segunda-feira, 13 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

‘SUS da Educação’ é avanço, mas não corrige desequilíbrio

Por O Globo

Congresso elabora orçamento pensando no calendário eleitoral, não nas necessidades concretas

A aprovação pelo Congresso do Sistema Nacional de Educação (SNE), apelidado “SUS da Educação”, é um passo importante para o setor. Mas não resolve os dilemas orçamentários que infelizmente impedem uma implementação mais eficaz das políticas educacionais.

Voltada ao ensino básico, a nova lei cria a Infraestrutura Nacional de Dados da Educação, abrigada sob o MEC. Ela será uma base integrada de informações à disposição de estados e municípios. Também cria um prontuário unificado para todo estudante desde a pré-escola, o Identificador Nacional Único. Para facilitar o planejamento, haverá um indicador para determinar o mínimo a investir no ensino público básico. Com tudo isso, o gestor da área de educação ganhará novas ferramentas para enfrentar as dificuldades de financiamento do ensino.

Infelizmente, nada disso resolve os desequilíbrios que o próprio Congresso criou entre as dotações orçamentárias destinadas à educação. Eles estão evidentes na proposta orçamentária do ano que vem para o MEC, como constatou Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação, em sua coluna no GLOBO. O principal é a concentração de recursos no programa Pé-de-Meia, que concede bolsa mensal de R$ 200 a alunos carentes do ensino médio e um prêmio de R$ 1 mil caso o estudante passe de ano. O Pé-de-Meia é importante para reduzir a alta evasão escolar no ensino médio. Mas o governo se preocupou em inflá-lo em ano eleitoral, sem atentar para carências noutras áreas.

O gasto do MEC previsto para a educação básica é de R$ 99,9 bilhões, crescimento de R$ 19,4 bilhões (ou 24%) ante o Orçamento de 2025. Apenas Pé-de-Meia e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) receberão R$ 21 bilhões. Para o Pé-de-Meia foram reservados R$ 12 bilhões, ante R$ 1 bilhão neste ano. O aporte ao Pé-de-Meia e a parcela da União no Fundeb forçam uma redução de aproximadamente R$ 1,7 bilhão nos recursos destinados a outros programas.

É o caso das ações voltadas à extensão da educação em tempo integral, parte do Novo Ensino Médio. Para 2025, estava previsto R$ 1,6 bilhão, depois houve corte para R$ 794 milhões. No ano que vem, a verba será reduzida a irrisórios R$ 22 milhões. Ora, as aulas em tempo integral não melhoram apenas o aprendizado do aluno. Trata-se de política de eficácia comprovada também para reduzir a evasão, objetivo do Pé-de-Meia — em Pernambuco, estado onde vigora o ensino integral, ela caiu de 25,7% em 2007 para 4,3% em 2020.

Também não escapará dos cortes o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. A proposta orçamentária de 2026 reserva R$ 441 milhões ao programa de alfabetização, 27,4% menos que os R$ 608 milhões previstos para este ano, cifra já 18,5% menor que os R$ 747 milhões estimados inicialmente. São recursos que fazem falta, já que o analfabetismo continua a ser um problema, e é fundamental que as crianças sejam alfabetizadas na idade correta.

O SUS da Educação é bem-vindo e pode ajudar em discussões que precisam ser cada vez mais técnicas, sem influências políticas ou eleitorais. Mas as imensas carências do Brasil deveriam levar o gestor público a usar da melhor maneira possível os recursos disponíveis — e não de acordo com a conveniência do calendário eleitoral.

Falta de monitores torna tornozeleira eletrônica sinônimo de impunidade

Por O Globo

Há um décimo dos profissionais necessários para acompanhar os 122 mil presos com o equipamento

Nenhuma boa ideia resiste à má execução. É o que acontece com o uso de tornozeleiras eletrônicas para evitar a superlotação de penitenciárias. A partir de decreto presidencial de 2010, baixado no final do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o monitoramento de presos passou a ser usado com mais frequência. Os detentos deveriam ser acompanhados à distância por equipes de profissionais de várias áreas — como assistentes sociais, psicólogos e advogados, segundo modelo definido pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Na verdade, como revelou reportagem do GLOBO, o monitoramento é falho ou inexistente.

O programa simplesmente não previu a ampliação das equipes de monitores à medida que o uso das tornozeleiras crescesse. Distribuí-las sem a contrapartida do aumento nas equipes equivale a abrir a porta da penitenciária.

Em 2023, a Senappen estabeleceu que 1.548 monitores seriam necessários para acompanhar 93 mil presos. Os responsáveis pela vigilância chegaram a dobrar naquele ano, mas para apenas 181. Diante do contingente de 122.110 presos com tornozeleiras alcançado em 2024, o número continua irrisório. Para manter a proporção estabelecida pela secretaria do Ministério da Justiça em 2023, seriam necessários no mínimo 2 mil profissionais — número que cresce à medida que aumenta o uso das tornozeleiras — , mas há perto de um décimo disso.

As equipes multidisciplinares são justificadas pela necessidade de evitar recursos ao Judiciário, sobrecarregando as Varas de Execução Criminal. A intenção é que erros do GPS da tornozeleira ou do próprio monitorado possam ser resolvidos sem sobrecarregar os juízes. A lentidão da máquina burocrática também contribui para a ineficácia do sistema. Um dos presos nos ataques do 8 de Janeiro em Brasília foi solto com tornozeleira eletrônica, rompida por ele na cidade de Campos, Norte Fluminense, em 1º de julho. No dia seguinte, o aparelho desligou. O alerta levou mais de um mês para chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A falta de equipes e estrutura é grande. Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Roraima, Santa Catarina, Bahia, Paraíba, Mato Grosso, Rondônia, Rio Grande do Sul e Sergipe são citados como estados com monitoramento deficiente. O exemplo de Sergipe é ilustrativo. Em e-mail enviado à Senappen, o estado reclamou que há dez anos três servidores monitoravam 150 presos. Os detentos já eram 1.650 em junho, e o número de monitores “permaneceu praticamente o mesmo”. É obrigação dos governos estaduais e federal impedir que a tornozeleira eletrônica se transforme em mais uma via para a impunidade.

Brasil precisa de mais e melhores empresas

Por Folha de S. Paulo

Banco Mundial aponta que multiplicação de pessoas jurídicas no país tem pequeno impacto econômico

Organismo sugere investir em educação, com mais vagas em cursos técnicos e superiores focados em inovação e empreendedorismo

Em países de renda média, caso dos latino-americanos, a informalidade sempre foi um freio à expansão da produtividade e da economia, de modo que o empreendedorismo é saudado corretamente como mecanismo promissor.

No Brasil, a principal evidência da disposição de empreender é a multiplicação nos últimos ano do número de microempresas, em especial na modalidade de Microempreendedor Individual (MEI).

Lançado há mais de uma década, tal regime jurídico abre caminho para que um número crescente de trabalhadores adotem um regime formal autônomo e com maior flexibilidade.

No entanto, como alerta recente relatório do Banco Mundial sobre empreendedorismo na América Latina, essa explosão numérica não é suficiente para a superação de outros obstáculos.

À diferença do que ocorre em países de renda mais alta, a criação de novas pequenas empresas aqui não impulsiona a contento a inovação e a produtividade —e tampouco gera bons empregos.

Embora na América Latina e no Caribe o empreendedorismo seja duas vezes e meia mais comum que na OCDE (que reúne os países mais desenvolvidos), seu impacto econômico é menor, pois as microempresas familiares mostram pouca adoção de tecnologia ou ambição de expansão.

Assim, o salto no número de MEIs, que já representam quase metade das empresas formais do país, não se traduz em avanços estruturais. Baixo nível de educação, sobretudo técnica, limitações de acesso a crédito e dificuldades regulatórias gerais estão entre os obstáculos enfrentados por essas pessoas jurídicas.

Apenas 20% dos titulares de MEIs têm ensino superior, ante 46% nas empresas limitadas, diferença que não existe em países de renda mais alta. As práticas gerenciais ficam abaixo do esperado para nossa renda per capita, perpetuando um ciclo de baixa densidade de firmas dinâmicas.

Tais empreendedores não são transformadores, portanto, tipicamente obtendo apenas rendimentos um pouco acima dos oferecidos nos empregos precários para os quais se qualificam, mas sem capacidade de inovar.

No caso das chamadas startups americanas, o impacto na produtividade é maior, pois elas tendem a estar associadas a núcleos de pesquisa e desenvolvimento, além de contarem com acesso a capital e empreendedores com formação de qualidade.

O relatório do Banco Mundial sugere priorizar a qualidade, não o volume. Além de melhorias regulatórias, investir em educação transformadora —mais vagas em cursos técnicos e superiores focados em inovação, com módulos de empreendedorismo nas universidades para formar líderes.

O Brasil apresenta iniciativas individuais, um bom começo. Mas sem um ambiente geral que faça florescer a inovação, não se obtém muito mais do que a substituição de empregos formais de baixa qualificação por ocupações de impacto econômico similar.

Inteligência policial contra abusos na internet

Por Folha de S. Paulo

Megaoperação de combate a crimes sexuais contra crianças reforça importância de ações integradas

Política eficaz no setor independe de constitucionalização, como a PEC da Segurança de Lula; direita linha dura insiste em populismo penal

Na quarta (8), uma megaoperação de combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes, principalmente na internet, envolveu 890 agentes federais e estaduais, 184 mandados de busca e apreensão em todo o país e 55 pessoas presas.

A dimensão da diligência mostra a importância da inteligência e da coordenação entre polícias em políticas de segurança.

Abusadores buscam ganhar a confiança dos jovens com perfis falsos em redes sociais, jogos online ou aplicativos de mensagens. Em troca de relações ou favores sexuais como envio de imagens íntimas, oferecem moedas virtuais, dinheiro ou outros ganhos para chamar atenção das vítimas.

O ministro da Justiça, Ricardo Levandowski, disse que a operação é "prenúncio daquilo que pretendemos alcançar com a PEC da Segurança, que está sendo analisada pelo Congresso Nacional".

A proposta de emenda traz algumas boas ideias, como a garantia de recursos para os fundos nacionais no setor e a obrigatoriedade da criação de corregedorias e ouvidorias das polícias nos estados. Mas a referida megaoperação deixa claro que, na prática, a integração policial prescinde da constitucionalização do tema.

Afinal, o compartilhamento de inteligência e recursos de investigação, o desencadeamento de operações conjuntas com forças federais e estaduais e o uso de tecnologia para monitoramento online já são possíveis sem a PEC.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda deve um programa técnico e eficaz em segurança pública. Aproveitando esse vácuo, a vertente linha dura à direita, no Legislativo federal e nas gestões estaduais, insiste em policiamento ostensivo, operações baseadas no uso da força que não raro descambam em abusos, populismo penal e punitivismo.

Abusos sexuais de crianças e adolescentes já são por natureza difíceis de fiscalizar e investigar, dado que no geral são perpetrados por familiares ou conhecidos no ambiente doméstico. Na internet, o desafio aumenta, com recursos de anonimato usados por criminosos e plataformas inseguras, sem contar o aumento de usuários do estrato infantil.

Segundo pesquisa do Cetic.br, órgão de monitoramento de tecnologias da informação do Comitê Gestor da Internet do Brasil, de 2015 a 2024 a taxa de crianças que acessaram a internet pela primeira vez entre 6 a 8 anos de idade saltou de de 41% para 82%.

O combate exige cooperação policial com as plataformas, campanhas de conscientização para jovens, pais e educadores e, principalmente, a integração das forças policiais em todos os âmbitos.

Sob pressão fiscal, União lança mais programas com subsídios

Por Valor Econômico

O panorama fiscal tornou-se mais adverso e o período eleitoral é propício a uma piora

No mesmo dia em que o Congresso rejeitou a MP 1303, que traria R$ 46,5 bilhões ao governo em 2025 e 2026, foi detalhado mais um de uma série de programas populares, o de moradias, que custeará reformas em residências com crédito subsidiado por uma nova fonte de financiamento, o Fundo Social do Pré-Sal, cujas finalidades foram ampliadas em 14 de julho, pela lei 15.164. O novo programa, assim como o de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil, contempla faixas de renda média, de até R$ 9,6 mil. Ao deixar de focar o uso de dinheiro público escasso nas camadas mais pobres, o governo Lula deixa claras suas intenções eleitorais, já antevistas nos anúncios em cascata da criação de benefícios sociais, como Pé de Meia, Gás para Todos, Tarifa Social de Energia, Garantia-Safra etc., como se não houvesse qualquer restrição orçamentária, os recursos fossem baratos com um juro de 15% ao ano, e como se fosse possível bancá-los indefinidamente por meio de aumento de impostos e taxas. A criatividade no uso de fundos de financiamento públicos e privados pode não parar por aí, à medida que as eleições se aproximam.

O custo estimado dos subsídios de moradia popular é de R$ 7 bilhões e o alvo é um financiamento total de R$ 30 bilhões. Para isso, com apoio do Congresso, foi utilizado o Fundo Social do Pré-Sal, criado em 2010, que reserva os recursos da bonança petrolífera para garantir investimentos de longo prazo em educação, saúde, pesquisa e desenvolvimento e ambiente. Em 2024, 14 anos depois, o Tribunal de Contas da União cobrou a regularização da administração desse fundo, gerido informalmente na Casa Civil, e apontou a falta de controle e transparência sobre seus gastos. Estima-se que, com a produção do pré-sal atingindo seu pico, até 2030, o fundo receberá mais cerca de R$ 1 trilhão (Veja, 18-11-2024).

O governo, via MP depois transformada em lei por aprovação no Congresso, criou um comitê gestor e alargou o suficiente suas finalidades, a ponto de tornar possível o custeio de despesas correntes, um expediente a ser usado de acordo com a conveniência política do governo sem impactar diretamente o limite de gastos. Foram incluídos gestão do SUS, projetos de habitação popular, infraestrutura hídrica, calamidades públicas, segurança alimentar, defesa dos direitos indígenas etc. A bancada ruralista tentou recentemente pegar carona nessa brecha, buscando capturar R$ 30 bilhões para financiar agricultores inadimplentes, mas a manobra não vingou - até agora.

O governo, premido pelo avanço de despesas que tornam difícil cumprir o orçamento e respeitar as metas fiscais, abriu o flanco do uso dos recursos dos fundos de financiamento públicos e privados. Aportes e resgates neles entram como receitas e despesas primárias, sujeitas à meta fiscal, mas o uso de seu estoque não. Em vários desses fundos, a União fez aportes para fins específicos. Cumprido o objetivo, o dinheiro restante não voltou ao Tesouro nem abateu dívida pública, como deveria ser, mas continuou disponível. Há 6 fundos garantidores privados (como o da construção naval, de investimentos) com estoque de R$ 75 bilhões.

O governo aceitou e o Congresso aprovou projeto capitaneado pelo senador Rodrigo Pacheco, de reestruturação das dívidas dos Estados com maior dívida, que não têm pagado suas parcelas em dia, muitas vezes com aval do Supremo Tribunal Federal, que impede sua execução. São Paulo (que cumpre seus compromissos), Rio, Rio Grande do Sul e Minas Gerais compõem 90% do saldo devedor de R$ 806 bilhões em 2024. Com o programa (Propag), os maiores devedores pagarão suas dívidas em mais três décadas, em um leque de opções em que os juros podem cair de 4% a zero, dependendo dos ativos dados para pagamento e dos investimentos a que se comprometerem. De início a União deixará de receber R$ 48 bilhões em receitas financeiras, enquanto os Estados devedores têm de fazer repasses de 1% a 2% do saldo devedor em um Fundo de Equalização Federativa, que distribuiria recursos aos Estados em dia com suas obrigações.

A adesão ao Propag se encerra este ano, mas até agora só Goiás aderiu. Em decreto publicado na terça, o governo mudou as regras. No caso de suspensão ou redução dos pagamentos, o ente federado teria de se submeter a um limite de gastos. Os Estados devedores sempre escaparam dessa obrigação de uma forma ou de outra _ e escaparão novamente. A exigência foi eliminada. A Câmara dos Deputados deu sua colaboração na terça-feira ao aprovar a efetivação, às custas da União, dos agentes de saúde comunitários e de combate a endemias, com regras favoráveis na Previdência que já deixaram de existir: aposentadoria por salário integral, com idade menor e com paridade de reajustes com os ativos. O custo é de pelo menos R$ 24,7 bilhões em dez anos.

O panorama fiscal tornou-se mais adverso e o período eleitoral é propício a uma piora. O presidente Lula sempre deixou claro que não gosta de travas em despesas e o Congresso, já pouco inclinado a isso, tende a seguir o exemplo. O acerto de contas será feito em 2027 e pode ser doloroso.

Nenhuma escola é uma ilha

Por O Estado de S. Paulo

Exemplos como o da Escola Parque dos Sonhos, em Cubatão, mostram que sinergia com famílias e instituições locais transforma educação em bem compartilhado e civismo em prática cotidiana

A Escola Estadual Parque dos Sonhos, de Cubatão, conquistou o prêmio internacional World’s Best School na categoria “Superação de Adversidades”. Localizada em um bairro vulnerável e marcada no passado por violência e evasão, a escola transformou-se em polo de acolhimento e cultura de paz. Professores visitam as famílias, 21 projetos extracurriculares dão protagonismo a estudantes, as matrículas aumentaram 500% desde 2021 e episódios de vandalismo foram reduzidos a zero. O que antes tinha tonalidades de um “parque dos pesadelos” tornou-se um exemplo de como a escola pode florescer quando enraizada na comunidade.

O caso não é isolado. No México, a escola A Favor del Niño construiu com os pais um modelo de corresponsabilidade de “360 graus” que derrubou índices de evasão. Na Argentina, o Colegio María de Guadalupe uniu educação básica a um programa de inclusão laboral que multiplicou oportunidades de emprego para seus egressos. Na África do Sul, a Spark Soweto contratou jovens da própria comunidade para integrar seu corpo de funcionários e transformou um território associado ao desemprego e à violência em um epicentro de aprendizagem e coesão. De Israel à Polônia, do Reino Unido à Austrália, experiências premiadas demonstram a mesma lógica: escolas que abrem suas portas às famílias e ao entorno convertem-se em motores de transformação social e usinas de criatividade cívica.

Em todas essas realidades tão diversas, o denominador comum é a constatação de que o êxito escolar depende menos de receitas prontas e até de capital financeiro, e mais da capacidade de mobilizar os recursos humanos, sociais e culturais que já existem no território.

Estudos da OCDE, da Unesco ou do Unicef insistem há anos na importância da interação entre escola e comunidade para reduzir a violência, aumentar a permanência e impulsionar o desenvolvimento integral. No Brasil, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Programa Escola e Comunidade com objetivos semelhantes, e experiências como os Centros Educacionais Unificados (CEUs) paulistanos ampliaram o conceito ao integrar creches, ensino fundamental, esporte, cultura e lazer em um mesmo espaço de convívio. Muito além de iniciativas de gestão administrativa, trata-se de devolver protagonismo às famílias e associações locais, sem delegar nem substituir responsabilidades, mas apoiando e ampliando suas possibilidades.

Além dos impactos inequívocos sobre o desempenho acadêmico, alunos mais seguros e confiantes tornam-se cidadãos mais conscientes. Famílias que participam das rotinas escolares reforçam a proteção comunitária e ajudam a prevenir a delinquência ou transtornos mentais. Empresas locais, quando mobilizadas, oferecem oportunidades de renda e empreendedorismo. Igrejas, clubes e ONGs, quando parceiros, galvanizam a rede de solidariedade. O resultado é um círculo virtuoso em que a escola cumpre melhor sua missão de formar, enquanto a comunidade se fortalece como espaço de civismo e responsabilidade compartilhada. No imaginário coletivo, a escola deixa de ser vista como instituição distante e passa a ser reconhecida como patrimônio comunitário, cuja preservação interessa a todos.

Esse modelo não elimina a necessidade do Estado. Pelo contrário: cabe-lhe garantir financiamento e infraestrutura, sem sufocar a autonomia das escolas nem substituir o papel das famílias. O risco do centralismo tecnocrático, que trata cada unidade como mera executora de programas, é tão nocivo quanto o abandono de comunidades carentes à própria sorte. O equilíbrio sadio está em apoiar e coordenar, não em controlar nem desertar. Quando essa equação se consolida, a escola irradia efeitos muito além de seus muros: melhora a convivência nos bairros, amplia perspectivas para os jovens e contribui para a coesão social.

A Parque dos Sonhos é só um exemplo, mas eloquente. Sua história mostra que a escola não é uma ilha. É ponto de encontro entre crianças, famílias, vizinhos e instituições locais. Quando todos assumem parte da responsabilidade, a educação deixa de ser um serviço prestado e passa a ser um bem compartilhado. É essa a chave para formar cidadãos mais livres, comunidades mais fortes e uma sociedade mais justa.

Falta de decoro generalizada

Por O Estado de S. Paulo

Relatório mostra que quase todo o MP recebe remuneração anual acima do teto constitucional. Ou seja, não é exceção, mas regra – que desonra a missão de defender a ordem jurídica

Estadão teve acesso a um relatório da Transparência Brasil que mostrou que, no ano passado, praticamente todos os membros do Ministério Público (98%) receberam remuneração anual acima do teto constitucional. A falta de decoro foi quantificada: o valor total dos pagamentos extrateto alcançou inacreditáveis R$ 2,3 bilhões. Mais uma bofetada na cara dos contribuintes de um Estado que nem ao menos se esforça para fazer valer seu poder de tributar retribuindo a todos os seus cidadãos bons serviços públicos e condições de vida minimamente dignas.

Os Ministérios Públicos estaduais limitaram-se a dizer que os pagamentos acima do teto seguiram rigorosamente a legislação, o que só adiciona insulto à injúria, pois sabe-se muito bem como é fácil dar uma demão de legalidade aos chamados penduricalhos, malgrado se tratar de uma desabrida afronta ao art. 37, inciso XI, da Constituição. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que deveria exercer o controle administrativo da instituição, nem sequer se dignou a responder. Pudera. Com frequência, é o próprio CNMP que cria indevidamente muitos dos penduricalhos que distorcem a remuneração dos membros do parquet.

O Ministério Público é uma das instituições mais poderosas e respeitáveis da República. A Constituição de 1988 incumbiu-lhe da nobilíssima missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. A confiança que a sociedade deposita em seus promotores e procuradores deriva justamente da expectativa de que sua atuação seja movida por um senso de dever e por uma integridade funcional que transcende interesses corporativos. Logo, quando o próprio Ministério Público afronta a Lei Maior, em vez de protegê-la, abjura a razão de sua existência.

Antes a afronta fosse só financeira – é também institucional. A Constituição estabelece, de forma inequívoca, que nenhum servidor público pode receber acima do subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Em 2024, isso significava um teto anual de R$ 525,7 mil. Qualquer valor além disso é inconstitucional, por mais que se busquem justificativas técnicas ou “interpretações” convenientes para justificar a extravagância. A falácia de que os privilégios “seguem a legislação” beira a confissão de culpa, haja vista que os próprios órgãos de controle do Ministério Público criam as brechas para driblar o mandamento constitucional.

Esses subterfúgios tomam a forma de “verbas indenizatórias”, “auxílios” e “gratificações eventuais”, pagos com regularidade e abrangência incompatíveis com sua natureza. Somadas aos salários, essas verbas, ademais isentas de Imposto de Renda, resultam em remunerações muito acima do limite constitucional. Em qualquer outra instituição, o acinte já seria grave; quando parte da instituição incumbida de zelar pela ordem jurídica, é um escândalo que deveria lotar ruas e avenidas Brasil afora em protesto. O Ministério Público, que exige moralidade e probidade de todos os demais cidadãos, não pode se permitir tamanho desvio ético sem comprometer sua respeitabilidade.

O Congresso, ao discutir a reforma administrativa, tem uma oportunidade de ouro de corrigir parte dessa distorção. Entre as propostas apresentadas pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do grupo de trabalho debruçado sobre o tema na Câmara, está uma emenda à Constituição que restringe os tais supersalários, impondo um teto real às verbas indenizatórias. Essas verbas, segundo o texto revelado por este jornal, deverão ter natureza reparatória e se destinar apenas a despesas episódicas, eventuais e transitórias. Ou seja, nada além de uma obviedade.

A resistência corporativa a esse tipo de proposta será tão forte quanto previsível. O que se espera, porém, é que o Legislativo resista à pressão e atue em nome do interesse público. Nenhuma categoria de servidores, por mais importante que seja, pode se colocar acima da Constituição. E, entre todas, o Ministério Público é o último que poderia fazê-lo. A indulgência com seus próprios privilégios é a antítese da função de fiscal da lei.

Petrobras contrata prejuízo

Por O Estado de S. Paulo

Volta da empresa ao setor de fertilizantes é decisão política, e não interesse comercial

O ufanismo e a fanfarronice costumeiros marcaram presença na cerimônia lulopetista em que a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, ao lado de um efusivo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, oficializou o retorno da produção de fertilizantes na Bahia e em Sergipe a partir de janeiro. As fábricas, juntamente com a que foi reativada no Paraná e a do Mato Grosso do Sul, ainda em construção, atenderão a 35% da demanda nacional por fertilizantes nitrogenados, como profetizou a executiva.

Como diria Garrincha, em sua simplicidade genial, faltou somente combinar com os russos – literalmente, já que a Rússia é o principal fornecedor de fertilizantes para o Brasil, mercado em que é altamente competitivo, apesar da guerra deflagrada em fevereiro de 2022 com a Ucrânia, que encareceu seus produtos. A saída gradativa da Petrobras desse mercado ocorreu por causa dos sucessivos prejuízos absorvidos na produção, uma atividade com alto custo de matéria-prima que concorria com produtos importados mais baratos.

A volta da estatal ao setor começou com a reativação da fábrica do Paraná, no ano passado, quando a unidade já acumulava prejuízo de R$ 3,5 bilhões. Antigos funcionários da unidade que já haviam sido indenizados pela demissão foram readmitidos sem que houvesse novo processo seletivo, como seria o correto. Tudo para acelerar a reativação. Na Bahia, a Petrobras prevê investir R$ 38 milhões, depois de encerrar litígio bilionário com a Unigel em razão do fechamento da fábrica.

Mas nada disso parece fazer diferença. Para Lula, o que importa é “inaugurar” as fábricas e anunciar a criação de empregos a toque de caixa, pois a campanha eleitoral de 2026 não tarda a bater à porta. E, para isso, recorrer ao caixa da Petrobras é o atalho mais rápido, ainda que o negócio não faça sentido para a empresa do ponto de vista comercial e mesmo que não tenha sido planejado qualquer acordo com a agroindústria nacional com compromisso firme de compra da produção futura, independentemente da oferta externa.

O Recôncavo Baiano parece ter sido escolhido a dedo para o anúncio, e Lula não escondeu a pressão que exerce sobre a companhia. “Estou convencido de que a Petrobras ainda não deu tudo o que ela tem que dar ao povo brasileiro”, afirmou, mesmo diante da promessa de Magda Chambriard de investir mais de R$ 2,6 bilhões na Bahia, berço político de petistas do alto escalão, como o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner. Até o ministro de Minas e Energia, o mineiro Alexandre Silveira, fez questão de tirar uma casquinha na cerimônia, dizendo-se um “baianeiro”.

A obsessão de Lula em torno da produção de fertilizantes pela Petrobras foi um dos motivos da troca do petista Jean Paul Prates por Magda Chambriard na presidência da empresa, no ano passado. Prates até anulou o veto da companhia para voltar a investir no segmento, mas Lula considerou lento o processo de retomada. Agora, o presidente mostra de vez que a Petrobras está, de fato, a serviço de seu governo, e não do Estado brasileiro.

O alerta da água: o Brasil está secando

Por Correio Braziliense

A constatação é que dinâmicas de ocupação e uso da terra, associadas a eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento global, estão sorvendo recursos hídricos do país

Nas cidades, moradores sofrem com fenômenos típicos do fim da estação de estiagem, como níveis críticos de umidade que afetam a saúde, o incômodo das altas temperaturas e os incêndios — favorecidos pelas duas condições anteriores e que tornam a qualidade do ar ainda mais sufocante. No campo, habitantes encaram a seca que faz minguar lavouras, emagrece o gado e reduz a água disponível até para o consumo humano. Enquanto brasileiros dessas duas realidades consultam o céu ou a meteorologia e torcem ou imploram pela chegada da chuva, um outro drama, silencioso e muito mais preocupante, avança seca após seca: os recursos hídricos do país estão encolhendo.

Analisando a realidade do ano anterior, o MapBiomas — uma rede global formada por universidades, ONGs e empresas de tecnologia, que, há uma década, monitora transformações na cobertura vegetal, hídrica e no uso da terra — alerta que 2024 manteve a realidade de redução na superfície de água do país, já registrada em anos anteriores, em tendência observada a partir de 2009 e só quebrada desde então em 2022. Pior: segundo a plataforma, oito dos 10 anos mais secos de toda a série histórica estudada, a partir de 1985, ocorreram na última década.

A constatação é que dinâmicas de ocupação e uso da terra, associadas a eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento global, estão sorvendo recursos hídricos do país, como observou Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água. E isso vem ocorrendo em uma velocidade assustadora. Depois de perder, em 2023, uma superfície de água de 571 mil hectares, uma área do tamanho do Distrito Federal, o país viu o seu conjunto de recursos hídricos ser drenado em mais 400 mil hectares, área que supera em duas vezes e meia a da cidade de São Paulo, com base em dados da rede multidisciplinar.

A exemplo do que ocorreu no Pantanal mato-grossense, que em 2024 foi o bioma que mais perdeu superfície de água em relação à média histórica, com recuo de impressionantes 61%, segundo a rede, menos áreas alagadas representam mais espaço para que o fogo ganhe terreno. Mais solo calcinado pelas chamas, por sua vez, significa menor permeabilidade e menos recursos hídricos realimentando o lençol freático, o que impulsiona um ciclo perverso de degradação.

Ao mesmo tempo em que os recursos naturais encolhem, a demanda por água, seja nas grandes cidades, seja na indústria, seja no agronegócio, tende a se manter continuamente na direção contrária, apontando para uma combinação insustentável. Essa realidade exige soluções cuja busca não pode mais ser adiada, sob ameaça de situações como a crise hídrica de 2014/2015, que afetou drasticamente o abastecimento em metrópoles como São Paulo e Belo Horizonte, sem mencionar o potencial de impacto sobre ecossistemas e sobre setores como a geração de energia e a segurança alimentar.

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada no próximo mês, em Belém (PA), representa mais uma janela de oportunidade para enfrentar o tema. De fato, a água promete ser um dos principais tópicos de discussão da cúpula. O que se espera — e se faz urgente — é que o assunto não se limite a discursos, números e exposições alarmantes, sem se transformar em ações práticas com alcance capaz de reverter o quadro atual.

Para além das discussões diplomáticas e governamentais, porém, a gestão de recursos hídricos precisa ser, tanto quanto uma cobrança diária, uma agenda abraçada por toda a sociedade. Consumo consciente da água, diminuição do desperdício, redução do uso de poluentes e outras atitudes de poupança e preservação são providências que devem partir de cada cidadão. Não dependem de governos nem da COP30. Podem, e devem, começar hoje.

Praia é direito e responsabilidade de todos

Por O Povo (CE)

Mais uma ação da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) na orla do Ceará resultou no embargo do funcionamento de um parque aquático na Praia do Futuro, em Fortaleza. O debate sobre o uso e a ocupação das áreas de praia no Estado é antigo e envolve diferentes órgãos e segmentos da sociedade, influenciando em diversos fatores.

Em 2005, uma Ação Civil Pública (ACP) pediu a remoção de barracas construídas na Praia do Futuro. Desde então, somam-se estudos, decisões judiciais, acordos, brigas e argumentos sobre a utilização do espaço. O livre acesso e circulação das pessoas à área de praias é o centro do debate, que envolve questões ambientais, urbanísticas, de propriedade e sobre o uso público.

Vinte anos depois, uma Lei Federal reconheceu essas barracas como patrimônio cultural nacional. A nova lei prevê que o poder público, em parceria com a comunidade local, deve adotar medidas para valorização e salvaguarda do patrimônio. Além de garantir participação de barraqueiros e da comunidade local na criação de políticas públicas que tenham como objetivo a sustentabilidade.

A legislação, porém, não trouxe o trecho proposto pelo Projeto de Lei que garantia a manutenção da estrutura das barracas na Praia do Futuro, desde que autorizadas pelo poder público municipal. Segundo o Governo Federal, seria inconstitucional mudar os níveis da competência sobre a área. O imbróglio judicial ainda não teve seu fim.

A questão das barracas na beira da praia e tudo que elas movimentam em termos de pessoas, empregos e culturas não é um desafio só na Capital. Em Canoa Quebrada, Aracati, outra Ação Civil Pública pede que a Justiça determine a retirada de barracas por causa do risco que as estruturas encostadas nas falésias podem oferecer. Barraqueiros aguardam por uma solução discutida há décadas.

Mais perto, no Iguape, na Praia do Pontão, em Aquiraz, barraqueiros pedem diálogo após fiscalização recente. Argumentam que mais de cem famílias vivem da movimentação que o pôr do sol atrai e que colaboram com a sustentabilidade e preservação do local.

O Ministério Público e a Superintendência de Patrimônio da União cumprem seu papel constitucional de representar os interesses do povo, o que inclui a preservação de seus espaços. Em parceria com o poder público devem promover soluções aos dilemas que envolvem sustentabilidade ambiental, segurança jurídica e repercussões econômicas e sociais.

O Ceará é um estado turístico, que carrega em suas praias destaques diferenciados. É preciso ter prevenção, proteção, monitoramento e fiscalização. Que os riscos sejam minimizados e a exploração comercial com fins privados e públicos tenha como prerrogativa a preservação. Dever também de quem frequenta e se diverte em um fim de semana na praia. 

 

 

 

 

 

 

 

 

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