Veja
O ensino superior é atalho para a democracia
e o humanismo
O Congresso do Futuro, liderado há quinze anos pelo ex-senador chileno Guido Girardi, se reuniu na semana passada em Madri. Dezenas de pensadores debateram o fundamental: para onde caminha a civilização. O rumo atual indica desequilíbrio ecológico e agravamento da desigualdade social. Um desenvolvimento harmônico entre os seres humanos e deles com a natureza não será concebido por partidos políticos, comprometidos em atender aos eleitores no curto prazo; nem por igrejas, cuja preocupação é com o mundo espiritual; ainda menos por sindicatos, cuja visão se limita aos interesses de sua categoria profissional na próxima data-base. A universidade é a instituição capaz de formular ideias para retomar a aliança quebrada entre democracia nacional e humanismo planetário.
Os motivos: tem a versatilidade de pensamento
e a liberdade para entender a encruzilhada civilizatória. Para isso, a própria
universidade precisa repensar seu papel, sua estrutura, seus métodos de
trabalho. No encontro madrilenho, uma mesa debateu “que futuro precisa a
universidade para servir na formulação do futuro que se deseja para a
humanidade”. É indagação que soa óbvia, mas é das ideias simples que brotam
inovações. Foi sugerido que, para compreender a crise, imaginar e formular
propostas alternativas, a universidade precisa realizar pelo menos dez
mudanças. A saber:
“Trata-se de abandonar preconceitos
ideológicos, do passado ou recém-construídos”
(1) Sair do
provincianismo nacional e participar de um grande complexo mundial de
pensamento, integrando as cerca de 50 000 universidades existentes; (2) ter a
ousadia de pensar sem amarras ideológicas, vícios
corporativos, dependência partidária, tutela de
orientadores na condução de teses de longos doutorados e, sobretudo,
sem as cegueiras do corporativismo e da tolerância com falta de rigor e de
qualidade; (3) adotar funcionamento multidisciplinar, com núcleos temáticos que
combinem diferentes conhecimentos, buscando soluções para os problemas da
realidade; (4) incorporar o debate ético sobre a condição humana, os riscos
atuais e os desafios; (5) reconhecer a relevância da educação básica e a
necessidade de não deixar nenhum cérebro para trás, para que todos possam fazer
a transição para a mentalidade do progresso harmônico; (6) adaptar-se às
possibilidades da pesquisa e do ensino a distância com qualidade, de modo que o
endereço digital seja mais importante do que a localização física; (7) combinar
a inteligência biológica com a inteligência artificial, levando em conta
valores éticos próprios da condição humana; (8) entender a nova
“ecogeopolítica”, na qual o mundo deixa de ser a soma dos países para cada país
ser visto como pedaço do mundo; (9) ser politicamente comprometida com a
criação da utopia de uma civilização democrática, sustentável e sem exclusão
social; e (10) formular tecnicamente estratégia para definição e adoção de um
piso social, de modo que nenhuma família seja condenada a sobreviver sem acesso
aos bens e serviços essenciais, e de um teto ecológico, para que nenhum
indivíduo possa consumir acima dos limites permitidos pelo equilíbrio
ecológico.
Trata-se, tudo somado, de abandonar
preconceitos ideológicos, sejam importados do passado ou recém-construídos, e
manter tolerância zero com o negacionismo científico e com a corrupção mental
de narrativas falsas. De derrubar os muros que a separam da realidade e de
todos grupos que se dedicam à atividade intelectual, mesmo fora da
universidade.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970

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