Reforma administrativa devolve relevância ao Congresso
Por Folha de S. Paulo
Proposta aborda temas importantes, como
desempenho, mas deixa de lado a estabilidade dos servidores
O caso dos supersalários precisa ser
abordado, já que penduricalhos distorcem o sistema de carreiras; funcionalismo
tem lobby poderoso
Após a vexatória PEC da Blindagem, a Câmara dos
Deputados enfim volta sua atenção para uma pauta que de fato
interessa ao país. Na quinta-feira (2), foi apresentada na Casa a proposta de
emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa, a ser
complementada por projetos de lei.
Mesmo necessário, o projeto corre o risco de pecar por excesso de centralismo e uniformização de regras que abarcarão entes tão díspares quanto municípios, estados e União.
Um progresso possível é a tentativa de
limitar o crescimento das despesas nas unidades federativas. Nesse sentido,
estipula-se contenção semelhante à do chamado arcabouço fiscal da União.
Tetos de gastos, contudo, tornam-se inviáveis
caso não se considere a expansão de dispêndios obrigatórios —como se demonstra
em âmbito federal. Vale recordar também que limites tais como os da Lei de
Responsabilidade Fiscal foram desmoralizados pela inexistência de punições
efetivas de descumprimentos.
Decerto o caso dos
supersalários da administração pública precisa ser abordado, já
que penduricalhos distorcem o sistema de carreiras. Os custos do Judiciário e
do Ministério Público ultrapassaram os limites do razoável.
O objetivo é tornar o Estado mais ágil e
eficiente. Uma das propostas é a uniformização de carreiras, que permite
alocação racional de servidores, evitando concursos desnecessários e sobras de
pessoal em funções mortas.
Outra visa alterar regras de contratação e
progressão para exigir demonstração mais robusta de competência e resultados.
Todavia a questão da estabilidade, que faz do serviço público brasileiro uma
anomalia global, é evitada devido à indisposição de enfrentar o corporativismo
dos servidores, que contam com lobby poderoso no Congresso
Nacional.
Há, ainda, planos de metas setorizados. A boa
intenção pode ser minada por objetivos vagos ou ter pouco impacto, como os já
obrigatórios planos plurianuais.
É meritória a previsão de implementar um
sistema de revisão de gastos e de avaliação de custos e benefícios de
programas. A demonstração de ineficiências tende a ser um alerta para a
sociedade. Mas, outra vez, a reforma administrativa não cria meios para
cancelar desperdícios, defendidos por grupos influentes e por vezes inscritos
na Constituição.
A digitalização é uma necessidade como
recurso de gestão e meio para poupar recursos. O fato de constar da proposta
não significa que tal mudança será agilizada —pode até burocratizá-la.
Mas a diretriz para uniformização de sistemas
e unificação de registros é capaz gerar ganhos que vão da qualidade da
informação à gestão integrada de políticas de segurança, saúde, educação,
trabalho e assistência social.
É o começo de um debate urgente e crucial.
Deve-se ter o cuidado, contudo, para que o nível de gigantismo e detalhismo da
reforma não venha a atrapalhar sua tramitação e aplicação.
Futebol, espetáculo e negócio
Por Folha de S. Paulo
Alterações anunciadas pela CBF combatem
distorções que afetam jogadores de elite e clubes pequenos
O mais importante é que a inércia seja rompida numa atividade mobilizadora de tantos recursos, paixões e esperanças de ascensão social
As muitas deficiências de uma gestão arcaica
não impediram que o futebol brasileiro
se tornasse um negócio mais organizado e rentável nos últimos anos —ao menos
para os grandes clubes, capazes de atrair multidões aos estádios, audiência na
TV e grandes patrocínios.
Se ainda estamos muito aquém dos padrões
da Europa,
que hoje detém a hegemonia econômica e competitiva, é visível que deixamos para
trás os vizinhos da América do
Sul, o outro continente de maior tradição no esporte mais popular do
planeta.
Tirando partido de ganhos de escala, que se
aplicam também ao salto de receitas com a publicidade de apostas online, o
Brasil tem tido amplo predomínio na principal competição continental de clubes,
a Libertadores da América, e atraído atletas de Argentina, Uruguai, Paraguai,
Colômbia, Chile e outros países.
Outra parte do sucesso se deve à organização
do Campeonato
Brasileiro, o principal torneiro nacional, que há mais de duas
décadas segue regras estáveis que incentivam as agremiações a dependerem mais
de desempenho do que de influência política.
A contrapartida negativa é um calendário
caótico de competições, seja pelas demandas de um país continental, seja pela
ganância que impõe um número desumano de partidas aos jogadores dos maiores
clubes —enquanto os pequenos ficam sujeitos a longos períodos de inatividade.
Nesse sentido, há avanços
nas inovações recém-anunciadas pela Confederação Brasileira de
Futebol (CBF),
a entidade gestora do esporte que não raro está mais ocupada com escândalos
e disputas internas por poder.
De mais positivo, o Campeonato Brasileiro
será distribuído ao longo de todo o ano, em vez de começar somente no segundo
trimestre, e os certames estaduais do início de ano serão encurtados.
Valoriza-se corretamente o principal torneio e reduz-se a carga sobre os
atletas de elite, muitos deles também requisitados para as seleções nacionais.
Para os clubes de menor expressão, a Copa do
Brasil terá aumento do número de participantes de 92 para 126
no próximo ano e 128 em 2027; na série D do Brasileiro, a quantidade sobe de 64
para 96; na C, de 20 para 24 em 2027 e 28 em 2028.
Há diversas outras alterações, algumas delas controversas ou duvidosas, a serem testadas daqui para a frente. O mais importante, porém, é que a inércia seja rompida, e o profissionalismo e a racionalidade se imponham em uma atividade mobilizadora de tantos recursos, paixões e esperanças de ascensão social.
O alto custo da má representação política
Por O Estado de S. Paulo
O Fundo Eleitoral de quase R$ 5 bi para 2026
expõe um Congresso mais ocupado em manter privilégios do que em encampar os
reais anseios da sociedade. Esse divórcio amesquinha a democracia
A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do
Congresso aprovou um Fundo Eleitoral de R$ 4,96 bilhões para 2026, ano de
eleições gerais no País. O valor pode ser espantoso, mas não surpreendente.
Afinal, sempre que o assunto é o financiamento dos partidos políticos e das
campanhas eleitorais, deputados e senadores dos mais distintos matizes
ideológicos se unem na desfaçatez e encontram rápida convergência para
preservar seus interesses corporativos.
A ladainha é sempre a mesma: “A democracia
tem um custo”. Os defensores do modelo público de financiamento das legendas e
das campanhas repetem esse argumento ad
nauseam com ares de truísmo moral. Ora, de fato, em qualquer
país, a democracia impõe custos. O problema aqui está em saber se a dinheirama
dos contribuintes que é deslocada arbitrariamente de áreas vitais a seus
interesses – como saúde, educação e segurança pública – para as legendas tem se
revertido em ganhos reais para a sociedade. A resposta é obviamente negativa.
A qualidade do “produto” que os cidadãos
recebem em troca do vultoso investimento público na atividade partidária é
indigente. O Congresso não se cansa de mostrar que está divorciado das
angústias mais prementes da população. Em vez de se dedicar à formulação de
políticas públicas capazes de melhorar a vida concreta dos brasileiros,
dedica-se a ampliar seu poder sobre o Orçamento da União, por meio de emendas
suspeitíssimas, e a engendrar mecanismos de autoproteção contra investigações
criminais por eventuais desvios desses recursos, entre outros crimes. A
famigerada PEC da Bandidagem, aprovada na Câmara, só foi enterrada no Senado
porque a sociedade ergueu sua voz contra a sem-vergonhice nas ruas. Mas, mesmo
derrotada, a proposta segue viva como um símbolo eloquente dessa profunda desconexão
entre representantes e representados da qual o Fundo Eleitoral bilionário é
mais uma expressão.
Se é público o financiamento das campanhas
eleitorais desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, corretamente,
proibiu as doações de empresas, em 2015, seria razoável esperar que isso se
traduzisse em fortalecimento da democracia representativa. Mas não foi o que
aconteceu. O modelo apenas garantiu conforto financeiro às lideranças
partidárias, que, a um só tempo, deixaram de bater à porta de grandes
empreiteiros e não precisam convencer os eleitores a sustentá-las. Sem a
premência de lutar por seus meios de sobrevivência, os partidos políticos
tornaram-se máquinas burocráticas autocentradas que se alimentam de recursos
públicos líquidos e certos, desobrigados de pôr a mão na consciência e entender
por que, afinal, as doações privadas de cidadãos comuns são tratadas como
utopia no Brasil.
Juridicamente, os partidos políticos são
entidades privadas. Como tais, devem ser bancadas por doações voluntárias de
cidadãos que compartilham de seus valores e projetos. Essa lógica elementar foi
distorcida. Obriga-se todo contribuinte a financiar agremiações às quais não
apenas não se filiou, mas muitas vezes se opõe. Nada mais perverso para uma
democracia representativa do que forçar um cidadão a sustentar com seus
impostos forças políticas das quais discorda, quando não repudia.
A democracia, esse regime tão custoso, dirão,
não se resume à realização de eleições regulares – vive permanentemente de sua
legitimidade. Quando os cidadãos percebem que suas vidas, seus problemas
cotidianos e seus anseios para o Brasil não estão refletidos na política
institucional, a confiança na democracia como único meio civilizado para a
concertação dos interesses sociais se deteriora. E esse divórcio entre
Congresso e sociedade alimenta o descrédito nas instituições que, no limite,
abre espaço para aventuras autoritárias.
Não se trata aqui de defender o retorno das
doações de empresas, que de fato distorciam o processo político ao equiparar
pessoas jurídicas a cidadãos. Mas os parlamentares precisam pôr a mão na
consciência – acreditando-se, é claro, que tenham uma. Se a democracia tem
custo, o preço que a sociedade tem pagado é demasiado alto para a baixa
qualidade de sua representação política.
Procuram-se financiadores para o passe-livre
Por O Estado de S. Paulo
A Câmara de Belo Horizonte rejeitou projeto
que instituiria a tarifa zero para os ônibus urbanos por uma razão muito
simples: a conta não fecha. Se fechasse, o Brasil inteiro já a teria adotado
A Câmara de Vereadores de Belo Horizonte
votou e, em boa hora, rejeitou o Projeto de Lei n.º 60/2025, que propunha a
gratuidade total do sistema de ônibus da cidade. O projeto ganhou notoriedade
porque muita gente viu ali a possibilidade de replicar a experiência mineira em
outras grandes cidades brasileiras. Mas a prefeitura de BH era contrária a essa
popularíssima proposta por uma razão muito simples: não havia meios de
financiar o benefício.
O projeto parecia engenhoso, ao prever a
imposição de um novo tributo às empresas com dez ou mais empregados, que
substituiria o vale-transporte. Segundo um estudo da UFMG, esse novo tributo
aumentaria em menos de 1% o valor da folha de pagamento das empresas
contribuintes.
Visto dessa forma, é de questionar por que ainda
não se implementou a tarifa zero em todo o Brasil. Parece algo muito barato e
com alcance social inegável. Ou estamos diante de um verdadeiro ovo de Colombo
ou há algum problema nos estudos econômicos que embasaram o projeto.
Atualmente, 138 municípios brasileiros adotam
a tarifa zero para os seus sistemas de ônibus. O maior de São Paulo é São
Caetano do Sul, com 165 mil habitantes, 15 km2 de área e 8 linhas de ônibus no
momento da implantação da gratuidade. Com a implantação, o número de
passageiros triplicou nos horários de pico, e hoje se discute restringir a
tarifa zero somente aos residentes do município.
No caso de Belo Horizonte, a brincadeira muda
de patamar. Enquanto em São Caetano a prefeitura gasta cerca de R$ 40 milhões
por ano para manter o sistema, o que representa só 1,6% do seu orçamento, em
Belo Horizonte a estimativa do próprio projeto de lei é de um custo de R$ 2
bilhões, ou cerca de 10% do seu orçamento. Em 2024 BH gastou um terço desse
valor, ou 3,3% do seu orçamento, com subsídios ao transporte público.
O que se pode notar é que a complexidade dos
sistemas de transportes urbanos de grandes metrópoles impõe severas restrições
à ideia da tarifa zero. Cidades menores podem se aventurar a oferecer a
gratuidade, pois, tendo sistemas mais simples, seus custos são muito menores.
Grandes metrópoles, por outro lado, têm sistemas complexos, que exigem muito
mais recursos. Sem falar em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a
gratuidade deveria alcançar também o metrô, sob pena de inviabilizar
economicamente esse modal.
Hoje, as empresas já financiam o transporte
de seus empregados formais por meio da concessão do vale-transporte. É evidente
que, ao incluir todos os usuários do transporte público na gratuidade, esse
conjunto de empresas deverá pagar muito mais. Trata-se de um aumento de carga
tributária justamente sobre as empresas mais intensivas em mão de obra.
Não se discute o mérito da iniciativa. O que
não faltam são estudos demonstrando as diversas vantagens da tarifa zero do
transporte público. A questão, sempre, é como bancar mais uma política pública
num país pobre com carga tributária de país rico. As prefeituras das grandes
metrópoles brasileiras estão realmente dispostas a colocar mais esta carga
justamente sobre as empresas que mais empregam?
Mas parece que a ideia já está sendo
ventilada em nível federal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria pedido
ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estudos a respeito do tema na reunião
ministerial de agosto. Um estudo a esse respeito, da Fundação Rosa Luxemburgo,
estima em R$ 98 bilhões por ano o custo da gratuidade em todo o País, em
números de 2023, ou o equivalente a 0,9% do PIB. Esse seria o aumento da carga
tributária necessário para bancar a gratuidade. Isso se as premissas do estudo
estiverem corretas, o que é sempre uma grande incógnita.
Na França, onde esse sistema é adotado, a
carga sobre a folha de pagamento pode chegar a 2,85%, caso de Paris. Esses
recursos são usados para investimentos e cobertura de custos operacionais do
sistema de transporte, mas mesmo esse montante não é suficiente para garantir
gratuidade a todos os usuários do sistema de transporte urbano.
Políticas públicas, por mais meritórias que
sejam, precisam ser financiadas de alguma forma. A modicidade tarifária, ou
mesmo a tarifa zero, somente é possível por meio do aumento da já brutal carga
tributária sobre as empresas. É disso que se trata.
A ‘gamificação’ dos penduricalhos
Por O Estado de S. Paulo
Ministros criticam a corrida dos juízes por
bônus que mais parece fases de um videogame
Algumas vozes da cúpula do Judiciário parecem
ter tomado a necessária coragem de expressar o seu incômodo com o sucesso da
pauta corporativista da magistratura. Ainda que isoladas, essas críticas atacam
o insaciável apetite das associações de juízes por mais e mais penduricalhos.
Autoridades, enfim, começam a catalisar o sentimento de perplexidade da
sociedade.
Um exemplo é o ministro Luiz Philippe Vieira
de Mello Filho. No dia 22 de setembro, no Conselho Superior da Justiça do
Trabalho (CSJT), na sua última sessão como corregedor-geral, ele comparou o
avanço dos penduricalhos às fases de um videogame. Ou seja, a cada ato que um
magistrado pratica, como uma audiência, uma sentença ou uma carta precatória,
ele recebe um bônus. É o que chamou de “gamificação”.
Vieira de Mello manifestou o seu
inconformismo antes de tomar posse como presidente do CSJT e do Tribunal
Superior do Trabalho (TST). Ao negar a criação de um penduricalho, ele
recomendou a atuação dos conselhos, entre eles o que agora comanda, guiada por
“valores da República”, lamentando que, naquela sessão, 40% da pauta era sobre
“questões remuneratórias”.
Vale lembrar que o último presidente do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Roberto Barroso, editou uma resolução
que abriu a porteira dos penduricalhos. Ele chegou a dizer que os juízes
merecem ganhar mais, haja vista que muitos deixam a carreira para ingressar na
advocacia, embora não se tenha notícia da perda do interesse pela magistratura.
Em seu desabafo, Vieira de Mello até provocou
ao questionar “quem está ganhando mal”. Disse desconhecer.
Um juiz em início de carreira ganha acima de
R$ 30 mil e, não raro, com os penduricalhos, logo receberá acima do teto do
funcionalismo, que é o subsídio mensal de um ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), de R$ 46,4 mil. E, diferentemente do tempo de Vieira de Mello,
quando um juiz fazia “audiências no período da manhã e da tarde, cinco dias da
semana”, agora há quem trabalhe só na “escala TQQ”: terça, quarta e quinta.
Trata-se da jornada de muitos magistrados que
ainda querem home office para sempre, segundo o corregedor nacional de Justiça,
ministro Mauro Campbell, em entrevista ao Estadão. Como disse Campbell, tem “juízes ganhando
uma fábula, se comparados com um trabalhador comum, e ainda por cima não querem
residir na comarca”. Enquanto isso, o trabalhador comum pede o fim da jornada
6x1 e perde duas horas por dia no transporte público.
Não é de agora que este jornal rechaça o que
hoje os ministros criticam. Como disse Vieira de Mello, com razão, essa
profusão de penduricalhos precisa parar, a remuneração dos juízes deve ser
definida em lei – ou seja, pelo Congresso, e não por conselhos – e a
magistratura precisa ter consciência de suas responsabilidades e ser mais
transparente.
No Brasil, um juiz não ganha mal, não trabalha muito nem tem uma vida sofrida – ao contrário. Por isso, essa corrida de videogame em que só os magistrados ganham e toda a sociedade perde precisa chegar ao fim.
Efeitos do tarifaço ainda são moderados, mas
há dever de casa
Por Valor Econômico
Para aproveitar brechas abertas com queda de
juros dos EUA e declínio do dólar, falta ao Brasil fechar seu maior flanco, o
fiscal
Seis meses após o presidente Donald Trump
anunciar o "liberation day" dos Estados Unidos, o pânico que
inicialmente tomou conta da economia global arrefeceu. A Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, revisou sua
projeção de crescimento mundial para 3,2%, apenas um décimo abaixo da previsão
feita antes do choque tarifário. Nem mesmo os EUA parecem ter sido gravemente
afetados até agora. A perspectiva dos países emergentes, como o Brasil, não é
tão ruim como se previa. A valorização das moedas locais em relação ao dólar
contribuiu para reprimir pressões inflacionárias, o que, mais à frente, se
traduzirá em taxas de juros menores. Um dos pontos principais para amenização
do pessimismo foi que a guerra tarifária de todos contra todos, prevista depois
das ações de Trump, não ocorreu.
Ao contrário do que Trump supôs, ao longo do
tempo os EUA serão os maiores prejudicados com o fechamento de seu mercado, o
maior do mundo. O comportamento da economia americana ainda não se alterou
radicalmente. As revisões do PIB americano apontaram expansão de 3,8% no
segundo trimestre, robusta o suficiente para desestimular qualquer previsão de
recessão doméstica, como era temido, ou global. O consumo, fonte de dois terços
do PIB americano, continua forte por enquanto. O mercado de trabalho
enfraqueceu, motivo pelo qual o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA)
reduziu os juros, mas novos ajustes para baixo não estão garantidos. O receio
maior é que a inflação tenda a subir em decorrência do aumento das tarifas,
ainda não plenamente repassadas ao consumidor, e da demanda forte, que estimula
esse repasse. Ainda insatisfeito, Trump aumentou as tarifas de móveis de
cozinha, penteadeiras e outros itens que, pelo visto, considera ameaçarem a
segurança nacional.
Até agora, a segunda maior economia do mundo,
a China, em tese o principal alvo da ofensiva americana, manteve seu
crescimento. Ainda que as exportações para os EUA tenham claramente declinado
mais de 30%, suas vendas para os países da Ásia, principalmente, e América
Latina e África subiram quase na mesma proporção e até certo ponto compensaram
o bloqueio de Trump. A previsão da OCDE é de expansão de 4,9%, com ajuda clara
do aumento dos gastos do governo, para compensar não apenas a ofensiva dos EUA
como o declínio ainda em desenvolvimento do mercado imobiliário. Já a zona do
euro cresceu 1,5% no segundo trimestre em relação a 2024, ainda que sua
economia mais relevante, a Alemanha, tenha encolhido 0,3%.
As perspectivas do Brasil, o mais atingido
pelas tarifas de Trump, ao lado da Índia, ainda não pioraram. Houve aumento das
exportações, mesmo depois que mais de 50% de sua pauta de vendas aos EUA foi
prejudicada pelo cerco tarifário. Mas outros fatores contribuíram para uma
melhoria, ainda que ela possa ser momentânea.
Um dos principais foi a perda de valor do
dólar, que, entre outras questões, contribuiu para a redução da pressão sobre a
inflação, ainda longe da meta de 3%. Um outro, igualmente relevante, é a
estabilidade, com viés de baixa, dos preços das commodities, que age no mesmo
sentido, o de amortecer pressão sobre preços domésticos, especialmente de
alimentos. E, ainda que isso não tenha relação com o choque tarifário, os
preços do petróleo estão de novo em baixa, por decisão da Opep, que resolveu
aumentar a produção mais uma vez.
A desvalorização do dólar e o aumento da
inflação, ainda moderado, motivado pelo tarifaço, aliviaram o quadro adverso ao
Brasil e demais países emergentes pintado pelas ações de Trump. A queda dos
juros nos EUA estimulou investimentos de risco em outros lugares. "Há um
fluxo vindo para a renda fixa no Brasil como há muito tempo não via",
afirmou o presidente do Morgan Stanley no Brasil, Alessandro Zema (Valor, 3-9). E, mesmo após
valorizações expressivas, as ações brasileiras ainda são consideradas baratas
pelo investidor estrangeiro.
O cenário, porém, está longe da normalidade.
México e Argentina, cujos eventuais percalços refletem nos prêmios de risco do
Brasil, estão em maus lençóis. O primeiro porque um quarto de seu PIB depende
de vendas ao mercado americano. A Argentina está mais uma vez diante da
escassez de dólares, uma sina que destruiu governos em série nas últimas duas
décadas. O país é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, depois de
China e EUA.
A instabilidade continua enorme, mas até agora os países afetados pelas tarifas de Trump não retaliaram por meio de uma guerra tarifária generalizada, o que poupou a economia global de uma queda rápida e aguda. Este risco, ao que tudo indica, está afastado. A adaptação a um novo desenho comercial, que tende a se desviar até certo ponto dos EUA, está a caminho, com menos sobressaltos do que o previsto. O Brasil, país fechado ao comércio, foi pouco afetado por enquanto. Para aproveitar as brechas abertas pelos efeitos do tarifaço, como a queda do dólar, no entanto, falta fechar seu maior flanco, o fiscal. Zema, do Morgan Stanley, resume a atitude de investidores estrangeiros: "Não falta apetite de risco. O que falta são alguns catalisadores, principalmente do lado fiscal", diz.
Fundo Eleitoral previsto para 2026 é injustificável
Por O Globo
Comissão Mista de Orçamento estipula gasto de R$ 4,9 bilhões, ante R$ 1 bilhão proposto pelo Executivo
A Comissão Mista de Orçamento (CMO)
estabeleceu que o fundo destinado a custear a campanha eleitoral do ano que
vem, formalmente chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC),
será de R$ 4,9 bilhões, quase o quíntuplo da proposta orçamentária original,
que previa R$ 1 bilhão. O argumento alegado é adotar valor idêntico ao
destinado às eleições de 2022 e 2024. Para conseguir o dinheiro, a CMO
rearranjou R$ 2,9 bilhões das emendas de bancada estadual, mais R$ 1 bilhão de
gastos livres do Executivo. Trata-se de uma manobra sem sentido.
Em termos históricos, a proposta dos
parlamentares é mais de 75% acima do que foi gasto nas eleições de 2018
corrigido pela inflação. Nominalmente, naquele ano a eleição custou R$ 1,7
bilhão, ou cerca de R$ 3 bilhões em valores atualizados. É inconcebível que o
Congresso almeje tanto dinheiro a mais para uma campanha que, em razão das
facilidades digitais e das regras adotadas pela Justiça Eleitoral, deveria
custar menos que as anteriores.
O FEFC, mais conhecido como fundo eleitoral,
foi criado em 2017, dois anos depois que o Supremo Tribunal Federal declarou
inconstitucional o financiamento de campanhas por empresas, na esteira dos
escândalos de corrupção desmascarados pela Operação Lava-Jato. Em tese, o fundo
é importante para proporcionar equilíbrio na disputa entre os vários partidos.
Mas, desde o início, o Parlamento tentou se aproveitar do novo mecanismo para
engordar os gastos.
Nas últimas eleições gerais, em 2022, os
recursos do fundo eleitoral permitiram uma despesa de R$ 31 por eleitor, o
triplo do que gasta o México, país com legislação de financiamento de campanha
semelhante à brasileira. Estimativas de gasto nas eleições gerais realizadas na
Colômbia em 2022 e na Argentina em 2023, em que o Congresso foi renovado em
parte ou na totalidade, também comprovam despesas por eleitor muito abaixo das
brasileiras.
Já seria, portanto, um gasto enorme, não
houvesse tanto desperdício e tanta corrupção. Nas últimas eleições, como se
sabe, não faltaram denúncias de recursos usados para promover festas e
churrascadas, construir piscinas, comprar talheres e taças de vinho, alugar
frotas de carros a preços milionários e outros descalabros. As prestações de
contas claudicantes ao TSE mostram que, na prática, o controle sobre os
recursos é cada vez mais frágil. Não por culpa da Justiça Eleitoral. Mas porque
as maracutaias detectadas nas análises das contas partidárias tendem a ficar
impunes. Há sempre uma movimentação do Congresso para perdoá-las.
Toda democracia tem custo. Mas para tudo deve haver limites, estabelecidos pela racionalidade e por normas legais. O avanço do Congresso sobre o Orçamento, com a multiplicação das emendas parlamentares, já alcança patamares sem paralelo no planeta. Juntem-se a isso os gastos excessivos de campanha propiciados pelo fundo eleitoral, e tem-se a receita infalível para o descontrole, o desperdício e a corrupção.
Fim da obrigatoriedade de autoescolas deve
considerar impacto na segurança
Por O Globo
Proposta do governo prevê aliviar custo da
habilitação, mas ainda é necessário avaliar seus efeitos
O projeto que prevê o fim da obrigatoriedade
de frequentar autoescolas para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH),
capitaneado pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, ganhou fôlego na semana
passada com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A intenção do
governo é que as novas normas entrem em vigor ainda neste ano. É fundamental
que a proposta seja debatida amplamente, pois na certa terá impacto na
segurança do trânsito.
Ainda não está definido se as aulas práticas
acabariam ou seriam mantidas em patamar mínimo. Sem autoescola, o candidato
poderia contratar profissionais autônomos para praticar. Inicialmente, as
mudanças valeriam apenas para categorias que englobam motos e carros de
passeio. Dependendo do resultado, poderiam ser ampliadas às demais. A medida
não excluiria a exigência de provas teóricas e práticas.
Um dos principais objetivos da proposta é
reduzir o custo das aulas, que impede motoristas de baixa renda de tirar a
carteira. O Ministério dos Transportes estima que 55% dos proprietários de
motocicletas não tenham habilitação. Hoje, as normas do Conselho Nacional de
Trânsito exigem 20 horas de aulas em autoescola. “A redução poderá ser de 70% a
80%, a depender da exigência mínima de aulas práticas ou não”, diz Renan Filho.
Desde que foi anunciado, o projeto tem
causado controvérsia. A Federação Nacional das Autoescolas estimou que levaria
ao fechamento de 15 mil empresas e à extinção de mais de 170 mil postos de
trabalho. A Associação Nacional dos Detrans afirmou que qualquer mudança
precisa preservar a qualidade da formação dos motoristas. “Onde o motorista vai
aprender a dirigir? Quem vai acompanhar quem está entrando?”, questiona Ronaldo
Balassiano, especialista em transportes aposentado da Coppe/UFRJ.
A exigência de autoescola varia mundo afora.
Estados Unidos, Canadá, México, Reino Unido, Argentina têm normas mais
flexíveis. Não é obrigatório frequentar aulas para fazer os exames teórico e
prático. Alemanha, Rússia, China, Japão impõem os cursos.
Não há dúvida de que custos e burocracia
merecem ser discutidos. Mas esse não pode ser o único fator considerado. O
trânsito brasileiro é violento nas cidades e nas estradas. Não se sabe o
impacto do fim da obrigatoriedade das aulas na segurança, ainda que as provas
teóricas e práticas sejam mantidas. “O número alarmante de acidentes no país
tende a se agravar, pois a educação de trânsito no Brasil é muito frágil”,
afirma o diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella. “Se o governo acha caro
tirar carteira, deveria fazer políticas públicas com subsídios para faixas de
renda menos favorecidas, e não acabar com a obrigatoriedade de cursar
autoescola.”
É importante que se aproveite a consulta pública anunciada pelo governo para discutir a questão, priorizando a preocupação com segurança. Num trânsito que mistura imprudência, inépcia, desrespeito e outras mazelas, quanto mais bem preparado estiver o motorista, mais condições terá de enfrentar os desafios das ruas e estradas.
Saúde da mulher no Brasil e seus desafios
Por Correio Braziliense
O país precisa enfrentar as questões ligadas
ao bem-estar físico feminino em um esforço que deve partir das famílias, das
escolas e do SUS já no começo da adolescência
O Brasil acompanha as ações de mais um
Outubro Rosa, período dedicado à prevenção e tratamento do câncer de mama e do
colo do útero. Desde 2002, quando houve em São Paulo o primeiro ato simbólico
nesse sentido, as campanhas vêm se intensificando. A partir de 2010, depois que
o Instituto Nacional do Câncer (Inca) aderiu oficialmente, o movimento ganhou
cada vez mais força. Essa importante caminhada acumula conquistas relevantes,
mas as estatísticas mostram que há muito a ser conquistado em relação à saúde
da mulher no país.
Segundo dados do governo federal, são
registrados por ano mais de 73 mil novos casos de câncer de mama e mais de 17
mil do colo do útero - números altos para doenças com exames de diagnóstico disponíveis.
A mamografia e o autocuidado são formas eficazes de identificar o tumor nas
mamas. Já a vacina contra o HPV previne o câncer do colo do útero e faz parte
do calendário do Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas de 9 a 14 anos.
Porém, existe bastante negligência da população e pouca eficácia das políticas
de governos.
Não é raro vermos relatos de mulheres que
esperam meses, e até anos, por uma mamografia no sistema público. O ultrassom
das mamas, então, é mais complicado ainda de acessar. Essa morosidade impacta
no tratamento, que também apresenta dificuldades. Do outro lado, a
desinformação e o preconceito da sociedade agravam o problema.
Fato é que o país precisa enfrentar as
questões ligadas ao bem-estar físico feminino em um esforço que deve partir das
famílias, das escolas e do SUS já no começo da adolescência. O conhecimento e a
orientação são fundamentais para reduzir a incidência de enfermidades. A
endometriose, por exemplo, afeta 7 milhões de mulheres — uma em cada 10 —,
segundo a Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente
Invasiva (SBE). Conforme a entidade, mais de 30% dos casos levam à
infertilidade e 57% das pacientes têm dores crônicas. No entanto, de acordo com
a SBE, a estimativa não significa que elas sejam diagnosticadas ou recebam a terapia
adequada.
Outra preocupação está relacionada à
mortalidade materna. O Brasil assumiu o compromisso de cumprir a proposta das
Nações Unidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de, até 2030,
reduzir para, no máximo, 30 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos. Mas a
realidade recente mostra que a distância da meta é desafiadora: os índices
giraram em torno de 110 mortes de mulheres a cada 100 mil nascidos vivos em
2021, 71,9 em 2020 e 57,9 em 2019, numa crescente alarmante.
Ampliar o alcance das consultas; assegurar
rapidez para exames, medicação e cuidados; oferecer uma rede multidisciplinar
de apoio; disseminar informação; investir na infraestrutura dos equipamentos de
prestação de serviços, como clínicas e maternidades; disponibilizar recursos e
desenvolver pesquisas são algumas das ações que precisam ser incrementadas.
A bandeira do Outubro Rosa é fundamental. Mas o país tem de se conscientizar — em níveis governamental, social e institucional — de que o amplo tema da saúde da mulher deve ser destaque nas discussões que buscam garantir um Brasil com melhor qualidade de vida.
Fraca punição a vereador incentiva práticas
violentas e criminosas
Por O Povo (CE)
Ao evitar uma punição exemplar, o Conselho de
Ética da CMFor incentiva que práticas do tipo voltem a se repetir — e, com
elas, que o sistema democrático seja deturpado pela incivilidade
É vergonhosamente pífia a punição decidida no
Conselho de Ética da Câmara de Municipal de Fortaleza (CMFor) contra o vereador
Inspetor Alberto (PL). Por associar o Partido dos Trabalhadores (PT) a facções
criminosas, o conselho decidiu puni-lo somente com uma advertência escrita.
Os comportamentos do vereador têm sido a
verdadeira antítese dos esperados por um representante do povo em uma
democracia. As tensões e as discordâncias partidárias são comuns e até
previstas no sistema democrático, mas nunca devem ultrapassar o limite da
civilidade. Com a punição definida pelo Conselho de Ética, a CMFor acaba
comunicando que, apesar de não ser bem-visto, é possível ir além do aceitável
para manipular a opinião pública.
Fortaleza enfrenta uma nova fase na segurança
pública com os conflitos entre as facções criminosas. O povo vira refém dos
caprichos de grupos faccionados que desejam controlar a Capital no objetivo de
expandir o tráfico de drogas em um ponto estratégico. A cobertura do O POVO tem
retratado esse cenário, dos foguetórios aos esquemas de tráfico desmantelados
nos portos cearenses.
O filme Guerra Sem Fim: Facções e Política,
investigação jornalística do núcleo Audiovisual do O POVO, por exemplo, também
desvenda as conexões entre o crime organizado e o poder político no Ceará. Eis,
portanto, a gravidade da acusação do vereador Inspetor Alberto: relacionar
diretamente qualquer partido às facções sem provas e sem investigação é, no
mínimo, totalmente irresponsável. Adverti-lo por escrito é proporcionalmente inadmissível.
Não ajuda o fato de o vereador já ter se
envolvido em outras manifestações violentas e criminosas contra os opositores.
Às vésperas do segundo turno de 2024, no dia 27 de outubro, foi o mesmo
Inspetor Alberto que apareceu em vídeo maltratando um porco para, com pouca
sutileza, sugerir violência contra o, na época, adversário político eleitoral
Evandro Leitão, do PT.
Na ocasião, ele vestia um colete balístico
com adesivo da campanha do então candidato André Fernandes (PL). Enquanto
carregava e derrubava bruscamente o porco, o vereador dizia: "Você vai
para a panela [...] Desgraçado, você vai para a panela dia 27. Vou comer você
assadinho".
Quatro dias antes, no dia 23 de outubro,
circulou um vídeo no qual o Inspetor Alberto gritava "Leitão, filho da
p***, tu vai para a churrasqueira. Prepara teu caixão, vagabundo", durante
um evento da campanha de André Fernandes. Ele foi indiciado pelos dois
episódios, mas o Conselho de Ética arquivou a representação por avaliar que ele
não poderia responder a casos ocorridos no mandato passado.
Ao evitar uma punição exemplar, o Conselho de
Ética da CMFor incentiva que práticas do tipo voltem a se repetir — e, com
elas, que o sistema democrático seja deturpado pela incivilidade.
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