Folha de S. Paulo
Justiça não autorizou mobilizar 2.500
policiais para prender quaisquer moradores
Governo Cláudio Castro subiu Alemão para
prender cem criminosos do Comando Vermelho; destes, 80 fugiram
O governo Cláudio
Castro subiu o Complexo do
Alemão com mandado para prender cem criminosos do Comando
Vermelho. Desses cem, 80 fugiram. Tanto o nome da operação
("Contenção") quanto a ideia de novas operações de
"retomada" se referem a um movimento recente de conquista pela facção
de áreas do Rio de
Janeiro que antes eram controladas pelas milícias;
parte do debate, portanto, deveria ser sobre a estratégia do poder público
diante dessa guerra de facções.
Quantos brasileiros sabem disso? Suspeito que muito poucos, apesar de termos passado duas semanas falando sobre o Alemão.
Ao invés de divulgar imediatamente o número
de mandados de prisão cumpridos durante a operação, o Governo do Rio de
Janeiro passou dias levantando a ficha
criminal das pessoas que ele conseguiu prender e das que
morreram, até achar mandados pendentes que não tinham nada a ver com a
operação.
A Justiça não
autorizou mobilizar 2.500 policiais, quatro dos quais morreram, para prender
quaisquer cem moradores do Alemão que estivessem devendo alguma coisa.
Aqueles cem, em tese, eram importantes o
suficiente para que corrêssemos o risco de terror no Alemão, caos na cidade e
um número recorde de mortos. Os que foram presos eram?
Como disse na última
coluna, Castro lidou muito inteligentemente com o fracasso: quando
viu que não tinha prendido ninguém que tinha que prender, apertou o botão
"ativar polarização política" e assistiu ao caos se instaurando no
debate público brasileiro.
Deu certíssimo: quando os números do fracasso
foram divulgados, as redes sociais já haviam sido inundadas com imbecilidades
como "narcoterrorismo".
Uma semana depois, enquanto as pesquisas
registravam forte apoio popular à operação, o secretário de
Segurança Pública do Rio, Victor
Santos, deu entrevista para esta Folha dizendo que o foco
"nunca foi prender líderes".
Não era isso que as autoridades diziam uma
semana antes. Procure as reportagens daquela terça-feira: elas estão cheias de
nomes como Doca, BMW, Gardenal e Pedro Bala, apontados como líderes
criminosos cuja prisão justificaria a incursão da polícia.
Cláudio Castro já anunciou que novas
operações vêm por aí, com os mesmos objetivos de longo prazo
mal-explicados.
A do Alemão se chamava "Contenção",
porque visava conter o avanço do Comando Vermelho, que vem se dando sobre áreas
que eram das milícias. Segundo o jornalista Lauro Jardim, as próximas operações ocorrerão em
Jacarepaguá, nas áreas que o CV tomou dos milicianos, para "retomada de
territórios".
Retomada para quem? Para o Estado de Direito?
Como? O governo Castro já deixou claro que não acredita em ocupação de favela pelas
forças policiais. Por que Jacarepaguá não voltaria ao controle das milícias
depois do CV ser expulso pela polícia?
Se houver bons motivos para alistar a polícia
do Rio na guerra de facções, o governo deveria explicá-los. É porque o CV é
mais cruel que as milícias? É para evitar a formação de uma quadrilha que
domine o estado inteiro, como o PCC faz
em São Paulo?
O sucesso político da matança no Complexo do
Alemão ajuda a entender por que ninguém resolve o problema da segurança pública
no Brasil. É fácil demais para o político brasileiro mentir que está
resolvendo.

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