‘SUS da Educação’ é avanço, mas não corrige desequilíbrio
Por O Globo
Congresso elabora orçamento pensando no
calendário eleitoral, não nas necessidades concretas
A aprovação pelo Congresso do Sistema
Nacional de Educação (SNE),
apelidado “SUS da Educação”, é um passo importante para o setor. Mas não
resolve os dilemas orçamentários que infelizmente impedem uma implementação
mais eficaz das políticas educacionais.
Voltada ao ensino básico, a nova lei cria a Infraestrutura Nacional de Dados da Educação, abrigada sob o MEC. Ela será uma base integrada de informações à disposição de estados e municípios. Também cria um prontuário unificado para todo estudante desde a pré-escola, o Identificador Nacional Único. Para facilitar o planejamento, haverá um indicador para determinar o mínimo a investir no ensino público básico. Com tudo isso, o gestor da área de educação ganhará novas ferramentas para enfrentar as dificuldades de financiamento do ensino.
Infelizmente, nada disso resolve os
desequilíbrios que o próprio Congresso criou entre as dotações orçamentárias
destinadas à educação. Eles estão evidentes na proposta orçamentária do ano que
vem para o MEC, como
constatou Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação, em sua coluna no
GLOBO. O principal é a concentração de recursos no
programa Pé-de-Meia,
que concede bolsa mensal de R$ 200 a alunos carentes do ensino médio e um
prêmio de R$ 1 mil caso o estudante passe de ano. O Pé-de-Meia é importante
para reduzir a alta evasão escolar no ensino médio. Mas o governo se preocupou
em inflá-lo em ano eleitoral, sem atentar para carências noutras áreas.
O gasto do MEC previsto para a educação
básica é de R$ 99,9 bilhões, crescimento de R$ 19,4 bilhões (ou 24%) ante o
Orçamento de 2025. Apenas Pé-de-Meia e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)
receberão R$ 21 bilhões. Para o Pé-de-Meia foram reservados R$ 12 bilhões, ante
R$ 1 bilhão neste ano. O aporte ao Pé-de-Meia e a parcela da União no Fundeb
forçam uma redução de aproximadamente R$ 1,7 bilhão nos recursos destinados a
outros programas.
É o caso das ações voltadas à extensão da
educação em tempo integral, parte do Novo Ensino Médio. Para 2025, estava
previsto R$ 1,6 bilhão, depois houve corte para R$ 794 milhões. No ano que vem,
a verba será reduzida a irrisórios R$ 22 milhões. Ora, as aulas em tempo
integral não melhoram apenas o aprendizado do aluno. Trata-se de política de
eficácia comprovada também para reduzir a evasão, objetivo do Pé-de-Meia — em
Pernambuco, estado onde vigora o ensino integral, ela caiu de 25,7% em 2007
para 4,3% em 2020.
Também não escapará dos cortes o Compromisso
Nacional Criança Alfabetizada. A proposta orçamentária de 2026 reserva R$ 441
milhões ao programa de alfabetização, 27,4% menos que os R$ 608 milhões
previstos para este ano, cifra já 18,5% menor que os R$ 747 milhões estimados
inicialmente. São recursos que fazem falta, já que o analfabetismo continua a
ser um problema, e é fundamental que as crianças sejam alfabetizadas na idade
correta.
O SUS da Educação é bem-vindo e pode ajudar
em discussões que precisam ser cada vez mais técnicas, sem influências
políticas ou eleitorais. Mas as imensas carências do Brasil deveriam levar o
gestor público a usar da melhor maneira possível os recursos disponíveis — e
não de acordo com a conveniência do calendário eleitoral.
Falta de monitores torna tornozeleira
eletrônica sinônimo de impunidade
Por O Globo
Há um décimo dos profissionais necessários
para acompanhar os 122 mil presos com o equipamento
Nenhuma boa ideia resiste à má execução. É o
que acontece com o uso de tornozeleiras eletrônicas para evitar a superlotação
de penitenciárias. A partir de decreto presidencial de 2010, baixado no final
do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o monitoramento de
presos passou a ser usado com mais frequência. Os detentos deveriam ser
acompanhados à distância por equipes de profissionais de várias áreas — como
assistentes sociais, psicólogos e advogados, segundo modelo definido pela
Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Na verdade, como revelou
reportagem do GLOBO, o monitoramento é falho ou inexistente.
O programa simplesmente não previu a
ampliação das equipes de monitores à medida que o uso das tornozeleiras
crescesse. Distribuí-las sem a contrapartida do aumento nas equipes equivale a
abrir a porta da penitenciária.
Em 2023, a Senappen estabeleceu que 1.548
monitores seriam necessários para acompanhar 93 mil presos. Os responsáveis
pela vigilância chegaram a dobrar naquele ano, mas para apenas 181. Diante do
contingente de 122.110 presos com tornozeleiras alcançado em 2024, o número
continua irrisório. Para manter a proporção estabelecida pela secretaria do
Ministério da Justiça em 2023, seriam necessários no mínimo 2 mil profissionais
— número que cresce à medida que aumenta o uso das tornozeleiras — , mas há
perto de um décimo disso.
As equipes multidisciplinares são
justificadas pela necessidade de evitar recursos ao Judiciário, sobrecarregando
as Varas de Execução Criminal. A intenção é que erros do GPS da tornozeleira ou
do próprio monitorado possam ser resolvidos sem sobrecarregar os juízes. A
lentidão da máquina burocrática também contribui para a ineficácia do sistema.
Um dos presos nos ataques do 8 de Janeiro em Brasília foi solto com
tornozeleira eletrônica, rompida por ele na cidade de Campos, Norte Fluminense,
em 1º de julho. No dia seguinte, o aparelho desligou. O alerta levou mais de um
mês para chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A falta de equipes e estrutura é grande. Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Roraima, Santa Catarina, Bahia, Paraíba, Mato Grosso, Rondônia, Rio Grande do Sul e Sergipe são citados como estados com monitoramento deficiente. O exemplo de Sergipe é ilustrativo. Em e-mail enviado à Senappen, o estado reclamou que há dez anos três servidores monitoravam 150 presos. Os detentos já eram 1.650 em junho, e o número de monitores “permaneceu praticamente o mesmo”. É obrigação dos governos estaduais e federal impedir que a tornozeleira eletrônica se transforme em mais uma via para a impunidade.
Brasil precisa de mais e melhores empresas
Por Folha de S. Paulo
Banco Mundial aponta que multiplicação de
pessoas jurídicas no país tem pequeno impacto econômico
Organismo sugere investir em educação, com
mais vagas em cursos técnicos e superiores focados em inovação e empreendedorismo
Em países de renda média, caso dos
latino-americanos, a informalidade sempre foi um freio à expansão da
produtividade e da economia,
de modo que o empreendedorismo é saudado corretamente como mecanismo promissor.
No Brasil, a principal evidência da
disposição de empreender é a multiplicação nos últimos ano do número de
microempresas, em especial na modalidade de Microempreendedor Individual (MEI).
Lançado há mais de uma década, tal regime
jurídico abre caminho para que um número crescente de trabalhadores adotem um
regime formal autônomo e com maior flexibilidade.
No entanto, como alerta
recente relatório do Banco Mundial sobre empreendedorismo
na América
Latina, essa explosão numérica não é suficiente para a superação de
outros obstáculos.
À diferença do que ocorre em países de renda
mais alta, a criação de novas pequenas empresas aqui não impulsiona a contento
a inovação e a produtividade —e tampouco gera bons empregos.
Embora na América Latina e no Caribe o
empreendedorismo seja duas vezes e meia mais comum que na OCDE (que
reúne os países mais desenvolvidos), seu impacto econômico é menor, pois as
microempresas familiares mostram pouca adoção de tecnologia ou
ambição de expansão.
Assim, o salto no número de MEIs, que já
representam quase metade das empresas formais do país, não se traduz em avanços
estruturais. Baixo nível de educação,
sobretudo técnica, limitações de acesso a crédito e dificuldades regulatórias
gerais estão entre os obstáculos enfrentados por essas pessoas jurídicas.
Apenas 20% dos titulares de MEIs têm ensino
superior, ante 46% nas empresas limitadas, diferença que não existe em países
de renda mais alta. As práticas gerenciais ficam abaixo do esperado para nossa
renda per capita, perpetuando um ciclo de baixa densidade de firmas dinâmicas.
Tais empreendedores não são transformadores,
portanto, tipicamente obtendo apenas rendimentos um pouco acima dos oferecidos
nos empregos precários para os quais se qualificam, mas sem capacidade de
inovar.
No caso das chamadas startups americanas, o
impacto na produtividade é maior, pois elas tendem a estar associadas a núcleos
de pesquisa e desenvolvimento, além de contarem com acesso a capital e
empreendedores com formação de qualidade.
O relatório do Banco Mundial sugere priorizar
a qualidade, não o volume. Além de melhorias regulatórias, investir em educação
transformadora —mais vagas em
cursos técnicos e superiores focados em inovação, com módulos
de empreendedorismo nas universidades para formar líderes.
O Brasil apresenta iniciativas individuais,
um bom começo. Mas sem um ambiente geral que faça florescer a inovação, não se
obtém muito mais do que a substituição de empregos formais de baixa
qualificação por ocupações de impacto econômico similar.
Inteligência policial contra abusos na
internet
Por Folha de S. Paulo
Megaoperação de combate a crimes sexuais
contra crianças reforça importância de ações integradas
Política eficaz no setor independe de
constitucionalização, como a PEC da Segurança de Lula; direita linha dura
insiste em populismo penal
Na quarta (8), uma megaoperação
de combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes,
principalmente na internet,
envolveu 890 agentes federais e estaduais, 184 mandados de busca e apreensão em
todo o país e 55 pessoas presas.
A dimensão da diligência mostra a importância
da inteligência e da coordenação entre polícias em políticas de segurança.
Abusadores buscam ganhar a confiança dos
jovens com perfis falsos em redes sociais, jogos online ou aplicativos de
mensagens. Em troca de relações ou favores sexuais como envio de imagens
íntimas, oferecem moedas virtuais, dinheiro ou outros ganhos para chamar
atenção das vítimas.
O ministro da Justiça, Ricardo Levandowski,
disse que a operação é "prenúncio daquilo que pretendemos alcançar com a
PEC da Segurança, que está sendo analisada pelo Congresso Nacional".
A proposta de
emenda traz algumas boas ideias, como a garantia de recursos para os
fundos nacionais no setor e a obrigatoriedade da criação de corregedorias e
ouvidorias das polícias nos estados. Mas a referida megaoperação deixa claro
que, na prática, a integração policial prescinde da constitucionalização do
tema.
Afinal, o compartilhamento de inteligência e
recursos de investigação, o desencadeamento de operações conjuntas com forças
federais e estaduais e o uso de tecnologia para monitoramento online já são
possíveis sem a PEC.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
ainda deve um programa técnico e eficaz em segurança pública. Aproveitando esse
vácuo, a vertente linha dura à direita, no Legislativo federal e nas gestões
estaduais, insiste em policiamento ostensivo, operações baseadas no uso da
força que não raro descambam em abusos, populismo penal e punitivismo.
Abusos sexuais de crianças e adolescentes já
são por natureza difíceis de fiscalizar e investigar, dado que no geral são
perpetrados por familiares ou conhecidos no ambiente doméstico. Na internet, o
desafio aumenta, com recursos de anonimato usados por criminosos e plataformas
inseguras, sem contar o aumento de usuários do estrato infantil.
Segundo pesquisa do Cetic.br, órgão de
monitoramento de tecnologias da informação do Comitê Gestor da Internet do
Brasil, de 2015 a 2024 a taxa de crianças que acessaram a internet pela
primeira vez entre 6 a 8 anos de idade saltou de de 41% para 82%.
O combate exige cooperação policial com as plataformas, campanhas de conscientização para jovens, pais e educadores e, principalmente, a integração das forças policiais em todos os âmbitos.
Sob pressão fiscal, União lança mais
programas com subsídios
Por Valor Econômico
O panorama fiscal tornou-se mais adverso e o
período eleitoral é propício a uma piora
No mesmo dia em que o Congresso rejeitou a MP
1303, que traria R$ 46,5 bilhões ao governo em 2025 e 2026, foi detalhado mais
um de uma série de programas populares, o de moradias, que custeará reformas em
residências com crédito subsidiado por uma nova fonte de financiamento, o Fundo
Social do Pré-Sal, cujas finalidades foram ampliadas em 14 de julho, pela lei
15.164. O novo programa, assim como o de isenção do Imposto de Renda para até
R$ 5 mil, contempla faixas de renda média, de até R$ 9,6 mil. Ao deixar de
focar o uso de dinheiro público escasso nas camadas mais pobres, o governo Lula
deixa claras suas intenções eleitorais, já antevistas nos anúncios em cascata
da criação de benefícios sociais, como Pé de Meia, Gás para Todos, Tarifa
Social de Energia, Garantia-Safra etc., como se não houvesse qualquer restrição
orçamentária, os recursos fossem baratos com um juro de 15% ao ano, e como se
fosse possível bancá-los indefinidamente por meio de aumento de impostos e
taxas. A criatividade no uso de fundos de financiamento públicos e privados
pode não parar por aí, à medida que as eleições se aproximam.
O custo estimado dos subsídios de moradia
popular é de R$ 7 bilhões e o alvo é um financiamento total de R$ 30 bilhões.
Para isso, com apoio do Congresso, foi utilizado o Fundo Social do Pré-Sal,
criado em 2010, que reserva os recursos da bonança petrolífera para garantir
investimentos de longo prazo em educação, saúde, pesquisa e desenvolvimento e
ambiente. Em 2024, 14 anos depois, o Tribunal de Contas da União cobrou a
regularização da administração desse fundo, gerido informalmente na Casa Civil,
e apontou a falta de controle e transparência sobre seus gastos. Estima-se que,
com a produção do pré-sal atingindo seu pico, até 2030, o fundo receberá mais
cerca de R$ 1 trilhão (Veja, 18-11-2024).
O governo, via MP depois transformada em lei
por aprovação no Congresso, criou um comitê gestor e alargou o suficiente suas
finalidades, a ponto de tornar possível o custeio de despesas correntes, um
expediente a ser usado de acordo com a conveniência política do governo sem
impactar diretamente o limite de gastos. Foram incluídos gestão do SUS,
projetos de habitação popular, infraestrutura hídrica, calamidades públicas,
segurança alimentar, defesa dos direitos indígenas etc. A bancada ruralista
tentou recentemente pegar carona nessa brecha, buscando capturar R$ 30 bilhões
para financiar agricultores inadimplentes, mas a manobra não vingou - até
agora.
O governo, premido pelo avanço de despesas
que tornam difícil cumprir o orçamento e respeitar as metas fiscais, abriu o
flanco do uso dos recursos dos fundos de financiamento públicos e privados.
Aportes e resgates neles entram como receitas e despesas primárias, sujeitas à
meta fiscal, mas o uso de seu estoque não. Em vários desses fundos, a União fez
aportes para fins específicos. Cumprido o objetivo, o dinheiro restante não
voltou ao Tesouro nem abateu dívida pública, como deveria ser, mas continuou
disponível. Há 6 fundos garantidores privados (como o da construção naval, de
investimentos) com estoque de R$ 75 bilhões.
O governo aceitou e o Congresso aprovou
projeto capitaneado pelo senador Rodrigo Pacheco, de reestruturação das dívidas
dos Estados com maior dívida, que não têm pagado suas parcelas em dia, muitas
vezes com aval do Supremo Tribunal Federal, que impede sua execução. São Paulo
(que cumpre seus compromissos), Rio, Rio Grande do Sul e Minas Gerais compõem
90% do saldo devedor de R$ 806 bilhões em 2024. Com o programa (Propag), os maiores
devedores pagarão suas dívidas em mais três décadas, em um leque de opções em
que os juros podem cair de 4% a zero, dependendo dos ativos dados para
pagamento e dos investimentos a que se comprometerem. De início a União deixará
de receber R$ 48 bilhões em receitas financeiras, enquanto os Estados devedores
têm de fazer repasses de 1% a 2% do saldo devedor em um Fundo de Equalização
Federativa, que distribuiria recursos aos Estados em dia com suas obrigações.
A adesão ao Propag se encerra este ano, mas
até agora só Goiás aderiu. Em decreto publicado na terça, o governo mudou as
regras. No caso de suspensão ou redução dos pagamentos, o ente federado teria
de se submeter a um limite de gastos. Os Estados devedores sempre escaparam
dessa obrigação de uma forma ou de outra _ e escaparão novamente. A exigência
foi eliminada. A Câmara dos Deputados deu sua colaboração na terça-feira ao
aprovar a efetivação, às custas da União, dos agentes de saúde comunitários e
de combate a endemias, com regras favoráveis na Previdência que já deixaram de
existir: aposentadoria por salário integral, com idade menor e com paridade de
reajustes com os ativos. O custo é de pelo menos R$ 24,7 bilhões em dez anos.
O panorama fiscal tornou-se mais adverso e o período eleitoral é propício a uma piora. O presidente Lula sempre deixou claro que não gosta de travas em despesas e o Congresso, já pouco inclinado a isso, tende a seguir o exemplo. O acerto de contas será feito em 2027 e pode ser doloroso.
Nenhuma escola é uma ilha
Por O Estado de S. Paulo
Exemplos como o da Escola Parque dos Sonhos,
em Cubatão, mostram que sinergia com famílias e instituições locais transforma
educação em bem compartilhado e civismo em prática cotidiana
A Escola Estadual Parque dos Sonhos, de
Cubatão, conquistou o prêmio internacional World’s Best School na categoria
“Superação de Adversidades”. Localizada em um bairro vulnerável e marcada no
passado por violência e evasão, a escola transformou-se em polo de acolhimento
e cultura de paz. Professores visitam as famílias, 21 projetos
extracurriculares dão protagonismo a estudantes, as matrículas aumentaram 500%
desde 2021 e episódios de vandalismo foram reduzidos a zero. O que antes tinha
tonalidades de um “parque dos pesadelos” tornou-se um exemplo de como a escola
pode florescer quando enraizada na comunidade.
O caso não é isolado. No México, a escola A
Favor del Niño construiu com os pais um modelo de corresponsabilidade de “360
graus” que derrubou índices de evasão. Na Argentina, o Colegio María de
Guadalupe uniu educação básica a um programa de inclusão laboral que
multiplicou oportunidades de emprego para seus egressos. Na África do Sul, a
Spark Soweto contratou jovens da própria comunidade para integrar seu corpo de
funcionários e transformou um território associado ao desemprego e à violência
em um epicentro de aprendizagem e coesão. De Israel à Polônia, do Reino Unido à
Austrália, experiências premiadas demonstram a mesma lógica: escolas que abrem
suas portas às famílias e ao entorno convertem-se em motores de transformação
social e usinas de criatividade cívica.
Em todas essas realidades tão diversas, o
denominador comum é a constatação de que o êxito escolar depende menos de
receitas prontas e até de capital financeiro, e mais da capacidade de mobilizar
os recursos humanos, sociais e culturais que já existem no território.
Estudos da OCDE, da Unesco ou do Unicef
insistem há anos na importância da interação entre escola e comunidade para reduzir
a violência, aumentar a permanência e impulsionar o desenvolvimento integral.
No Brasil, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Programa Escola e Comunidade
com objetivos semelhantes, e experiências como os Centros Educacionais
Unificados (CEUs) paulistanos ampliaram o conceito ao integrar creches, ensino
fundamental, esporte, cultura e lazer em um mesmo espaço de convívio. Muito
além de iniciativas de gestão administrativa, trata-se de devolver protagonismo
às famílias e associações locais, sem delegar nem substituir responsabilidades,
mas apoiando e ampliando suas possibilidades.
Além dos impactos inequívocos sobre o
desempenho acadêmico, alunos mais seguros e confiantes tornam-se cidadãos mais
conscientes. Famílias que participam das rotinas escolares reforçam a proteção
comunitária e ajudam a prevenir a delinquência ou transtornos mentais. Empresas
locais, quando mobilizadas, oferecem oportunidades de renda e empreendedorismo.
Igrejas, clubes e ONGs, quando parceiros, galvanizam a rede de solidariedade. O
resultado é um círculo virtuoso em que a escola cumpre melhor sua missão de
formar, enquanto a comunidade se fortalece como espaço de civismo e
responsabilidade compartilhada. No imaginário coletivo, a escola deixa de ser
vista como instituição distante e passa a ser reconhecida como patrimônio
comunitário, cuja preservação interessa a todos.
Esse modelo não elimina a necessidade do
Estado. Pelo contrário: cabe-lhe garantir financiamento e infraestrutura, sem
sufocar a autonomia das escolas nem substituir o papel das famílias. O risco do
centralismo tecnocrático, que trata cada unidade como mera executora de
programas, é tão nocivo quanto o abandono de comunidades carentes à própria
sorte. O equilíbrio sadio está em apoiar e coordenar, não em controlar nem
desertar. Quando essa equação se consolida, a escola irradia efeitos muito além
de seus muros: melhora a convivência nos bairros, amplia perspectivas para os
jovens e contribui para a coesão social.
A Parque dos Sonhos é só um exemplo, mas
eloquente. Sua história mostra que a escola não é uma ilha. É ponto de encontro
entre crianças, famílias, vizinhos e instituições locais. Quando todos assumem
parte da responsabilidade, a educação deixa de ser um serviço prestado e passa
a ser um bem compartilhado. É essa a chave para formar cidadãos mais livres,
comunidades mais fortes e uma sociedade mais justa.
Falta de decoro generalizada
Por O Estado de S. Paulo
Relatório mostra que quase todo o MP recebe
remuneração anual acima do teto constitucional. Ou seja, não é exceção, mas regra
– que desonra a missão de defender a ordem jurídica
O Estadão teve
acesso a um relatório da Transparência Brasil que mostrou que, no ano passado,
praticamente todos os membros do Ministério Público (98%) receberam remuneração
anual acima do teto constitucional. A falta de decoro foi quantificada: o valor
total dos pagamentos extrateto alcançou inacreditáveis R$ 2,3 bilhões. Mais uma
bofetada na cara dos contribuintes de um Estado que nem ao menos se esforça
para fazer valer seu poder de tributar retribuindo a todos os seus cidadãos
bons serviços públicos e condições de vida minimamente dignas.
Os Ministérios Públicos estaduais
limitaram-se a dizer que os pagamentos acima do teto seguiram rigorosamente a
legislação, o que só adiciona insulto à injúria, pois sabe-se muito bem como é
fácil dar uma demão de legalidade aos chamados penduricalhos, malgrado se
tratar de uma desabrida afronta ao art. 37, inciso XI, da Constituição. O
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que deveria exercer o
controle administrativo da instituição, nem sequer se dignou a responder.
Pudera. Com frequência, é o próprio CNMP que cria indevidamente muitos dos
penduricalhos que distorcem a remuneração dos membros do parquet.
O Ministério Público é uma das instituições
mais poderosas e respeitáveis da República. A Constituição de 1988 incumbiu-lhe
da nobilíssima missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os
interesses sociais e individuais indisponíveis. A confiança que a sociedade
deposita em seus promotores e procuradores deriva justamente da expectativa de
que sua atuação seja movida por um senso de dever e por uma integridade
funcional que transcende interesses corporativos. Logo, quando o próprio
Ministério Público afronta a Lei Maior, em vez de protegê-la, abjura a razão de
sua existência.
Antes a afronta fosse só financeira – é
também institucional. A Constituição estabelece, de forma inequívoca, que
nenhum servidor público pode receber acima do subsídio de um ministro do
Supremo Tribunal Federal. Em 2024, isso significava um teto anual de R$ 525,7
mil. Qualquer valor além disso é inconstitucional, por mais que se busquem
justificativas técnicas ou “interpretações” convenientes para justificar a
extravagância. A falácia de que os privilégios “seguem a legislação” beira a
confissão de culpa, haja vista que os próprios órgãos de controle do Ministério
Público criam as brechas para driblar o mandamento constitucional.
Esses subterfúgios tomam a forma de “verbas
indenizatórias”, “auxílios” e “gratificações eventuais”, pagos com regularidade
e abrangência incompatíveis com sua natureza. Somadas aos salários, essas
verbas, ademais isentas de Imposto de Renda, resultam em remunerações muito
acima do limite constitucional. Em qualquer outra instituição, o acinte já
seria grave; quando parte da instituição incumbida de zelar pela ordem
jurídica, é um escândalo que deveria lotar ruas e avenidas Brasil afora em
protesto. O Ministério Público, que exige moralidade e probidade de todos os
demais cidadãos, não pode se permitir tamanho desvio ético sem comprometer sua
respeitabilidade.
O Congresso, ao discutir a reforma
administrativa, tem uma oportunidade de ouro de corrigir parte dessa distorção.
Entre as propostas apresentadas pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador
do grupo de trabalho debruçado sobre o tema na Câmara, está uma emenda à
Constituição que restringe os tais supersalários, impondo um teto real às
verbas indenizatórias. Essas verbas, segundo o texto revelado por este jornal,
deverão ter natureza reparatória e se destinar apenas a despesas episódicas,
eventuais e transitórias. Ou seja, nada além de uma obviedade.
A resistência corporativa a esse tipo de
proposta será tão forte quanto previsível. O que se espera, porém, é que o
Legislativo resista à pressão e atue em nome do interesse público. Nenhuma
categoria de servidores, por mais importante que seja, pode se colocar acima da
Constituição. E, entre todas, o Ministério Público é o último que poderia
fazê-lo. A indulgência com seus próprios privilégios é a antítese da função de
fiscal da lei.
Petrobras contrata prejuízo
Por O Estado de S. Paulo
Volta da empresa ao setor de fertilizantes é
decisão política, e não interesse comercial
O ufanismo e a fanfarronice costumeiros
marcaram presença na cerimônia lulopetista em que a presidente da Petrobras,
Magda Chambriard, ao lado de um efusivo presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
oficializou o retorno da produção de fertilizantes na Bahia e em Sergipe a
partir de janeiro. As fábricas, juntamente com a que foi reativada no Paraná e
a do Mato Grosso do Sul, ainda em construção, atenderão a 35% da demanda
nacional por fertilizantes nitrogenados, como profetizou a executiva.
Como diria Garrincha, em sua simplicidade
genial, faltou somente combinar com os russos – literalmente, já que a Rússia é
o principal fornecedor de fertilizantes para o Brasil, mercado em que é
altamente competitivo, apesar da guerra deflagrada em fevereiro de 2022 com a
Ucrânia, que encareceu seus produtos. A saída gradativa da Petrobras desse
mercado ocorreu por causa dos sucessivos prejuízos absorvidos na produção, uma
atividade com alto custo de matéria-prima que concorria com produtos importados
mais baratos.
A volta da estatal ao setor começou com a
reativação da fábrica do Paraná, no ano passado, quando a unidade já acumulava
prejuízo de R$ 3,5 bilhões. Antigos funcionários da unidade que já haviam sido
indenizados pela demissão foram readmitidos sem que houvesse novo processo
seletivo, como seria o correto. Tudo para acelerar a reativação. Na Bahia, a
Petrobras prevê investir R$ 38 milhões, depois de encerrar litígio bilionário
com a Unigel em razão do fechamento da fábrica.
Mas nada disso parece fazer diferença. Para
Lula, o que importa é “inaugurar” as fábricas e anunciar a criação de empregos
a toque de caixa, pois a campanha eleitoral de 2026 não tarda a bater à porta.
E, para isso, recorrer ao caixa da Petrobras é o atalho mais rápido, ainda que
o negócio não faça sentido para a empresa do ponto de vista comercial e mesmo
que não tenha sido planejado qualquer acordo com a agroindústria nacional com
compromisso firme de compra da produção futura, independentemente da oferta
externa.
O Recôncavo Baiano parece ter sido escolhido
a dedo para o anúncio, e Lula não escondeu a pressão que exerce sobre a companhia.
“Estou convencido de que a Petrobras ainda não deu tudo o que ela tem que dar
ao povo brasileiro”, afirmou, mesmo diante da promessa de Magda Chambriard de
investir mais de R$ 2,6 bilhões na Bahia, berço político de petistas do alto
escalão, como o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o líder do governo no
Senado, Jaques Wagner. Até o ministro de Minas e Energia, o mineiro Alexandre
Silveira, fez questão de tirar uma casquinha na cerimônia, dizendo-se um
“baianeiro”.
A obsessão de Lula em torno da produção de fertilizantes pela Petrobras foi um dos motivos da troca do petista Jean Paul Prates por Magda Chambriard na presidência da empresa, no ano passado. Prates até anulou o veto da companhia para voltar a investir no segmento, mas Lula considerou lento o processo de retomada. Agora, o presidente mostra de vez que a Petrobras está, de fato, a serviço de seu governo, e não do Estado brasileiro.
O alerta da água: o Brasil está secando
Por Correio Braziliense
A constatação é que dinâmicas de ocupação e
uso da terra, associadas a eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento
global, estão sorvendo recursos hídricos do país
Nas cidades, moradores sofrem com fenômenos
típicos do fim da estação de estiagem, como níveis críticos de umidade que
afetam a saúde, o incômodo das altas temperaturas e os incêndios — favorecidos
pelas duas condições anteriores e que tornam a qualidade do ar ainda mais
sufocante. No campo, habitantes encaram a seca que faz minguar lavouras,
emagrece o gado e reduz a água disponível até para o consumo humano. Enquanto
brasileiros dessas duas realidades consultam o céu ou a meteorologia e torcem
ou imploram pela chegada da chuva, um outro drama, silencioso e muito mais
preocupante, avança seca após seca: os recursos hídricos do país estão
encolhendo.
Analisando a realidade do ano anterior, o
MapBiomas — uma rede global formada por universidades, ONGs e empresas de
tecnologia, que, há uma década, monitora transformações na cobertura vegetal,
hídrica e no uso da terra — alerta que 2024 manteve a realidade de redução na
superfície de água do país, já registrada em anos anteriores, em tendência
observada a partir de 2009 e só quebrada desde então em 2022. Pior: segundo a
plataforma, oito dos 10 anos mais secos de toda a série histórica estudada, a
partir de 1985, ocorreram na última década.
A constatação é que dinâmicas de ocupação e
uso da terra, associadas a eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento
global, estão sorvendo recursos hídricos do país, como observou Juliano
Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água. E isso vem ocorrendo em uma
velocidade assustadora. Depois de perder, em 2023, uma superfície de água de
571 mil hectares, uma área do tamanho do Distrito Federal, o país viu o seu
conjunto de recursos hídricos ser drenado em mais 400 mil hectares, área que
supera em duas vezes e meia a da cidade de São Paulo, com base em dados da rede
multidisciplinar.
A exemplo do que ocorreu no Pantanal
mato-grossense, que em 2024 foi o bioma que mais perdeu superfície de água em
relação à média histórica, com recuo de impressionantes 61%, segundo a rede,
menos áreas alagadas representam mais espaço para que o fogo ganhe terreno.
Mais solo calcinado pelas chamas, por sua vez, significa menor permeabilidade e
menos recursos hídricos realimentando o lençol freático, o que impulsiona um
ciclo perverso de degradação.
Ao mesmo tempo em que os recursos naturais
encolhem, a demanda por água, seja nas grandes cidades, seja na indústria, seja
no agronegócio, tende a se manter continuamente na direção contrária, apontando
para uma combinação insustentável. Essa realidade exige soluções cuja busca não
pode mais ser adiada, sob ameaça de situações como a crise hídrica de
2014/2015, que afetou drasticamente o abastecimento em metrópoles como São
Paulo e Belo Horizonte, sem mencionar o potencial de impacto sobre ecossistemas
e sobre setores como a geração de energia e a segurança alimentar.
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada no próximo mês, em Belém (PA),
representa mais uma janela de oportunidade para enfrentar o tema. De fato, a
água promete ser um dos principais tópicos de discussão da cúpula. O que se
espera — e se faz urgente — é que o assunto não se limite a discursos, números
e exposições alarmantes, sem se transformar em ações práticas com alcance capaz
de reverter o quadro atual.
Para além das discussões diplomáticas e governamentais, porém, a gestão de recursos hídricos precisa ser, tanto quanto uma cobrança diária, uma agenda abraçada por toda a sociedade. Consumo consciente da água, diminuição do desperdício, redução do uso de poluentes e outras atitudes de poupança e preservação são providências que devem partir de cada cidadão. Não dependem de governos nem da COP30. Podem, e devem, começar hoje.
Praia é direito e responsabilidade de todos
Por O Povo (CE)
Mais uma ação da Superintendência do
Patrimônio da União (SPU) na orla do Ceará resultou no embargo do funcionamento
de um parque aquático na Praia do Futuro, em Fortaleza. O debate sobre o uso e
a ocupação das áreas de praia no Estado é antigo e envolve diferentes órgãos e
segmentos da sociedade, influenciando em diversos fatores.
Em 2005, uma Ação Civil Pública (ACP) pediu a
remoção de barracas construídas na Praia do Futuro. Desde então, somam-se
estudos, decisões judiciais, acordos, brigas e argumentos sobre a utilização do
espaço. O livre acesso e circulação das pessoas à área de praias é o centro do
debate, que envolve questões ambientais, urbanísticas, de propriedade e sobre o
uso público.
Vinte anos depois, uma Lei Federal reconheceu
essas barracas como patrimônio cultural nacional. A nova lei prevê que o poder
público, em parceria com a comunidade local, deve adotar medidas para
valorização e salvaguarda do patrimônio. Além de garantir participação de
barraqueiros e da comunidade local na criação de políticas públicas que tenham
como objetivo a sustentabilidade.
A legislação, porém, não trouxe o trecho
proposto pelo Projeto de Lei que garantia a manutenção da estrutura das
barracas na Praia do Futuro, desde que autorizadas pelo poder público municipal.
Segundo o Governo Federal, seria inconstitucional mudar os níveis da
competência sobre a área. O imbróglio judicial ainda não teve seu fim.
A questão das barracas na beira da praia e
tudo que elas movimentam em termos de pessoas, empregos e culturas não é um
desafio só na Capital. Em Canoa Quebrada, Aracati, outra Ação Civil Pública
pede que a Justiça determine a retirada de barracas por causa do risco que as
estruturas encostadas nas falésias podem oferecer. Barraqueiros aguardam por
uma solução discutida há décadas.
Mais perto, no Iguape, na Praia do Pontão, em
Aquiraz, barraqueiros pedem diálogo após fiscalização recente. Argumentam que
mais de cem famílias vivem da movimentação que o pôr do sol atrai e que
colaboram com a sustentabilidade e preservação do local.
O Ministério Público e a Superintendência de
Patrimônio da União cumprem seu papel constitucional de representar os
interesses do povo, o que inclui a preservação de seus espaços. Em parceria com
o poder público devem promover soluções aos dilemas que envolvem
sustentabilidade ambiental, segurança jurídica e repercussões econômicas e
sociais.
O Ceará é um estado turístico, que carrega em
suas praias destaques diferenciados. É preciso ter prevenção, proteção,
monitoramento e fiscalização. Que os riscos sejam minimizados e a exploração
comercial com fins privados e públicos tenha como prerrogativa a preservação.
Dever também de quem frequenta e se diverte em um fim de semana na praia.
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