terça-feira, 25 de novembro de 2025

Frankenstein e a Liberdade como não dominação, por Vagner Gomes

Chegamos ao ponto da alternativa populista ao republicanismo. E agora, quanto à relação entre a tradição republicana, como a concebo, e talvez a alternativa mais relevante representada pela concepção liberal da política?

A tradição republicana, como argumentarei, compartilha com o liberalismo a presunção de que é possível organizar um Estado viável e uma sociedade civil viável em uma base que transcende muitas divisões religiosas e afins. Nesse sentido, muitos liberais reivindicarão a tradição como sua. Mas o liberalismo tem sido associado, ao longo dos duzentos anos de Seu desenvolvimento, e na maioria de suas variantes influentes, se deu com a concepção negativa de liberdade como ausência de interferência, e com a suposição de que não há nada inerentemente opressivo em algumas pessoas terem poder dominante sobre outras, desde que não exerçam esse poder e não seja provável que o exerçam. Essa relativa indiferença ao poder ou à dominação tornou o liberalismo tolerante a relações no lar, no local de trabalho, no eleitorado e em outros lugares, que o republicano deve denunciar como paradigmas de dominação e falta de liberdade. E isso significa que, se os liberais se preocupam com questões de pobreza, ignorância, insegurança e similares, como muitos se preocupam, isso geralmente se deve a algum compromisso independente de seu compromisso com a liberdade como não interferência: digamos, um compromisso com a satisfação das necessidades básicas ou com a realização de uma certa igualdade entre as pessoas. (PETTIT, Phillip. Republicanism: Theory of Freedom and Government. p. 9)

Guillermo del Toro outra vez nos encanta com a releitura da nossa crise civilizatória através de um filme sobre um clássico da literatura.  “Frankenstein” (2025, em exibição na NETFLIX) se impõe pela busca da liberdade até pela escolha do direito de morrer. Os tempos da pandemia reforçaram criaturas bizarras na política desde um argentino com a motosserra até um soldador tupiniquim. Uma sociedade sob fraturas como se fossem pedaços de corpos costurados num corpo orgânico e fascistizante.

Anteriormente, na animação “Pinóquio” (2022) o livro de Carlo Collodi reaparece para nos fazer lembrar que o fascismo se alimenta da mentira repetida inúmeras vezes. A “maldição” do nariz a crescer como uma observação da crítica ao sistema político aonde o eleitor se encontra frustrado num “mundo de vícios” no momento da escolha racional do voto. Por exemplo, as eleições fluminenses de 2022 foram antecipadas por inúmeras matérias jornalísticas que questionavam a qualidade da água fornecida a população pela CEDAE. Digamos que essas pautas sensacionalistas teriam criado um senso comum em favor da chamada “privatização da água e saneamento” referendada no voto.

Segundo Anthony Downs,

Os benefícios que os eleitores consideram, ao tomar suas decisões, são luxos de utilidade obtidos a partir da atividade governamental. Realmente, essa definição é circular, porque definimos utilidade como uma medida de beneficios, na mente de um cidadão, que ele usa para decidir entre caminhos alternativos de ação. Diante de diversas alternativas mutuamente exclusivas, um homem racional sempre escolhe aquela que lhe traz a maior utilidade, ceteris paribus; isto é, ele age para seu próprio e maior benefício. (…) (Downs – Uma Teoria Econômica da Democracia, p. 57)

O mundo de Porfírio Díaz (referência ao presidente do México derrubado pela Revolução Mexicana de 1910) teria muitas semelhanças com a crise política fluminense, porém voltemos a obra do cineasta mexicano. Toro faz do seu Frankenstein uma fábula política sobre uma relação entre criador e criatura numa história que nasce sombria, na narração de Victor, e se encerra mais comovente na narração da criatura. Uma dialética a procura de uma síntese como se fosse a leitura do romance Vento em setembro de Tony Bellotto, que nos instiga a pensar na paternidade do agronegócio nos anos autoritários no qual caiam os principais dirigentes do PCB (1974 – 1978).

Outra vez, antes que percamos o fio da meada, pensemos nos mortos da pandemia e nos restos de corpos que formaram um corpo deformado de uma criatura agoniada por ser a vitória da vida sobre a morte. O livro de Mary Shelley (1797 – 1851) – filha da feminista Mary Wollstonecraft – está com uma adaptação que nos permite reconhecer os valores de um mundo de restos feudais a sobreviver em pleno capitalismo. A embarcação russa encalhada é um exemplo desse mundo que estava prisioneiro dessa lógica, o que moldaria muitos outros aspectos no mundo moderno. O Prometeu Moderno de Shelley é lido por Toro como uma oportunidade de nos afastar do medo e do mal estar da civilização.

Pelos caminhos “tortos” de sua narrativa em termos de buscar uma memória que tenha um valor na política democrática, o filme Frankenstein pode dialogar com “O Agente Secreto”, com suas assombrações moralizantes como uma “Perna Cabeluda”. Portanto, a sombria filmografia de Guillermo del Toro abre caminho para melhor compreender a angústia de um “morto em vida” como o personagem Marcelo do filme nacional. E, ao final, o cristianismo ganha uma possibilidade política benfeitora no exercício do perdão e no reconhecimento do filho pelo pai.

Pois assim ele clamou: ”Pai. perdoai-vos. Eles não sabem o que fazem”.

*Vagner Gomes é Doutorando em Ciência Política no PPGCP-UNIRIO.

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