quarta-feira, 5 de novembro de 2025

A hipocrisia de Tarcísio e governadores de direita com o Consórcio da Paz, por Uirá Machado

Folha de S. Paulo

Líder paulista disse que é preciso virar o jogo contra o crime e que o Rio "deu uma grande demonstração"

Diante de tanta ambiguidade, grupo deve definir, afinal, que apito toca

Os governadores de direita, com o perdão do trocadilho, nem ficaram vermelhos. Dois dias após a operação que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro, eles lançaram o Consórcio da Paz.

O nome remete de imediato ao livro "1984", de George Orwell. No romance, um governo autoritário manipula a linguagem com o objetivo de controlar o pensamento. O órgão encarregado de promover a guerra, por exemplo, chama-se... Ministério da Paz.

Na distopia orwelliana, fala-se a novilíngua, idioma caracterizado pela distorção do vocabulário e a condensação de duas palavras em uma só —mesmo que tenham sentidos contraditórios entre si.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), bem que aproveitaria esse expediente. Só a novilíngua descreveria em bons termos o comportamento de alguém que, indeciso quanto ao futuro político, oscila entre o bolsonarismo raiz e a centro-direita civilizada.

Depois da ação contra o Comando Vermelho, por exemplo, ele se juntou ao Consórcio da Paz. Preferiu participar a distância, mas isso não o impediu de elogiar a operação mais letal da nossa história, dizendo que é preciso virar o jogo contra o crime e que o Rio "deu uma grande demonstração".

Para Tarcísio, todos os mortos (à exceção de quatro policiais) eram criminosos. De forma arbitrária, ele desprezou garantias básicas da modernidade, como a de poder se defender de acusações criminais. Pior: falou como se vigorasse, no Brasil, a sentença de morte.

E não é que desconheça o básico do Estado de Direito. Após a condenação de Jair Bolsonaro (PL) e outros responsáveis pelo 8 de Janeiro, ele afirmou: "não se pode desprezar o princípio da presunção da inocência, condenando sem provas".

Tarcísio precisa decidir, afinal, que apito toca. Sua ambiguidade —e nisso alguns de seus colegas são iguais— poderia ser chamada de várias formas na novilíngua, mas, em português corrente, ela já tem nome: hipocrisia.

 

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