quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Uma várzea suprema, por Malu Gaspar

O Globo

Na terça-feira, depois de afirmar a aliados que indicaria quanto antes para o Supremo Tribunal Federal (STF) seu ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge MessiasLula embarcou para a Malásia sem mover uma palha. Pródigo em falas de palanque, não deu nenhuma explicação sobre a escolha (ou a falta dela). Nos bastidores, auxiliares disseram que ele achou melhor, antes, ter uma conversa com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), candidato à vaga aberta com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso.

Em tese, a ideia é evitar problemas com o Senado Federal e seu presidente, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Ele é contra Messias e quer Pacheco no STF. Quem conhece os envolvidos, porém, garante que foi mais que isso. E a chave da virada estaria justamente num papo a sós que Lula e Alcolumbre tiveram na segunda-feira à noite.

Segundo o que o próprio Alcolumbre contou a interlocutores próximos, ele fez Lula entender que, hoje, Messias não obteria os 41 votos necessários para ser aprovado no Senado. Lula não deu sinal de que vá ceder à pressão. Mas entendeu que precisará calcular com mais cuidado os próximos passos.

Da última vez que Alcolumbre resolveu atrapalhar a vida de um indicado ao Supremo, deu trabalho. Segurou por quatro meses a sabatina de André Mendonça na Comissão de Constituição e Justiça porque queria no cargo o então procurador-geral da República, Augusto Aras. Também deixou claro a Jair Bolsonaro que, se dependesse dele, Mendonça não passaria. Ao final, o “terrivelmente evangélico” acabou aprovado na marra, depois de um corpo a corpo junto aos senadores e nas redes sociais em que até Michelle Bolsonaro se envolveu.

Na época, Bolsonaro disse que escolhia um evangélico por compromisso de campanha, mas também pelo critério “da confiança e da lealdade mútua” — alguém que tomasse cerveja com ele. A reação da oposição foi uma grita contra o que se considerou vilipêndio à nobre função de proteger a Constituição.

Veio Lula 3.0 e, por ironia, não há sequer a preocupação com o compromisso de campanha — ampliar a diversidade e a participação de mulheres em postos de comando. Nos primeiros mandatos, Lula ainda nomeou um negro (Joaquim Barbosa) e uma mulher (Cármen Lúcia).

Hoje, o critério é o mesmo de Bolsonaro — “lealdade e confiança”. Assim foram escolhidos Cristiano Zanin, advogado de Lula, e Flávio Dino, ministro da Justiça que o defendia com unhas e dentes. Messias — revelado ao público na gravação divulgada por Sergio Moro em que Dilma Rousseff o chamava de “Bessias” e dizia que ele entregaria a Lula o termo de posse para assumir a Casa Civil — se encaixa no mesmo perfil.

A diferença é que muitos dos que antes consideravam tal critério um absurdo agora o justificam pelo trauma de Lula com o mensalão e a Operação Lava-Jato — como se o fato de os juízes escolhidos por ele não terem impedido sua condenação fosse defeito e não virtude.

O próprio Messias escreveu na tese de doutorado que apresentou à Universidade de Brasília em 2024 que a Lava-Jato foi obra de “movimentos sociais autoritários e instâncias inferiores do Judiciário, que, em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de 1988” — referência ao “golpe” contra Dilma.

Para o preferido de Lula, ao “estancar os abusos da Lava-Jato, reverter decisões injustas de instâncias inferiores e fazer frente às ameaças golpistas que ganharam ímpeto renovado com a chegada de Bolsonaro à Presidência”, o STF se tornou “ainda mais central na arena política brasileira, reforçando suas credenciais como defensor da democracia”. O ativismo judicial passou a ser considerado vantagem — desde, claro, que exercido contra os inimigos.

O problema desse tipo de argumento é que ele equipara o Supremo a uma espécie de clube onde o que conta é ser amigo do chefe, mais ou menos como no Íbis ou no Bangu. É mais ou menos essa a base do argumento de Alcolumbre.

Segundo o que ele tem defendido, Lula já fez dois ministros. Agora tem de dar a vez ao Senado em nome da governabilidade. Como quem diz: Messias é amigo do rei, mas Pacheco é amigo da galera — aí incluídos senadores e ministros do Supremo como Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que já expressaram sua preferência ao presidente.

Nada disso significa que Lula se dobrará, ou que Messias não será aprovado no Senado. Mas, para ficar na metáfora futebolística, dá a sensação de que, em vez de uma final de campeonato com os melhores em campo, assistimos a uma pelada de várzea, daquelas em que, quando dá confusão, os torcedores descem das arquibancadas para brigar no campo enlameado. Ao final, vence quem fala mais alto — ou é amigo do juiz.

 

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