Folha de S. Paulo
Líder paulista disse que é preciso virar o
jogo contra o crime e que o Rio "deu uma grande demonstração"
Diante de tanta ambiguidade, grupo deve
definir, afinal, que apito toca
Os governadores de direita, com o perdão do trocadilho, nem ficaram vermelhos. Dois dias após a operação que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro, eles lançaram o Consórcio da Paz.
O nome remete de imediato ao livro
"1984", de George Orwell. No romance, um governo autoritário manipula
a linguagem com o objetivo de controlar o pensamento. O órgão encarregado de
promover a guerra, por exemplo, chama-se... Ministério da Paz.
Na distopia orwelliana, fala-se a novilíngua, idioma caracterizado pela distorção do vocabulário e a condensação de duas palavras em uma só —mesmo que tenham sentidos contraditórios entre si.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), bem que aproveitaria esse expediente.
Só a novilíngua descreveria em bons termos o comportamento de alguém que, indeciso
quanto ao futuro político, oscila entre o bolsonarismo raiz e a
centro-direita civilizada.
Depois da ação contra o Comando Vermelho, por
exemplo, ele se juntou ao Consórcio da Paz. Preferiu participar a distância,
mas isso não o impediu de elogiar a operação mais
letal da nossa história, dizendo que é preciso virar o jogo contra o
crime e que o Rio "deu uma grande demonstração".
Para Tarcísio, todos os mortos (à exceção de
quatro policiais) eram criminosos. De forma arbitrária, ele desprezou garantias
básicas da modernidade, como a de poder se defender de acusações criminais.
Pior: falou como se vigorasse, no Brasil, a sentença de morte.
E não é que desconheça o básico do Estado de
Direito. Após a condenação de Jair
Bolsonaro (PL) e outros responsáveis pelo 8 de Janeiro, ele afirmou:
"não se pode desprezar o princípio da presunção da inocência, condenando
sem provas".
Tarcísio precisa decidir, afinal, que apito
toca. Sua ambiguidade —e nisso alguns de seus colegas são iguais— poderia ser
chamada de várias formas na novilíngua, mas, em português corrente, ela já tem
nome: hipocrisia.

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