domingo, 2 de novembro de 2025

A segurança pública na encruzilhada, por Arthur Trindade M. Costa,

Correio Braziliense

É necessário estabelecer um arcabouço normativo que fomente e institucionalize a cooperação. Esse tipo de iniciativa tem pouca visibilidade e não dá voto. Entretanto, seus efeitos são duradouros e têm alto impacto

Um relatório do Ministério da Justiça apontou que, em 2024, existiam 88 facções de base prisional no Brasil. Sendo que 72 delas têm atuação local como os Bala na Cara, do Rio Grande do Sul, e o Comboio do Cão, do Distrito Federal. Há 14 facções regionais que atuam em mais de dois estados como o Comando da Fronteira, a Família do Norte e os Guardiões do Estado. O relatório também aponta a existência de duas facções nacionais: o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho. Elas estão presentes em quase todos os estados e têm conexões internacionais. A presença dessas facções desafia os governos, colocando-os diante de uma encruzilhada sobre a melhor forma de enfrentá-las.

O crime organizado não é um problema exclusivo do Brasil. A Colômbia viveu uma situação dramática na década de 1990, quando Cartéis dominavam parte do território de Bogotá e Medelín, além de praticarem atentados contra autoridades políticas. Para enfrentá-las, os governos municipais implantaram políticas exitosas de reforma urbana. Foi realizada também uma ampla reforma na polícia. Hoje, a situação da Colômbia está bem melhor do que há 30 anos.

Soluções urbanas para retomada do controle do território já foram tentadas no Rio de Janeiro. Na década de 1990, iniciou-se a implantação do Projeto Favela-Bairro que, entre outras medidas, visava abrir avenidas que permitissem a circulação das polícias sem a necessidade de emprego de blindados. Alguns anos mais tarde, foram criadas as Unidades de Polícia Pacificadora para fixar a presença policial nas comunidades. Apesar de promissoras, ambas iniciativas foram abandonadas por má gestão e falta de recursos.

O México optou por militarizar o combate aos cartéis que assolam suas principais cidades. Em 2019, foi criada uma Guarda Nacional, cujo efetivo ultrapassa 120 mil policiais. A guarda é comandada por um general e conta com membros das Forças Armadas. Apesar do esforço inicial, o combate ao crime organizado parece estar fracassando. São inúmeras as denúncias de corrupção e de abusos envolvendo os militares. No Brasil, é pouco provável que as Forças Armadas aceitem ampliar sua participação, assumindo a linha de frente no combate ao crime organizado.

O modelo de El Salvador tem sido descrito como uma solução de enfrentamento ao crime organizado. Depois de décadas convivendo com altíssimas taxas de homicídios cometidos pela Marras, em 2022, o governo de Nayib Bukele decretou regime de exceção, suspendendo o devido processo legal e a liberdade de associação. As medidas resultaram na queda significativa das taxas de homicídios, no aumento exponencial da população prisional e numa enxurrada de denúncias de torturas e arbitrariedades. No Brasil, é improvável a aprovação de medidas de exceção como as adotadas por Bukele. As pesquisas apontam que a população não está disposta a renunciar às garantias e liberdades constitucionais para combater o crime organizado.

A encruzilhada brasileira aponta para duas direções. A primeira simbolizada pela ação policial realizada, semana passada, no Rio de Janeiro. Na operação, as forças policiais emboscaram e mataram mais de 120 pessoas em flagrante desacordo com o devido processo legal. Embora fosse o seu objetivo, nenhum mandado de prisão foi cumprido.

A política de enfrentamento não se restringe ao Rio de Janeiro. Em julho de 2023, a Polícia Militar de São Paulo deflagrou a Operação Escudo, na Baixada Santista, que resultou na morte de 28 pessoas. A operação foi seguida pela Operação Verão, que resultou em 56 mortes adicionais, totalizando 84 mortes nas duas ações. Há fundadas suspeitas de que tenham acontecido execuções.

Apesar das suspeitas de execuções, esse tipo de enfrentamento normalmente gera dividendos eleitorais. As consequências dessa politica de enfrentamento são de curto prazo. Logo, as posições na estrutura do crime serão preenchidas e o domínio territorial será retomado pelas facções.

A outra direção da encruzilhada brasileira aponta para a maior integração das operações de investigação, aumentando a articulação das forças policiais com o Ministério Público, a Receita Federal, o COAF, o Ministério da Defesa, das Relações Exteriores, do Meio Ambiente, entre outros. Foi o que aconteceu nas operações Carbono Oculto e Tank, que investigaram fraudes e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis. As operações resultaram no sequestro de mais de R$ 2 bilhões de bens e valores.

Essas operações representam uma mudança de paradigma no enfrentamento ao crime organizado, priorizando inteligência financeira, cooperação institucional e ações coordenadas em vez de confrontos armados. Para isso, é necessário estabelecer um arcabouço normativo que fomente e institucionalize a cooperação. Esse tipo de iniciativa tem pouca visibilidade e não dá voto. Entretanto, seus efeitos são duradouros e têm alto impacto.

Em 2026, o eleitorado brasileiro terá que decidir sobre que direção devemos tomar: enfrentamento direto ou investigação, cooperação e articulação. Decidirá se prefere as operações com muita visibilidade e resultados imediatos ou as investigações pouco visíveis e de resultados duradouros

 

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