Folha de S. Paulo
Investidas no Caribe e Colômbia sob pretexto
de enfrentar 'narcoterrorismo' contrariam regras internacionais
Autocrata da Casa Branca é figura tóxica que inferniza o mundo com sua hiperatividade imperial infantil e egocêntrica
Os ataques contra embarcações que o presidente dos EUA, Donald Trump, tem
autorizado na costa da América do Sul devem ser considerados, à luz das
normas internacionais, como assassinatos. O presidente do que já foi
a maior democracia do mundo elimina pessoas que não representam ameaça, não
pertencem a forças armadas de nações em guerra contra seu país e não podem se
defender.
O autocrata da direita populista dispensa provas, julgamentos e qualquer contraditório. É uma intimidação aos governos da Colômbia e da Venezuela, tidos como contrários aos interesses americanos, e uma tentativa de interferência política na região.
A Colômbia é uma democracia, ora com um
governante, Gustavo Petro,
à esquerda, que mantém boas relações comerciais e tem colaborado com os EUA com
informações sobre o tráfico de drogas. "Ah, mas a Venezuela é
uma ditadura." Sim, mas a Arábia Saudita também, e sempre paparicada
por Tio Sam, conhecido apoiador de golpes de Estado, para não mencionar as
autocracias que Trump admira vivamente.
Não basta que um país seja considerado uma
ditadura para que se torne legítimo executar sumariamente seus cidadãos. É
mentirosa, além disso, de modo quase cômico, a versão de que o consumo de
cocaína dos norte-americanos —a América é a maior nisso— seja provido por esses
pequenos barcos mostrados na TV em espetáculos macabros, estetizados em
explosões de videogames. Sabe-se que o México é o principal caminho, como
também que o business da droga envolve estruturas poderosas, figurões ligados à
política, corrupção e operações de bilhões de dólares.
Foi patético o anúncio da ação (já são mais
de 30 mortos) feito por Pete Hegseth, no X:
"Ontem, sob a direção do presidente
Trump, o Departamento de Guerra conduziu um ataque cinético letal a uma embarcação",
afirmou, referindo-se à sua secretaria de Defesa como da "Guerra",
nome que está por se adotar. E tranquilizou: "Havia dois narcoterroristas
a bordo durante o ataque, realizado em águas internacionais. Ambos os
terroristas foram mortos, e nenhuma força americana foi ferida neste
ataque."
A manifestação
do presidente Lula sobre o tema foi correta: disse que o
autocrata da Casa Branca ameaça levar instabilidade para uma região
relativamente segura e gerar problemas mais graves do que aqueles que
supostamente pretende resolver.
Trump bem que poderia dar um tempo para o
mundo. Sua hiperatividade imperial é cansativa e tóxica, não deixa ninguém em
paz. Está sempre arrumando encrenca, produzindo factoides —como a suposta paz
no Oriente Médio— e dando vazão à sua perigosa e doentia infantilidade
egocêntrica.
Vivemos tempos difíceis, mentalmente
empobrecidos, abrutalhados e desanimadores.
Trump tenta colocar em pé uma ordem mundial
na qual cada forte cuida de seu quintal, sendo que os EUA impõem os limites. O
modo como atua é agressivo e desprovido de credibilidade. Basta dizer que seu
governo considera o ministro Alexandre de Moraes, do STF, uma grande ameaça aos
EUA e o trata como um agente terrorista.
São sempre perigosos esses momentos
históricos em que um sistema internacional —no caso o do pós-Guerra, sob hegemonia
americana— dá mostras de desgaste e começa a esfarelar. Ainda mais com um
celerado no poder.

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