Folha de S. Paulo
Dominação de territórios se espalha e ameaça
a soberania do país sob olhar atordoado do Estado
Matanças como a de 28 de outubro, dia de São
Judas, um dos mais cultuados no Rio, retratam a falência do método
Com toda certeza o ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, um homem de alto saber jurídico, ex-ministro do Supremo
Tribunal Federal, não sabe o que é o dia a dia das pessoas numa favela do Rio de
Janeiro ou comunidades desassistidas país afora.
Pobre de origem, o presidente Luiz Inácio da
Silva, cujas agruras da infância pertencem a outro tempo, também não. A quase
totalidade de deputados e senadores tampouco sabe o que é viver refém do crime
na porta de casa.
Governadores e prefeitos convivem mais de perto com a tragédia da criminalidade que se espalha pelo Brasil, mas talvez não tenham tempo nem disposição para vivenciar o cotidiano dos cidadãos sitiados em territórios dominados. Ainda que tivessem a atenção necessária, não poderiam sozinhos dar conta do problema com suas polícias.
Uma vez fui ao complexo da Maré, zona norte
do Rio, para conversar com estudantes de segundo grau sobre os anseios profissionais
deles. Saindo, pedi para conhecer a comunidade, subir um pouco o morro. Não
pude ir porque ouvi, chocada com a naturalidade do aviso, que depois das 18h
era proibida a circulação de "estranhos".
Não preciso dizer quem eram os donos do
pedaço que ditavam a regra. Um pequeno e até suave exemplo da dominação frente
à ameaça permanente de violência em
que vivem famílias obrigadas a pagar ao crime os serviços que na zona sul
pagamos ao Estado, substituído naquelas áreas pela força do fuzil. Ela é a lei
que ainda impõe aos dominados a regra do silêncio.
A matança que se viu nesta semana no Alemão e
na Penha é evidência trágica da falência dos métodos de combate a uma situação
que não surgiu da noite para o dia nem nasceu por geração espontânea.
Há 42 anos o Rio vem se tornando, no verso
preciso de Fernanda Abreu, o "purgatório da beleza e do caos". Cartão
postal de maravilhas, de inovações culturais, mas também da desgraça que se
espalha até a Amazônia num país cuja soberania é solapada pelas facções
criminosas, sob o olhar atordoado do Estado.

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