Valor Econômico, por César Felício
Preso e sem perspectivas de socorro, ex-presidente tem pouco estímulo para transferir eleitorado a liderança de fora da família
A antecipação da prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro abre portas para um cenário de consolidação da divisão da direita na eleição presidencial de 2026. Bolsonaro mantém como ativo a força eleitoral, hoje com viés de baixa, não de alta. Encarcerado, sem perspectivas de construção de uma saída política no Congresso para anular sua condenação, mesmo com pressão dos Estados Unidos, não há estímulos para a transferência do legado.
Especialistas em pesquisas eleitorais e em
marketing político já calculam o que é reserva de mercado do bolsonarismo puro
dentro do eleitorado antipetista, avaliado em cerca de 50% do total nacional.
Há unanimidade entre eles de que o ex-presidente representa a faixa majoritária
dos que se dizem de direita, mas não tem mais as exclusividade deste
contingente, o que tende a torná-lo mais radical.
“Pesquisa nossa feita depois da condenação judicial mostra que 35% do eleitorado brasileiro se classifica como sendo de direita e 63% nominam Bolsonaro como principal liderança. Isso no eleitorado total indica 22% de bolsonaristas puros”, comenta o cientista político Antonio Lavareda, diretor do Ipespe, que avalia ser esse o potencial de transferência.
“Os que dentro da direita querem promover o
enterro dele precisam combinar com este cadáver para ele entrar na cova. Manter
esse capital eleitoral é o que resta a ele. A literatura da ciência política
mostra que quem abre mão de capital dificilmente o recupera depois”, opina,
apostando que o ex-presidente deverá emular a estratégia do hoje presidente
Luiz Inácio Lula da Silva em insistir em uma candidatura presidencial, mesmo
inelegível, até o último momento. Após esse momento, se Bolsonaro apoiar um dos
filhos, Lavareda acredita ser plausível um cenário de “primárias da direita”,
semelhante ao quadro chileno.
Para esse cenário se concretizar é preciso
partir da premissa de que os governadores presidenciáveis, Tarcísio de Freitas
(Republicanos-SP), Ratinho Júnior (PSD-PR), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e
Romeu Zema (Novo-MG), não apoiariam um candidato com o sobrenome Bolsonaro. No
Chile, a direita se dividiu no primeiro turno das eleições presidenciais deste
ano em quatro candidaturas, que conseguiram votações entre 12% e 24%. Foi para
o segundo turno José Antonio Kast, que é favorito para derrotar a primeira
colocada na eleição, a comunista Jeannette Jara.
A direita já se organizou para uma disputa
sem aval de Bolsonaro”
— Felipe Nunes
O cenário de primária da direita foi testado
na última rodada de pesquisas Genial/Quaest, que fez simulações contrapondo o
deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com Tarcísio e Ratinho Júnior. O resultado
foi próximo a um empate técnico nos dois casos. Eduardo teve 22% ante 18%
obtidos pelo paranaense e 18% ante 20% pelo governador de São Paulo. “A direita
já se organizou para uma disputa sem aval de Bolsonaro”, acredita o responsável
pela pesquisa, Felipe Nunes. Já nas simulações de Eduardo contra Zema e Caiado
o filho do ex-presidente teria vaga garantida em um segundo turno. “Um embate
do bolsonarismo com terceiras vias frágeis tende a repetir a polarização de
2022, mas aí abrindo espaço para uma vitória de Lula no primeiro turno, em
função da alta rejeição”, disse.
Nunes descarta a possibilidade de Bolsonaro
fortalecer seu poder de transferência de voto em função de uma “martirização”
com a prisão. Lembra que esse efeito já não se produziu depois do julgamento e
tende a já estar precificado pelo eleitorado. Mas pensa que os três
presidenciáveis portadores do sobrenome ganharam alguma luz própria. A
ex-primeira-dama Michele Bolsonaro pela força no eleitorado evangélico e
feminino. Eduardo - que possivelmente também ficará inelegível em 2026, já que
é réu em processo no Supremo Tribunal Federal - pela conexão com a
extrema-direita internacional. E o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) por ser o
único dos três com laços com a elite empresarial e parlamentar.
“Eduardo leva vantagem dentro do núcleo de
eleitores bolsonaristas incondicionais, mas nenhum dos três possíveis herdeiros
consegue ter dentro do antipetismo uma avaliação equivalente à de Jair
Bolsonaro, que já não é uma unanimidade”, comenta o marqueteiro Felipe
Soutello, que atuou para Simone Tebet em 2022 e trabalha com pesquisas
qualitativas no estado de São Paulo. Ou seja: na hipótese de uma transferência
de candidatura dentro do clã, há um escape de eleitorado.
“O preditor da eleição de 2026 é o incumbente,
Luiz Inácio Lula da Silva. Se a desaprovação dele crescer, o voto no segundo
turno vai automaticamente para o adversário. Quanto mais crescer o contingente
antipetista, menos relevante será o apoio do bolsonarismo para derrotar o
incumbente. A posição radical tende a enfraquecer ao longo do tempo”, afirma.
Para Paulo Vasconcelos, marqueteiro das
campanhas presidenciais de Aécio Neves (PSDB, 2014) e Henrique Meirelles (MDB,
2018) e da de Claudio Castro (PL, 2022) para governador do Rio de Janeiro
existe uma perda de energia do bolsonarismo que ainda não transparece com
clareza nas pesquisas eleitorais. “A única candidatura consolidada hoje é a do
Lula. As demais dependem dos donos dos partidos, e não do recall eleitoral”,
comenta.
Vasconcelos colabora no momento com Caiado,
cuja pré-candidatura não deslanchou. Mas cita o exemplo de Belo Horizonte para
tentar demonstrar a tese que o fôlego do bolsonarismo em 2026 tende a ficar
mais curto. Ele foi o responsável pela campanha na capital mineira do prefeito
reeleito Fuad Noman, que concorreu pelo PSD e faleceu em março deste ano.
Apesar da força da direita em Belo Horizonte, que ficou evidente nas eleições proporcionais, o candidato apoiado por Bolsonaro, deputado estadual Bruno Engler (PL), perdeu o segundo turno. “É preciso que o apoiado tenha predicados que vão além do mero apoio. Do contrário o escolhido tem uma arrancada boa, de 15% a 20%, mas não vai ter pujança para segurar a dianteira. Cai da bicicleta quanto tira a rodinha”, comenta.

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