Sociedade brasileira está afastada dos extremos
Por O Globo
Maior pesquisa já realizada sobre polarização
concluiu que apenas 11% monopolizam debate político
À medida que se aproximam as eleições de
2026, o país se encaminha para mais uma disputa polarizada entre candidatos de
esquerda e direita, cindidos por posições aparentemente inconciliáveis em temas
como aborto, porte de armas, religião ou cotas raciais. Paradoxalmente, a maior
parte da população brasileira fica no meio do caminho entre as posições
extremas abraçadas pelos dois polos. Essa é a conclusão mais relevante da maior
pesquisa sobre a polarização no Brasil, realizada pela Quaest para a ONG More
in Common.
Os pesquisadores aplicaram um questionário com quase 200 questões sobre temas que polarizam a sociedade a mais de 10 mil brasileiros com mais de 16 anos. Depois empregaram técnicas estatísticas capazes de classificar a amostra de acordo com a frequência das respostas às diferentes questões e aprofundaram a análise por meio de entrevistas em grupo.
Como resultado, os brasileiros foram
divididos em seis segmentos, do mais esquerdista para o mais direitista:
progressistas militantes (5% da população), esquerda tradicional (14%),
desengajados (27%), cautelosos (27%), conservadores tradicionais (21%) e
patriotas indignados (6%). Os grupos apresentam comportamento previsível diante
do questionário. Um exemplo: para 93% dos patriotas indignados, direitos
humanos atrapalham o combate ao crime. Tal proporção cai a cada degrau da
escada formada pelos segmentos e entre progressistas militantes é de meros 3%.
A situação se repete nas demais questões.
Um fato chama a atenção: a maioria da
população (54%) é formada pelos dois segmentos intermediários, classificados
como “invisíveis”. Não têm posições extremas e manifestam grau menor de
engajamento político. São eles que representam melhor a sociedade brasileira —
e não os progressistas militantes ou patriotas indignados. Os extremos são mais
estridentes e monopolizam o debate político, mas representam apenas 11% dos
brasileiros.
Uma segunda conclusão ajuda a explicar o
mecanismo que rege a polarização: há assimetria entre os dois polos. Os
progressistas militantes se afastam bem mais da média da população brasileira
que os demais segmentos. São os mais escolarizados (53% com ensino superior),
mais ricos (37% com renda acima de R$ 10 mil), mais brancos (57%) e menos
religiosos (41% dizem não ter fé). Também têm maior engajamento e interesse por
política. Estão isolados em opiniões sobre direitos humanos, educação ou na
visão sobre instituições como Igreja ou Forças Armadas. Tais características
permitem entender por que são frequentemente descritos por populistas de
direita como uma “elite” sem conexão com a realidade e distante das aspirações
reais do “povo”, cujos valores são no fundo mais conservadores.
Ao alimentar tal imagem por meio de posições
irredutíveis, os progressistas acabam por fortalecer involuntariamente os adversários
e o discurso extremista que ameaça as instituições. Como
escreveu no GLOBO o colunista Pablo Ortellado, diretor executivo da More in
Common: “Superar a polarização não significa apagar as diferenças. Uma
democracia saudável precisa de esquerda, direita e centro bem constituídos. Mas
precisamos que os antagonismos entre as posições não se convertam em hostilidade
moral ou desconfiança institucional que coloquem em perigo a coesão
democrática”.
Chegou a conta da resistência do governo a
privatizar os Correios
Por O Globo
São os R$ 20 bilhões em empréstimos
garantidos pelo Tesouro — que fatalmente serão pagos por todos nós
Era
previsível e foi previsto — aqui mesmo em editorial do GLOBO dias atrás: a
resistência do governo a privatizar os Correios custaria
caro ao contribuinte. A conta já começa a chegar. Com prejuízo acumulado no
primeiro semestre de R$ 4,3 bilhões e patrimônio negativo de R$ 8,7 bilhões, a
Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), para sobreviver, pediu ajuda ao governo
num empréstimo bancário de R$ 20 bilhões, com participação de Banco do Brasil e
Caixa. Será mero paliativo, diante da resistência do Planalto a promover o
ajuste necessário a equilibrar as contas da empresa e prepará-la para a
privatização. Ao assumir o Planalto pela terceira vez, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva retirou-a da lista de privatizações, e agora parece inevitável que, cedo
ou tarde, o Tesouro seja acionado para socorrê-la.
A ECT tem lançado mão de empréstimos para
cobrir passivos que não param de crescer, dada a incapacidade da estatal, com
85 mil funcionários, de obter receitas próprias para cobrir as despesas
operacionais e gerar lucro. Em dezembro de 2024, obteve R$ 300 milhões junto ao
banco Daycoval e R$ 250 milhões com o ABC. Agora conta com mais um empréstimo
de R$ 20 bilhões para saldar seus compromissos. Pagará dívida com mais dívida,
e o endividamento não parará de crescer.
Ao tornar o Tesouro avalista desse empréstimo,
o governo deixa claro que, no final, a conta ficará para o contribuinte.
Trata-se de mera manobra contábil para evitar transferir recursos diretamente à
ECT e torná-la uma “empresa dependente do Tesouro”, forçando a inclusão dos
aportes no Orçamento da União e impactando a meta fiscal. Como cedo ou tarde o
socorro bilionário se converterá em aumento da dívida pública, o governo enviou
por precaução ao Congresso documento informando que poderá incluir no Projeto
de Lei Orçamentária (PLOA) de 2026 recursos para os Correios. E também nos três
anos seguintes, até 2029.
A ECT aguarda o socorro financeiro do Planalto para equilibrar as contas deste ano e do próximo. Se não houver ajustes estruturais com a preparação para a venda da parte saudável da empresa à iniciativa privada, os Correios baterão à porta do governo novamente não apenas em 2027, mas a perder de vista. O governo conta com um projeto bem estruturado para venda da ECT, formulado pelo BNDES, mas infelizmente engavetado em razão de pressões dos sindicatos e à resistência atávica que os petistas têm a privatizações. No caso das concessões de estradas ou telefonias, aparentemente ela foi superada diante da eloquência dos benefícios. Ainda é tempo de usar o projeto que está pronto e vender os Correios. Melhor que, mais uma vez — e sabe-se lá quantas outras daqui para a frente —, enfiar a mão no bolso do contribuinte.
EUA promovem instabilidade na América Latina
Por Folha de S. Paulo
Ameaça contra a Venezuela reincide em ações
americanas que elevam riscos de violência política na região
Não se espera de Trump abordagem como a de
Biden, que em 2022 deu recados de que a Casa Branca não aceitaria virada na
eleição brasileira
A história se repete como farsa, mas nem por
isso deixa de produzir estragos. O aparente caso bélico promovido pelo
presidente Donald Trump contra
a ditadura venezuelana remonta ao velho intervencionismo de Washington na
América Latina, embora se apresente numa roupagem modificada.
A pretexto de combater o tráfico de drogas que
abastece o mercado americano, o governo dos Estados
Unidos moveu
recursos militares para as proximidades da costa da Venezuela.
Ali põe-se a afundar pequenas embarcações alegadamente usadas por narcocartéis
sob a guarida do regime de Nicolás
Maduro.
Nesta quarta-feira (15), Trump confirmou
informações publicadas por The New York Times de que deu autorização à CIA,
famigerada agência de espionagem, para sabotar
e derrubar o governo chavista. Não se descarta execução de operações
armadas no território do país sul-americano.
O aparente paradoxo de o presidente do EUA
declarar que avalizou movimentações secretas, que portanto deixam de ser
secretas, é apenas um dos elementos que embaralham os parâmetros do
intervencionismo que prevaleceu na segunda metade do século 20, no contexto da
Guerra Fria contra os soviéticos.
As ameaças desta vez partem de um presidente
republicano que se elegeu com a bandeira de implodir as ambições hegemônicas
dos antecessores e reduzir a ingerência política e militar dos Estados Unidos
em outros países.
As consequências da metamorfose ambulante
trumpista, no entanto, reincidem em riscos e vícios do passado. Tentar induzir
ou impor pelas armas mudanças de regime em nações estrangeiras é opção fadada
ao fracasso ou a resultados pífios diante dos custos envolvidos, vide os
atoleiros de Vietnã, Iraque e Afeganistão.
Bravatas e ataques militares oriundos de
Washington dão fôlego às autocracias alvejadas para apertar a repressão contra
a oposição interna. Isso ocorreu recentemente no Irã e está acontecendo na
Venezuela, onde a ditadura de Maduro ordenou mais uma rodada de encarceramento
despropositado de adversários.
Também é um velho conhecido o desdobramento
sistêmico desse descompromisso da maior potência militar do planeta com as
regras básicas da convivência internacional no continente americano. Crescem a
insegurança, a instabilidade e o risco do recurso à violência política
na região.
Não passaram despercebidas das autoridades
civis e militares brasileiras as reiteradas mensagens do governo Joe Biden,
no conturbado ano de 2022, de que Washington não aceitaria viradas de mesa no
processo eleitoral que terminou com a vitória de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
No segundo mandato de Trump esse tipo de
comportamento dificilmente se repetirá. Com base nas ameaças e ações do chefe
da Casa Branca em relação à Venezuela, teme-se inclusive uma reviravolta nessa
orientação, no sentido de incentivar aventureiros.
A petroquímica de Lula e Trump
Por Folha de S. Paulo
Aproximação é só um primeiro passo para
acordos, mas fim do tarifaço exigirá concessões significativas
Possíveis acordos em terras raras e
incentivos para datacenters interessm aos dois países, mas não parecem troféu
de vitória para Trump
Em um palanque na quarta (15), Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
alardeou seu encantamento com a grande e súbita afinidade sua com Donald Trump —uma
"indústria petroquímica" de afeição, segundo o presidente
brasileiro.
Naquele dia, o ministro Mauro Vieira
(Relações Exteriores) encontrou-se com Marco Rubio, secretário de
Estado dos EUA. Ficaram previstas reuniões técnicas e outra entre Lula e Trump.
O petista tem motivo para se contentar. A
reviravolta na querela comercial com os EUA contribuiu para sua recuperação
política. A agressão americana e a crítica à conspiração promovida por Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) renderam pontos de
popularidade e provocaram
desarranjo na oposição. Mas a "petroquímica" com Trump,
mesmo sendo importante, não é suficiente para acordos.
O Planalto quer o fim das sanções contra
autoridades e do imposto extra sobre importações. Rubio, inimigo das esquerdas,
setores ainda mais à direita na Casa Branca e a população fiel ao republicano
se opõem.
No âmbito econômico, parece improvável que os
EUA renunciem, sem mais, ao tarifaço.
Afora no caso chinês e, talvez, nos indiano e canadense, Trump obteve
concessões significativas, como redução ou cancelamento de tarifas de
importação e tratos vantajosos de investimento. Por que com o Brasil seria
diferente?
Especula-se que Lula poderia oferecer acordos
em terras raras e incentivos para investimento em datacenters ou no comércio de
etanol, que são de interesse dos dois países, mas não parecem troféu de vitória
para Trump.
Mudanças no Pix são
inegociáveis, assim como intervenções em outras instituições, como a regulação
das big techs, até porque dependem do Congresso
Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Há também contenciosos antigos a abordar em
direitos de propriedade intelectual e proteções tarifárias e não tarifárias.
Nesses casos, implicaria predisposição brasileira para maior abertura.
Nas negociações de Trump, a elaboração de
diretrizes de acordos levou ao menos três meses, com exceção do caso britânico.
Não é razoável esperar celeridade em relação ao Brasil, e novas dificuldades
podem surgir, como um ataque americano à Venezuela.
De todo modo, há perspectiva de solução. Importa saber se o governo Lula está disposto a pensar num pacto de fôlego, sem rendição institucional, que não só dê conta do contencioso americano como seja parte de uma estratégia quanto ao lugar do Brasil no mundo, sempre relegada a assunto de segunda importância.
A última tentação do Supremo
Por O Estado de S. Paulo
Ao flertar com a ideia de criminalizar a
‘desinformação’ pela via da jurisprudência, STF arrisca romper com a separação
de Poderes, abrindo uma senda perigosa para a democracia do País
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o
julgamento da Ação Penal 2.694, contra os sete réus do núcleo 4 da tentativa de
golpe de Estado, o chamado “núcleo de desinformação”. O grupo foi acusado pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) de ser responsável por uma “guerra
informacional” voltada a atacar o sistema eleitoral, autoridades e
instituições. São muito graves as acusações formais – golpe de Estado, abolição
violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, deterioração
de patrimônio tombado e dano qualificado –, cabendo à Primeira Turma do STF
julgar se os fatos e as provas trazidos aos autos pelo parquet as sustentam.
O que é inquietante, porém, é que a acusação
feita pelo procurador-geral, Paulo Gonet, parece se expandir para um terreno
aonde o Direito Penal ainda não chegou: a criminalização da “desinformação”. A
tese do sr. Gonet é de que os integrantes do núcleo 4 teriam disseminado
mentiras sobre o sistema eleitoral com o propósito de desacreditá-lo e, assim,
criar o ambiente de revolta social que culminou no 8 de Janeiro. A razia
promovida pelos golpistas naquele fatídico dia seria o estopim para uma
intervenção militar que, ao fim e ao cabo, subverteria o legítimo resultado das
urnas em 2022. Mais bem dito: a manipulação de informações falsas teria sido o
instrumento fundamental da tentativa de golpe, no entender da PGR.
Trata-se de uma construção arriscada, para dizer
o mínimo. Não há, no ordenamento jurídico pátrio, um tipo penal que defina
“desinformação” ou divulgação de “fake news” como crime. Ainda que a conduta
dos réus seja antidemocrática, moralmente reprovável e politicamente perigosa,
o fato de espalharem mentiras sobre o sistema eleitoral não basta, por si só,
para condená-los – ao menos até que o Congresso Nacional, e não o STF, delimite
a fronteira entre o que é liberdade de expressão e o que é ilícito penal.
Imputar responsabilidade penal com base em condutas
não tipificadas fere o princípio da legalidade, viga-mestra do Direito Penal e
um dos sustentáculos do Estado de Direito. Ninguém pode ser punido por ação ou
omissão que a lei não defina como crime. É por isso que, numa república digna
do nome, a prerrogativa de criar tipos penais cabe ao Legislativo, locus adequado para o debate
democrático sobre as consequências, limites e riscos de uma eventual
criminalização da disseminação de desinformação.
No Congresso, discute-se um projeto de lei
para regular as plataformas digitais e combater a propagação de conteúdos
falsos, o chamado PL das Fake News. O fato de os parlamentares ainda não terem
chegado a um consenso para votá-lo é prova da complexidade do problema. Ora, se
até os representantes da sociedade, com toda a legitimidade de que dispõem,
divergem sobre o que seja “desinformação”, não só é temerário, como
inconstitucional, deixar essa faina a cargo de cinco ministros do STF.
Na Corte, contudo, há quem não veja problema
em romper com a separação de Poderes. Em maio, quando aceitou a denúncia contra
os réus do núcleo 4, o ministro Flávio Dino defendeu que as “fake news” sejam
reconhecidas como modalidade de “violência gravíssima”, com efeitos, pasme o
leitor, “similares a uma facada ou a um tiro”. Esse reconhecimento, segundo
Dino, há de vir “pela via legislativa ou pela via jurisprudencial”. Ora, não há
disjuntiva nessa questão: o STF simplesmente não pode criar tipos penais por
“via jurisprudencial”, sob pena de usurpar uma competência exclusiva do Congresso.
Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, outros integrantes da Primeira Turma, já
manifestaram o mesmo ânimo legiferante.
Se, baseado em provas, o STF condenar os réus
considerando os crimes previstos em lei de que foram acusados, terá cumprido o
seu papel. Mas, se decidir condená-los com base em um conceito fluido e não
tipificado como “desinformação”, abrirá uma senda perigosa para a democracia
brasileira. Hoje, o alvo é quem espalha mentiras sobre as urnas eletrônicas.
Amanhã, poderá ser qualquer um que manifeste uma opinião classificada como
ilícita sabe-se lá por quem. Por mais tentador que seja criminalizar a
“desinformação”, isso é incompatível com a mais elementar das liberdades
democráticas.
Alerta de bolha
Por O Estado de S. Paulo
O coro dos preocupados com o estouro de uma
bolha de ações de tecnologia nos EUA agora inclui o FMI. Uma correção abrupta
de preços seria especialmente negativa para países como o Brasil
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês) alertaram recentemente para os
riscos de estouro de uma bolha no mercado de ações nos EUA, somando-se a bancos
de investimento e analistas de mercado que já chamavam a atenção para os preços
exuberantes dos papéis de tecnologia.
Investimentos nas chamadas “sete magníficas”
(Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla) respondem por boa
parte da alta dos índices dos mercados de ações nos EUA. De acordo com o BoE, a
participação de mercado das cinco principais empresas do índice S&P 500 é
de cerca de 30%, patamar jamais visto nos últimos 50 anos.
Entusiasmados com as possibilidades da
inteligência artificial (IA), investidores têm alocado um volume gigantesco de
recursos em ações de big techs.
De concreto, a corrida pelas ações das big
techs é calcada em expectativas que podem não se materializar. Há riscos,
segundo o BoE, de que as soluções baseadas em IA sejam decepcionantes ou de
adoção demorada. Além disso, concorrentes de outros países podem desenvolver
produtos mais baratos e/ou mais eficientes. No início do ano, por exemplo, a
China assombrou o mundo ao anunciar o aplicativo de IA DeepSeek, baratíssimo em
comparação com seus concorrentes americanos.
Ao mesmo tempo, tanto as “magníficas” quanto
empresas de tecnologia de menor porte (e avaliação de crédito pior) têm
recorrido ao mercado de dívida para financiar seus projetos de expansão. De
acordo com o Financial Times,
alguns desses acordos de financiamento são de natureza bastante complexa, ou
seja, pouco transparentes.
Tudo somado, vai se consolidando no mercado a
percepção de que uma correção de rota é inevitável, e pode ocorrer de forma
abrupta. Em entrevista à TV americana CNBC, o estrategista de investimentos
Joost van Leenders afirmou que, “se pensarmos em bolhas como um processo de
cinco estágios, provavelmente estamos no estágio três”.
A diretora-gerente do FMI, Kristalina
Georgieva, tratou do tema de forma mais incisiva: “Apertem os cintos. A
incerteza é o novo normal e está aqui para ficar”.
Georgieva sabe do que está falando, já que as
previsões para a economia global são de desaceleração mesmo sem uma correção
abrupta dos mercados acionários, ou seja, o cenário, que já não é dos mais
róseos, pode se deteriorar ainda mais. E quem mais tem a perder em caso de um
hipotético estouro de uma bolha acionária são os países emergentes, como o Brasil.
Quando a crise do mercado de hipotecas
eclodiu em 2008, lanhando bancos tradicionais e arrastando a economia global
para uma forte recessão, o Brasil não passou incólume. É verdade que, à época,
a retração econômica de 0,2% do PIB foi tratada como “marolinha”. No ano
seguinte, o PIB brasileiro cresceu 7,5%, impulsionado por uma série de medidas
contracíclicas adotadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu
segundo mandato.
Passados mais de 15 anos, o petista governa o
País pela terceira vez e, apesar de não enfrentar uma crise financeira global
como a de 2008, segue adepto do estímulo contínuo ao consumo. Já em campanha
por um quarto mandato presidencial, Lula prepara um pacote de bondades de mais
de R$ 100 bilhões para o ano que vem.
Ocorre que a relação dívida/PIB, que era de
61% em 2008, vem crescendo vertiginosamente e deve encerrar 2025 em 79%. O País
também deu as costas aos superávits primários, que, juntamente com a dívida sob
controle, permitiram as ações contracíclicas adotadas em 2008.
O quadro agora é bem distinto e por si só
exige atitude responsável do governo. O alerta de que uma bolha acionária pode
estourar nos EUA só reforça a necessidade de que o Brasil faça o dever de casa
e corrija os seus desequilíbrios macroeconômicos.
Enfrentar crises globais já é difícil quando
se tem as contas em ordem, mas passar pela tempestade que se avizinha com
dívida estratosférica, juros proibitivos e inflação elevada pode ter
consequências nefastas para o Brasil.
Se a incerteza, como diz Georgieva, é o novo
normal, o Brasil mantém-se tristemente previsível. Não usa o cinto de segurança
nem mesmo diante de risco iminente.
Quem avisa amigo é
Por O Estado de S. Paulo
Parecer técnico do governo alertou para erro
no uso de piso da meta em contingenciamento
Um erro cometido de forma consciente, a
despeito dos alertas sobre suas consequências, pode derivar de teimosia,
manipulação ou irresponsabilidade. Ou de tudo isso somado. Em casos graves
envolvendo a administração pública, pode chegar a caracterizar crime de
responsabilidade. Pode-se dizer que o planejamento orçamentário do governo Lula
da Silva tem circundado perigosamente o terreno da irresponsabilidade fiscal.
Uma recente reportagem do Estadão/Broadcast mostrou que
um parecer elaborado em maio por técnicos da Secretaria de Orçamento Federal do
Ministério do Planejamento defendeu que os contingenciamentos de despesas
fossem definidos a partir de cálculos baseados no centro da meta fiscal, e não
no piso tolerado. A recomendação, como se sabe, foi ignorada. A nota técnica
acabou embasando a advertência feita em setembro pelo Tribunal de Contas da
União (TCU) ao governo sobre a incompatibilidade da adoção do limite inferior
com o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na época, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, informou que iria recorrer da decisão do TCU e empurrou para o
Congresso a responsabilidade por ter recusado uma proposta do governo Lula para
flexibilizar as despesas do Orçamento que permitiria, como alegou, “buscar um
resultado fiscal melhor”. Balela, obviamente, aproveitando a brecha do
arcabouço fiscal, criado pelo próprio governo Lula, que dá como cumprida a meta
se o piso for atingido.
Como diz um antigo ditado popular, quem quer
faz, quem não quer dá uma desculpa. E, de desculpa em desculpa, o governo busca
um jeito de declarar “cumprida” a meta fiscal mesmo que na ponta do lápis as
contas deixem dúvidas sobre o saldo real. Ora são autorizações para a exclusão
de gastos considerados excepcionais – já aconteceu com o programa Pé-de-Meia,
os precatórios, o Fundeb, o auxílio ao Rio Grande do Sul e as verbas para o
Judiciário, entre outros –, ora são as manobras para evitar maiores cortes orçamentários,
desconsiderando as normas fiscais.
Tudo isso mina a transparência e põe em
dúvida a sustentabilidade fiscal do governo, como alertou o TCU. No ano
eleitoral de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de entregar,
pela primeira vez, o resultado positivo das contas públicas prometido para este
terceiro mandato. A meta oficial é de superávit de 0,25% do Produto Interno
Bruto (PIB), o que hoje corresponde a R$ 34,3 bilhões. A tolerância permitida é
zero, ou seja, empate entre o saldo das receitas e o das despesas. Será curioso
testemunhar o contorcionismo discursivo e contábil do governo para tentar
adequar o resultado à meta, sem necessariamente cumpri-la.
A Nota Técnica 477 da Secretaria de Orçamento Federal comprovou que o governo de Lula tem plena consciência do que está sendo desconsiderado para um planejamento crível das contas públicas. Desculpas, sempre há muitas, mas vale lembrar que a violação dos deveres relativos ao funcionamento da administração pública é crime de responsabilidade, punido com perda do cargo e inabilitação para qualquer função pública.
Um sopro de esperança em Gaza
Por O Povo (CE)
O acordo que permitiu um esperado - e cobrado
- cessar-fogo em Gaza é uma notável oportunidade para a paz definitiva em uma
região conflagrada
Os vinte reféns israelenses que ainda estavam
em poder do grupo Hamas foram libertados após 738 dias de cativeiro na Faixa de
Gaza. Também foram entregues os corpos de quatro reféns falecidos. Em
contrapartida, Israel libertou palestinos que estavam presos, e foi iniciado o
processo de devolução dos corpos de reféns mortos e de prisioneiros palestinos
libertados. Tudo isso ocorreu sob acompanhamento de equipes médicas e do Comitê
Internacional da Cruz Vermelha.
Isso foi possível graças ao acordo de
cessar-fogo em Gaza, que ocorreu durante a cúpula que discute os próximos
passos do processo de paz. O acordo foi assinado pelo presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump na segunda 13/10, em rápida viagem ao Egito. É certo que a
ação de Trump foi decisiva para a assinatura do acordo. Ele mesmo disse que o
momento é um "amanhecer histórico de um novo Oriente Médio".
O resultado deu a ele a garantia de que
conseguiu a virada que tanto esperava. "Tudo o que fiz na vida foram
negócios. Os maiores negócios simplesmente acontecem… Foi o que aconteceu aqui.
E talvez este seja o melhor negócio de todos", resumiu.
Sabe-se que o acordo prevê um cessar-fogo e a
troca de reféns por prisioneiros. Não é um acordo de paz essencialmente. Também
não se pode definir como o início de um processo de paz. O acordo, no entanto,
representa uma lufada de esperança em meio a uma guerra que teve início em 7 de
outubro de 2023, quando um ataque surpresa do Hamas resultou na morte de
aproximadamente 1.200 israelenses e na tomada de 251 reféns.
Sob o acordo, o grupo palestino Hamas não
representaria mais uma ameaça para Israel. Continua, entretanto, sendo uma
ameaça para os palestinos. Ao longo dos últimos dias, não foram poucos os
relatos, pela imprensa internacional, de que áreas em Gaza ainda sob o controle
do grupo estão cercando palestinos que se opõem ao seu governo e realizando
execuções nas ruas.
As dúvidas sobre o cumprimento das promessas
das duas partes do acordo deixam questões abertas e sem discussão até o
momento. Uma delas é que Israel quer garantir que o grupo palestino entregue
suas armas e deixe Gaza. Os israelenses, além disso, exigem que um governo
pós-conflito para o território palestino não seja estabelecido sob o domínio do
Hamas ou da Autoridade Palestina, que administra a Cisjordânia.
Por sua vez, o Hamas demanda que Israel
retire completamente suas tropas e não tenha permissão para reiniciar os
ataques.
O acordo que permitiu um esperado - e cobrado
- cessar-fogo em Gaza é uma notável oportunidade para a paz definitiva em uma
região conflagrada. Há, no entanto, ainda muitas dúvidas quanto à consistência
do que foi anunciado, sob intermediação dos Estados Unidos. O importante, por
ora, é que se busque um acordo definitivo em nome das reais vítimas,
especialmente do lado palestino.
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