileiros, reafirmar a soberania brasileira e reivindicar mais acesso ao mercado americano.

Trump, por sua vez, deverá se ater a questões pragmáticas, pondo na mesa o interesse pelas terras raras, abundantes no Brasil, advogará em favor das grandes empresas de tecnologia, e se mostrará interessado em investimentos de empresas brasileiras, como a Embraer, nos Estados Unidos.

É importante destacar que nenhum ponto econômico deve ser considerado "inegociável". Tudo depende se acordo realizado respeita os interesses do povo brasileiro.

Mas é possível que temas geopolíticos entrem na conversa, especialmente a situação da Venezuela, sob pressão militar dos Estados Unidos. Recentemente, Trump anunciou, sem citar o país sul-americano, uma possível "ação terrestre", supostamente para combater cartéis de drogas. Se o assunto vier à tona, Trump ouvirá de Lula que uma intervenção na Venezuela pode criar instabilidade em toda a região.

No mais, tudo indica, salvo alguma surpresa, que tudo caminha para a normalização da relação do Brasil com os Estados Unidos. É um bom resultado, independentemente de quem governa os EUA, pois é importante manter os laços diplomáticos que unem os dois países há mais de dois séculos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.