Folha de S. Paulo
Laureados descrevem os porquês da história e
sabem utilizá-los para políticas públicas atuais
Joel Mokyr, que estuda economia americana,
foi um dos vencedores este ano
Logo na segunda vez que os Prêmios
Nobel foram atribuídos, no ano de 1902, um historiador ganhou o
de Literatura.
Foi Theodor Mommsen, alemão, estudioso aturado da Antiguidade Clássica e que
escreveu uma "História de Roma", que lhe valeu o prêmio pela
qualidade da descrição histórica e da escrita literária. Passados cem anos, é a
vez de outro historiador ganhar um Nobel, mas
da Economia.
Trata-se de Joel Mokyr, nascido em 1946 na Holanda, em Leiden, numa família de judeus sobreviventes ao Holocausto, criado em Israel pela mãe depois de ficar órfão de pai, e finalmente radicado nos Estados Unidos. Mokyr, que dividiu o prêmio com os economistas Philippe Aghion e Peter Howitt, ganhou pelos seus escritos sobre conhecimento, inovação e crescimento econômico.
Coisa rara, não só um historiador ganhar um
Nobel, e da economia,
como os seus livros serem legíveis, recomendáveis e muitíssimo pertinentes para
a nossa atualidade. Merece, por si só, esta coluna.
A história que leva destes dois raros Nobéis,
de Mommsen a Mokyr, pode contar-se de várias formas. Uma delas é esta: os
romanos tinham tudo de sofisticado, do direito à engenharia, passando pelo
conhecimento matemático e filosófico que lhes tinha sido legado pelos gregos.
Por que não tiveram, então, uma revolução industrial?
Essa é a pergunta que em tempos foi feita
pelo grande historiador franco-russo Alexandre Koyré (outro que mereceria um
Nobel, se os historiadores não tivessem sempre de os ir buscar às disciplinas
vizinhas) e que não tem resposta satisfatória.
Mokyr, no entanto, sabe descrever o que
aconteceu. Resumindo muito: para ele, há dois tipos de conhecimento, o
proposicional (saber por que as coisas acontecem) e o prescritivo (saber como
funcionam, ou como se fazem, coisas).
Durante grande parte da história da
humanidade, esses dois conhecimentos sempre existiram, paralelamente. Os gregos
e os romanos sabiam explicar o porquê de certas coisas (o que é o vapor e como
se comportam) e como fazer outras coisas (guindastes, prensas, até êmbolos).
Mas a linha do crescimento econômico que daí resultava ia subindo ou descendo.
No longo curso, porém, estava basicamente estagnada.
O que acontece quando os dois conhecimentos
se juntam? Somos capazes de explicar o porquê do comportamento do vapor, e como
se monta e funciona um motor.
E a coisa não fica por aí: somos capazes de
explicar como funciona um motor a vapor e como criar uma linha de montagem com
vários motores, etc. O resultado disso são as várias revoluções que a partir do
século 18 lançaram a linha do crescimento econômico para as alturas
exponenciais.
O mais interessante é que a própria teoria se
aplica a Mommsen e Mokyr. O primeiro descrevia os porquês da história, o
segundo como utilizá-los para políticas públicas atuais.
Se Clarice Lispector escreveu que tudo no
mundo começa com um "sim", esta é a história de quando o
"porquê" e o "como" disseram sim um ao outro — e ficamos
muito mais ricos com isso. Os romanos tinham tudo para inventar a fábrica,
menos o "sim" do "porquê" e do "como".
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