Folha de S. Paulo
Ao derrubar resolução do Conanda, deputados
perpetuam a dificuldade de acesso ao aborto legal e o sofrimento de crianças
violentadas
No Senado também avançam propostas
insensatas, como proibir o procedimento por telemedicina e após 22 semanas de
gestação em caso de estupro e anencefalia
O congresso está numa cruzada contra o
direito que crianças grávidas têm ao aborto legal.
Nem o interesse eleitoreiro parece explicar tamanha crueldade. Afinal, segundo
o Datafolha,
58% dos brasileiros acham que a lei sobre o tema deve continuar como está
(34%), incluir mais permissões (17%) ou que o aborto deveria ser
descriminalizado (7%).
O Código Penal autoriza o procedimento em casos de risco à vida da mulher, anencefalia fetal e estupro, e toda relação sexual com menor de 14 anos é estupro.
De acordo com a OMS, a taxa no
Brasil de partos em meninas entre 10 e 14 anos a cada 1.000
mulheres em 2023 foi de 2,4, acima da média global (1,5). Na região Norte do
país, o índice (4,7) é maior do que o da África subsaariana (4,4), a pior do
mundo.
Em 2024, a vítima era menor de 14 anos em 61%
dos casos de estupro, e essas crianças têm dificuldade para interromper a
gravidez de forma segura —em 2021, só 8% das 1.556 internações relacionadas a
aborto na faixa etária de 10 a 14 anos ocorreram por causas autorizadas pela
lei.
Por isso o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente estabeleceu, por meio de resolução, protocolos de
atendimento que facilitam o acesso ao aborto a menores de idade. Na quinta (5),
porém, a Câmara aprovou decreto para derrubar a resolução, que não altera a lei
vigente.
O projeto vai ao Senado,
onde outras
propostas insensatas tramitam. Uma impede o aborto por telemedicina
(com uso de medicamentos), mesmo que a OMS mostre que o método é seguro; outra
proíbe o aborto após 22 semanas de gestação em caso de estupro e anencefalia.
Ora, os casos após 22 semanas só ocorrem por
incompetência do Estado em garantir esse direito, e no geral são as meninas
pobres que demoram mais para reconhecer a gravidez e procurar ajuda. Problemas
que a telemedicina e a resolução do Conanda têm potencial para resolver.
Deputados e senadores deveriam sentir
vergonha por atuarem contra a saúde física e mental de crianças estupradas. É
preciso interromper esse ciclo abjeto de violência, não perpetuá-lo.

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