Valor Econômico
Experiência de outros países e itens de investigação apontam quais podem ser os tópicos que Brasil deve ceder para ter alívio no tarifaço
A aproximação entre Lula e Trump e o início
das negociações entre os dois governos é motivo de comemoração e alívio, mas
uma coisa é certa: o Brasil vai ter que ceder muito para, no máximo, ficar numa
situação bem pior do que estava antes da posse do presidente americano.
Por mais poderosa que seja a lábia de Lula, o
governo brasileiro terá que atender a diversos pleitos americanos para
terminar, quando muito, com a tarifa inicial mínima de 10% aplicada a todos os
países (muito superior à média de 2,6% vigente no mandato de Biden) e o alívio
da Lei Magnitsky sobre algumas autoridades políticas.
Não se trata de pessimismo ou de descrédito da diplomacia brasileira. Até os poderosos Japão e União Europeia capitularam diante das ameaças de Trump. Ao final das negociações, contentaram-se com tarifas de 15% e ainda cederam a exigências de dar tratamento privilegiado a produtos americanos em seus mercados e a fazer investimentos de centenas de bilhões de dólares nos Estados Unidos.
No caso brasileiro, não temos cacife para
prometer vultosos investimentos financeiros nos Estados Unidos. No entanto,
podemos especular sobre alguns itens que podem constar da lista de cobranças de
Trump.
O governo brasileiro afirma que as tarifas
estabelecidas por Trump são injustas porque os Estados Unidos têm um superávit
comercial com o Brasil. Os americanos, porém, se sentem prejudicados porque a
tarifa média de importação por aqui é uma das mais altas do mundo. Sendo assim,
tal qual fez nas negociações com diversos países até aqui, uma demanda de Trump
pode ser que o Brasil reduza a proteção tarifária sobre alguns setores. Nesse
caso, automóveis, máquinas e eletroeletrônicos estariam na mira, por serem
produtos de empresas americanas sobre os quais o Brasil cobra um imposto de
importação muito elevado.
Outro alvo do interesse americano bastante
provável está no campo dos minerais críticos. Nas últimas duas décadas a China
foi muito bem-sucedida em garantir o domínio de reservas e em desenvolver
capacidade de processamento e tecnologias de aplicação de recursos minerais
como lítio, grafite, antimônio, arsênio, bismuto e as famosas terras raras.
Pelas suas propriedades magnéticas e de
resistência a altas temperaturas, esses elementos químicos são essenciais para
diversos setores de ponta, da indústria automobilística (baterias elétricas) à
militar (caças e mísseis), passando pelo desenvolvimento da inteligência
artificial (superchips), da transição verde (painéis fotovoltaicos) e da
miniaturização de robôs (com aplicação em diversos segmentos, como a medicina
avançada).
Detentor de grandes jazidas não exploradas
desses minerais, o Brasil pode garantir aos Estados Unidos acesso privilegiado
a recursos hoje dominados pelos chineses. Trump já deu sinais nesse sentido;
resta saber se o Brasil vai impor alguma condição ou se tornará mero fornecedor
de commodities - tal qual parece que acontecerá com os incentivos que estão
sendo concedidos para a instalação de datacenters em nosso território. O
governo de Lula tem vendido a atração desses grandes armazéns de servidores
como um importante passo rumo ao desenvolvimento do país, mas na verdade
estamos importando consumidores vorazes de água e energia que não entregam
quase nada em termos de geração de emprego, renda e inovação.
Outras pistas para saber o que Trump quer do
Brasil podem ser obtidas na investigação aberta pelo órgão de defesa comercial
(US Trade Representative) em 15 de julho.
É neste documento que foi oficializada a
queixa de Trump contra as medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em
relação às empresas de mídia digital. No documento, o US Trade Representative
acusa nosso sistema judiciário por remover conteúdos e punir as plataformas por
postagens ilegais feitas pelos usuários. Na visão do presidente americano,
trata-se de uma ameaça contra a liberdade de expressão, mas a questão de fundo
aqui é a intenção do governo brasileiro em regular as redes sociais.
Para quem teve a sua posse “abençoada” pelos
CEOs das big techs sentados na primeira fila - Mark Zuckerberg (Meta), Jeff
Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Elon Musk (X) e Tim Cook (Apple) -, uma
das exigências de Trump pode ser que Lula abandone de vez sua intenção de
regular a responsabilidade das redes e o PL das fake news. As grandes empresas
de tecnologia agradeceriam (assim como a extrema direita daqui e de lá).
Agricultores americanos também são poderosos
apoiadores de Trump - e são concorrentes diretos de seus pares no Brasil. Na
investigação aberta pelo US Trade Representative, um item sobressai como
possível ponto de interesse desse setor: a liberação de importações, pelo
Brasil, de maiores quantidades de etanol de milho produzido nos Estados Unidos.
Independentemente de quais serão as condições
impostas por Trump em troca do alívio no tarifaço e na aplicação da Lei
Magnitsky, é questão de tempo para que se cumpra a profecia de Dilma Rousseff:
“vai todo mundo perder”.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.