quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O que nos dizem sobre crescimento os historiadores que venceram o Nobel, por Rui Tavares

Folha de S. Paulo

Laureados descrevem os porquês da história e sabem utilizá-los para políticas públicas atuais

Joel Mokyr, que estuda economia americana, foi um dos vencedores este ano

Logo na segunda vez que os Prêmios Nobel foram atribuídos, no ano de 1902, um historiador ganhou o de Literatura. Foi Theodor Mommsen, alemão, estudioso aturado da Antiguidade Clássica e que escreveu uma "História de Roma", que lhe valeu o prêmio pela qualidade da descrição histórica e da escrita literária. Passados cem anos, é a vez de outro historiador ganhar um Nobel, mas da Economia.

Trata-se de Joel Mokyr, nascido em 1946 na Holanda, em Leiden, numa família de judeus sobreviventes ao Holocausto, criado em Israel pela mãe depois de ficar órfão de pai, e finalmente radicado nos Estados Unidos. Mokyr, que dividiu o prêmio com os economistas Philippe Aghion e Peter Howitt, ganhou pelos seus escritos sobre conhecimento, inovação e crescimento econômico.

Coisa rara, não só um historiador ganhar um Nobel, e da economia, como os seus livros serem legíveis, recomendáveis e muitíssimo pertinentes para a nossa atualidade. Merece, por si só, esta coluna.

A história que leva destes dois raros Nobéis, de Mommsen a Mokyr, pode contar-se de várias formas. Uma delas é esta: os romanos tinham tudo de sofisticado, do direito à engenharia, passando pelo conhecimento matemático e filosófico que lhes tinha sido legado pelos gregos. Por que não tiveram, então, uma revolução industrial?

Essa é a pergunta que em tempos foi feita pelo grande historiador franco-russo Alexandre Koyré (outro que mereceria um Nobel, se os historiadores não tivessem sempre de os ir buscar às disciplinas vizinhas) e que não tem resposta satisfatória.

Mokyr, no entanto, sabe descrever o que aconteceu. Resumindo muito: para ele, há dois tipos de conhecimento, o proposicional (saber por que as coisas acontecem) e o prescritivo (saber como funcionam, ou como se fazem, coisas).

Durante grande parte da história da humanidade, esses dois conhecimentos sempre existiram, paralelamente. Os gregos e os romanos sabiam explicar o porquê de certas coisas (o que é o vapor e como se comportam) e como fazer outras coisas (guindastes, prensas, até êmbolos). Mas a linha do crescimento econômico que daí resultava ia subindo ou descendo. No longo curso, porém, estava basicamente estagnada.

O que acontece quando os dois conhecimentos se juntam? Somos capazes de explicar o porquê do comportamento do vapor, e como se monta e funciona um motor.

E a coisa não fica por aí: somos capazes de explicar como funciona um motor a vapor e como criar uma linha de montagem com vários motores, etc. O resultado disso são as várias revoluções que a partir do século 18 lançaram a linha do crescimento econômico para as alturas exponenciais.

O mais interessante é que a própria teoria se aplica a Mommsen e Mokyr. O primeiro descrevia os porquês da história, o segundo como utilizá-los para políticas públicas atuais.

Se Clarice Lispector escreveu que tudo no mundo começa com um "sim", esta é a história de quando o "porquê" e o "como" disseram sim um ao outro — e ficamos muito mais ricos com isso. Os romanos tinham tudo para inventar a fábrica, menos o "sim" do "porquê" e do "como".

 

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