sábado, 15 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

E a estratégia? A lei é apenas um meio

Por Revista Será?  

Diante do impacto político gerado pela desastrosa invasão das favelas do Rio – Complexo do Alemão e da Penha – e da evidência do poder das facções criminosas nos territórios – a capacidade militar e logística e a produção própria de poderosos armamentos – os partidos, de direita e esquerda, se apressaram a mostrar serviço. Tinham que reagir. Como? Criando mais lei ou reformando as leis existentes. Não resolve nada, mas mostra que o governo e o Congresso estão preocupados, reagindo à crise de segurança pública do Brasil. Governo e oposição levam a disputa política para o conteúdo da legislação que possa lidar com o problema, divergindo em diferentes aspectos do projeto de lei que, supostamente, serviriam para conter a propagação do crime organizado no Brasil. Alguém já dizia: “se não quer enfrentar um problema, formule uma lei”. Não resolve e, em muitos casos ainda arrisca piorar. Como a proposta da direita e de alguns governadores, contida no primeiro relatório do PL Anti-facção apresentado pelo deputado Guilherme Derrite, enquadrando o crime organizado como terrorismo e tentando subordinar a atuação da Polícia Federal a autorizações dos governos estaduais. Todos concordam na introdução de penas mais elevadas e de maior rigor no regime prisional dos traficantes. Mas, como vão prender os chefões do crime organizado refugiados no quartel general das favelas ou nos presídios?

A PEC da Segurança, que já era uma tentativa de resolver a situação dramática através da legislação, tramita no Congresso sem chances de um acordo entre União e governadores, melhor dito, entre o governo Lula e as oposições nos Estados. Se governo e oposição não se entendem nem mesmo na formulação de uma lei, imaginem quando for discutida a estratégia para enfrentar o crime organizado e retomar os territórios. Enquanto não se entendem e se limitam a disputar quem tem a melhor proposta de lei, os criminosos se organizam, aumentam o seu poder militar, enriquecem e ocupam mais territórios.

Os especialistas já indicaram o caminho para enfrentar o crime organizado e, principalmente, desestruturar o seu quartel general nas favelas: uma ação coordenada e combinada de inteligência, desidratação financeira das organizações, impedimento da entrada de armas, cerco militar e entrada nos territórios para, finalmente, implantar o poder do Estado. Depois de retomado o território e implantado o Estado, realizar investimentos urbanos e sociais para melhorar a qualidade de vida da população e impedir a volta dos criminosos. Como parece claro que o governo (e a esquerda em geral) não quer “sujar as mãos” com tema tão delicado e a direita aposta no confronto puro e simples, o debate político se desloca para o teor da legislação. Principalmente estando a um ano das eleições, ninguém quer arriscar gestos e medidas ousadas que impactem negativamente no eleitorado. E la nave vá!

Puxão de orelha da ONU é vergonhoso para o Brasil

Por O Globo

Carta cobrando plano para falhas de infraestrutura e segurança mostra despreparo de Belém para sediar COP30

Foi constrangedora a carta enviada ao governo brasileiro por um alto funcionário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, na quarta-feira, cobrando um plano imediato para lidar com as falhas de segurança e infraestrutura durante a COP30, em Belém. Prover segurança e infraestrutura é o mínimo que se espera dos organizadores de discussões sobre o futuro do planeta.

Depois da crise de hospedagem que dominou o noticiário antes da COP, é lamentável constatar problemas básicos que deveriam ter sido previstos. Houve reclamações sobre goteiras e alagamentos de áreas da conferência. Ora, chuvas frequentes na capital paraense são tão previsíveis quanto o calor, e a montagem das estruturas deveria levar isso em conta. Geraram queixas também a falta de água em banheiros e falhas nos sistemas de refrigeração. Belém, como todos sabem, é uma cidade escaldante. Uma das imagens mais frequentes da conferência são estrangeiros e brasileiros se abanando com leques.

Termômetros nas alturas não são impedimento para abrigar um megaevento. Obviamente, não é o caso de erguer instalações suntuosas, mas é uma vergonha o Brasil ser incapaz de oferecer condições confortáveis aos visitantes. Já fez isso várias vezes como anfitrião de grandes eventos.

A insegurança também é inaceitável. Na terça-feira, cerca de 150 manifestantes invadiram facilmente as instalações da conferência, chegando à Zona Azul, onde ocorrem as negociações climáticas. O episódio foi visto pela ONU como “grave violação da estrutura de segurança”, levantando preocupações sobre o cumprimento das obrigações pelo anfitrião. Entre as vulnerabilidades, estão efetivos insuficientes, porta sem segurança e nenhuma garantia de que autoridades federais e estaduais responderiam às invasões. Durante o protesto, um segurança ficou ferido, e estruturas foram danificadas.

Protestos não devem ser tratados com truculência pela polícia, mas precisam seguir regras, ou tudo vira bagunça. É inacreditável que manifestantes consigam invadir áreas restritas da conferência. O desleixo é ainda mais preocupante, pois Belém é ponto nevrálgico numa região acossada por facções criminosas. O plano de segurança deveria ser impecável. O governo chegou a decretar operação de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) para obter apoio das Forças Armadas. Só esqueceu o básico.

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, afirmou na quinta-feira que todas as questões citadas na carta foram “completamente sanadas”. “Tivemos problemas técnicos, e acredito que estão sendo solucionados”, afirmou. Mas isso não apaga o vexame. Era previsível que Belém não tinha estrutura para sediar um evento dessa magnitude. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva insistiu em mantê-la como sede, enfatizando o simbolismo de fazer uma COP na Amazônia. Espera-se que na reta final não haja mais “problemas técnicos”, para que a ONU e os negociadores possam se preocupar com questões menos comezinhas e se dedicar ao que importa: conter o aquecimento global que ameaça a humanidade.

Emergência financeira dos Correios deve abrir caminho à privatização

Por  O Globo

Apenas captar dinheiro não basta para sanar crise da estatal. Governo teima em resistir à solução óbvia

O governo continua a tirar conclusões erradas da crise financeira dos Correios, por isso teima em resistir à solução mais óbvia: privatizar. O problema da empresa é estrutural. Mesmo num ano em que a economia cresce em nível razoável e o mercado de entregas está aquecido, os gastos dos Correios excedem em R$ 10 bilhões a receita, de acordo com números do jornal Valor Econômico. Empresa nenhuma sobrevive com rombo anual dessa monta.

Para fechar as contas em 2025, os Correios correm para tomar dinheiro emprestado. A primeira tentativa de obter R$ 20 bilhões fracassou. O prazo para resposta foi curto, e os bancos que se pronunciaram ofereceram condições que a estatal não aceitou. Ao abrir a segunda rodada de captação, a empresa espera atrair bancos de menor porte e obter acesso a pelo menos R$ 10 bilhões para cobrir o rombo. Se conseguir, não demorará para o desespero voltar.

O atual plano de reestruturação prevê elevar o faturamento em R$ 5 bilhões e promover cortes de custos dessa ordem com a ajuda de um programa de demissão voluntária. São promessas bem-vindas. Infelizmente não livrarão os Correios de interferências políticas e obrigações legais que limitam a autonomia da gestão. Montado com o objetivo de agradar a investidores e captar crédito, o plano deveria tratar de preparar a empresa para a privatização. Um modelo sensato para isso, elaborado pelo BNDES, estava pronto no governo Jair Bolsonaro, infelizmente a resistência ideológica petista parou tudo assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder.

Cinco dos seis correios mais rentáveis no mundo são total ou parcialmente privados. Dos 11 que registram prejuízo, apenas um não é 100% controlado pelo governo. “Os 15 correios em nossa amostra que operam como empresas privadas geralmente têm maior liberdade comercial do que os cargos de propriedade do governo para otimizar custos, administrar fundos de pensão e contrair empréstimos para investimentos de capital”, diz estudo do inspetor-geral dos correios americanos, um organismo independente.

A vida dos gestores públicos de serviços postais não está fácil em lugar nenhum. Estruturas montadas para receber e entregar correspondências estão quase todas intactas, mas a demanda caiu com a popularização dos celulares. Quem ainda manda carta? É verdade que o segmento de entrega de pacotes cresce de forma vertiginosa, mas nessa área as estatais enfrentam competidores privados mais ágeis e tecnologicamente mais avançados. Amarradas a obrigações e restrições, empresas públicas só acumulam problemas. No caso do Brasil, há o histórico de escândalos e irregularidades. O governo não deve deixar de resolver a emergência financeira captando crédito, cortando custos e tentando aumentar o faturamento. Falta apenas dar o passo seguinte e passar a gestão à iniciativa privada.

Reduzir juros com prudência será teste para o BC

Por Folha de S. Paulo

Pressões eleitoreiras do governo coincidem com percepção de que se aproxima oportunidade de corte

Tarefa de conter a inflação é prejudicada pela expansão dos gastos da gestão petista, a verdadeira culpada pelo arrocho monetário

Há neste momento uma coincidência temporal entre pressões do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela queda dos juros, motivadas basicamente pela aproximação das eleições de 2026, e a percepção de que o Banco Central está perto de promover um corte limitado das taxas, que precisa seguir critérios técnicos.

Com o objetivo prioritário de conter a inflação e levá-la à meta de 3% ao ano, a Selic de sufocantes 15% anuais busca a contenção do crédito e da demanda, de modo a desencorajar a alta de preços. Essa tarefa é prejudicada pela expansão contínua das despesas de Brasília —a verdadeira culpada pelo arrocho monetário.

Se é obviamente desejável um alívio para empresas e famílias, é imprescindível garantir as condições para que não haja riscos de um repique inflacionário.

As novas informações desta semana —a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC e a divulgação do IPCA favorável de outubro— movimentaram o cenário de juros e as expectativas.

As projeções dos analistas para o início de corte de juros estavam divididas entre janeiro e março de 2026. O BC alimentou o otimismo com uma ata de tom mais suave, reconhecendo desaceleração da atividade econômica e queda das expectativas de inflação, também destacando que já considera o impacto da redução do Imposto de Renda das pessoas físicas em seus cálculos.

Como obstáculos, o documento cita o mercado de trabalho ainda bastante aquecido e a necessidade de harmonizar políticas fiscal e monetária, uma vez que a primeira afeta a demanda agregada e a percepção de sustentabilidade da dívida pública.

Ademais, com a divulgação do IPCA de 0,09% em outubro, bem abaixo da expectativa de mercado e o menor número para o mês desde 1998, as projeções de inflação para este e o próximo ano começaram a ser reduzidas.

Indicado por Lula, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, tem procurado demonstrar autonomia e responsabilidade monetária ante o discurso demagógico da administração petista —ao qual não se furta mais nem o ministro da FazendaFernando Haddad, que parece mais preocupado com as eleições de 2026 do que com as atribuições de seu cargo.

Nesta semana, Galípolo tratou de não comprometer o BC com previsões para o início da queda dos juros, valorizando a comunicação formal da instituição. Ainda assim, seguirá em posição desconfortável nos próximos meses.

A política perdulária de Lula e Haddad manterá pressões sobre os preços, que podem se acentuar com esperáveis medidas eleitoreiras. Não se imagina que a Selica possa cair abaixo de ainda muito elevados 12% ao ano.

Um afrouxamento além dos limites da prudência poderá ter consequências funestas para a reputação da autoridade monetária e a política de controle da inflação, prejudicando sobretudo os mais pobres. Esse será um novo desafio do BC autônomo.

'Emenda panetone' é nova fase na desfaçatez parlamentar

Por Folha de S. Paulo

Congressistas discutem verbas de até R$ 5 milhões a membros de comissão, driblando mecanismo de controle

Governo nega tratativa; parece mais fácil esperar Papai Noel do que ver parlamentares respeitarem princípios republicanos no gasto publico

A proximidade do Natal mexeu com os congressistas. Considerando pouco dinheiro os mais de R$ 50 bilhões reservados no Orçamento de 2025 para emendas parlamentares, eles passaram a negociar com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um presente de final de ano.

A discussão, conduzida à boca pequena na Comissão Mista de Orçamento do Legislativo, envolve verbas extras de R$ 3 milhões para cada membro desse colegiado, chegando a R$ 5 milhões no caso dos relatores setoriais. Nos bastidores, há quem chame o mimo de "emenda panetone".

Embora a reportagem da Folha tenha confirmado a existência das tratativas com oito parlamentares, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República negou, até com bastante ênfase, que esteja em curso uma combinação dessa natureza.

Tomara. Mas, no atual arranjo entre os Poderes, governos com bases frágeis precisam ceder ao Congresso Nacional mais do que gostariam de admitir. Desde 2015, quando as emendas parlamentares se tornaram obrigatórias, o Legislativo avança com voracidade sobre os recursos do contribuinte.

Do ponto de vista teórico, não chega a ser problemático que deputados e senadores escolham o destino de uma parcela das verbas orçamentárias. Seus olhos, mais atentos às demandas paroquiais, poderiam perceber necessidades prementes jamais contempladas no plano federal.

A explosão dessa rubrica a partir de 2020, contudo, criou uma situação descabida e sem nenhum paralelo no mundo desenvolvido. As cifras associadas às emendas parlamentares drenam recursos dos ministérios e provocam variadas distorções.

Dentre elas, as mais graves são a falta de planejamento, com consequências desastrosas para a qualidade dos gastos, e a ausência de fiscalização e transparência na execução dos projetos.

Diante dos óbvios abusos, o Supremo Tribunal Federal (STFestabeleceu critérios básicos para o uso das verbas, e a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal ampliaram os mecanismos de supervisão das despesas.

Os congressistas, porém, não se dão por vencidos nem conhecem limites para sua desfaçatez. As "emendas panetones", nos termos relatados à reportagem, seriam executadas no Orçamento do governo, configurando um drible nas tentativas de controle.

Parece mais fácil esperar o Papai Noel descer pela lareira do que ver os parlamentares aceitarem, de bom grado, a implementação de princípios republicanos no trato dos recursos públicos.

Haddad, o injustiçado

O Estado de S. Paulo

O ministro reconhece ter entregado ‘tudo’ o que o presidente Lula lhe pediu, mas ainda assim não vê relação entre a gastança do governo e o fato de os juros estarem em 15% ao ano

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se sente injustiçado. Para ele, o esforço fiscal que o governo tem feito não recebe o devido reconhecimento, não apenas do mercado e da imprensa, mas também do Banco Central (BC). Esperançoso, o ministro ainda acredita que o empenho da equipe econômica será atestado. “Estou louco para ver uma ata do Banco Central dizendo que eu estou fazendo um esforço relevante, como fez o Fundo Monetário Internacional. Mas vai chegar meu dia”, afirmou, em entrevista ao Estadão.

Ninguém pode dizer que o trabalho do ministro seja fácil. É realmente desafiador defender o reequilíbrio fiscal com um presidente como Luiz Inácio Lula da Silva, que não vê problema em aumentar o gasto público, com um Congresso que se recusa a rever subsídios e a aumentar impostos para cobrir as renúncias e com um Judiciário que não vê problema algum em privilégios que garantem supersalários e ignoram o teto remuneratório. Mas daí a se sentir um injustiçado vai uma distância considerável.

O cargo de ministro da Fazenda requer muitas habilidades, e talvez a maior delas seja saber dizer “não” quando todos, especialmente seu chefe, esperam que diga “sim”. Pedidos para aumentar gastos e reduzir impostos virão de todos os lados diuturnamente – do próprio ministério, dos colegas de Esplanada, do presidente da República, do Legislativo, do Judiciário, do mercado financeiro, do setor produtivo.

Resistir a essas pressões é a essência do cargo, reconhecidamente o pior emprego do Brasil. Quando o ministro da Fazenda erra, as consequências afetam a vida de toda a sociedade. Quando acerta, não fez mais do que sua obrigação. É provável que isso explique por que o ministro diz não ter certeza de que quer continuar na Fazenda caso Lula seja reeleito.

Dito isso, seria de bom tom que o ministro fizesse um mea culpa sobre sua atuação nos últimos três anos, mas ele parece bastante satisfeito com o que fez. Na avaliação de Haddad, o arcabouço fiscal é a legislação mais avançada que o País já teve – a despeito de a dívida bruta na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) continuar em ascensão. Para ele, a meta fiscal será cumprida – ainda que em seu limite inferior e excluindo várias despesas da conta.

É difícil compreender a lógica do ministro. Gestada para ser uma bandeira eleitoral, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, na avaliação de Haddad, foi feita de forma equilibrada e inteligente, muito embora técnicos do Senado não concordem com os cálculos da Fazenda.

Até a descabida tarifa zero para o transporte público, que em outros tempos seria descartada de imediato por qualquer ministro da Fazenda, por sua absoluta inviabilidade, está em estudo. “O trabalho que eu estou fazendo, se terminar a tempo, vai ser publicizado, e cada candidato que se vire para assimilar ou não”, afirmou Haddad.

O saldo negativo entre receitas e despesas, que ocorre de maneira sistemática desde 2014, é uma das principais razões pelas quais a taxa básica de juros está em 15% ao ano. Para Haddad, no entanto, tudo vai bem. É revelador que o ministro tenha dito que a inflação aumentaria “apenas” 0,2 ponto porcentual se os juros estivessem em 12% ao ano.

Mais de 30 anos após o Plano Real, Haddad ainda acredita na balela de que é possível tolerar um pouco mais de inflação para estimular o crescimento. Ora, a meta de inflação é de 3% e foi ele mesmo quem a definiu, juntamente com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o então presidente do BC, Roberto Campos Neto.

E, se a inflação ainda não chegou à meta mesmo com a Selic a 15%, foi sobretudo porque o governo fez de tudo para impedir que isso acontecesse, ao apostar numa política fiscal expansionista, ao não apoiar reformas que cortem gastos de maneira estrutural, ao ampliar o crédito direcionado e ao alimentar incertezas quanto à estabilização da dívida pública, como descreveu o BC na ata da mais recente reunião do Copom.

Nada disso é obra do acaso. “Eu já falei que entreguei tudo aquilo que ele (Lula) encomendou. O que ele encomendou eu entreguei”, afirmou Haddad. Nisso, de fato, o ministro tem toda razão.

A guerra está voltando a Gaza

Por O Estado de S. Paulo

O cessar-fogo trouxe alívio, mas não paz. Gaza divide-se entre a ocupação e o terror, enquanto o Hamas se recompõe e o mundo adia decisões que poderiam evitar o retorno da guerra

Um mês após o início do cessar-fogo, Gaza parece suspensa entre o escombro e a espera. As bombas cessaram, mas não a violência que corrói o território. Nas ruas ainda cobertas de destroços, nas escolas transformadas em abrigos, nas listas de mortos sem fim, a sensação de alívio se mistura a um silêncio de exaustão. O que muitos celebram como o início da reconstrução assume cada vez mais as feições de um intervalo tático – um compasso de espera entre guerras.

A trégua produziu uma estranha geografia: metade de Gaza sob controle israelense, metade entregue de volta ao poder que a arruinou. Nesse vácuo político, nenhuma autoridade legítima se impôs. A “força internacional de estabilização” prometida pelos EUA continua apenas no papel. Israel se recusa a se retirar completamente. Os países árabes evitam qualquer compromisso militar. E a Autoridade Palestina segue desacreditada. O resultado é um território dividido, sem governo reconhecido nem forças capazes de garantir a segurança ou a reconstrução.

Enquanto diplomatas discutem mandatos e resoluções, o Hamas preenche o vazio. Sob o pretexto de restaurar a ordem, os terroristas reinstalaram postos de controle, impuseram taxas sobre bens básicos e retomaram a patrulha de bairros devastados. Seus agentes substituem governadores mortos, intimidam clãs rivais e executam dissidentes. Nos túneis ainda intactos, combatentes reorganizam arsenais. Gaza vive hoje sob uma ocupação dupla: a israelense, militar e parcial; e a islamista, pervasiva e subterrânea. A cada dia, o Hamas avança um pouco mais em direção ao mesmo domínio absoluto que levou o enclave à ruína.

O plano de paz do presidente dos EUA, Donald Trump, que parecia oferecer um caminho de saída, enfrenta agora sua prova mais difícil. Sua fase dois – retirada israelense, desarmamento do Hamas e implantação de uma força multinacional – está emparedada entre debates sem cronograma. A incerteza é o seu novo estado natural. Nenhum país quer enfrentar o Hamas em campo; poucos aceitam o risco político de patrulhar Gaza; e Israel rejeita devolver o território à Autoridade Palestina. A precariedade dessa arquitetura diplomática revela um paradoxo: quanto mais o mundo sonha com a “reconstrução”, mais o tempo consolida a divisão de fato entre uma “nova Gaza” sob tutela israelense e uma “velha Gaza” nas garras do terror. O otimismo inicial se dilui em fadiga e resignação. Na prática, já não se discute como construir a paz, mas como administrar o impasse.

Diante do bloqueio, surgem soluções cada vez mais ousadas – e controversas. Especialistas sugerem recorrer a empresas militares privadas para executar as tarefas que nenhum exército quer assumir: limpar túneis, desarmar milícias, proteger comboios de ajuda. A proposta tem méritos práticos, mas também riscos morais e políticos: transformar a reconstrução de Gaza num negócio de segurança terceirizada é um sintoma da exaustão internacional. Ainda assim, diante de um mundo que deseja a paz, mas reluta em garanti-la, essa talvez seja uma solução viável.

Longe dali, nas universidades, praças e redes sociais do Ocidente, parte da militância que se diz “pró-Palestina” celebra o cessar-fogo como vitória da “resistência”, ignorando que a mesma resistência que exaltam tiraniza o próprio povo palestino. O Hamas tortura dissidentes, rouba ajuda humanitária, extorque concidadãos e converte hospitais em prisões. Ainda assim, intelectuais e ativistas, sob o manto do “anticolonialismo”, oferecem ao grupo terrorista a absolvição moral que negam a Israel. É um humanismo pervertido, que subverte a solidariedade com os palestinos em cumplicidade com seus verdadeiros algozes.

Nada em Gaza hoje é estável. A trégua repousa sobre um terreno que afunda. A cada dia, os túneis se multiplicam, as armas reaparecem e a rede administrativa do Hamas se recompõe. A reconstrução não começou e o desarmamento não passou do discurso. O tempo trabalha contra a paz – e a favor do retorno da guerra. O mundo pode iludir-se com o silêncio das armas, mas esse silêncio não é paz: é, cada dia mais, o intervalo antes do próximo estrondo.

Rinha ideológica

Por O Estado de S. Paulo

Políticos e militantes se digladiam sobre aborto, enquanto o direito de meninas estupradas é desrespeitado

A Câmara dos Deputados aprovou, por 317 votos a 111, um decreto legislativo para sustar os efeitos de uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que pretendia facilitar o aborto legal para meninas menores de 14 anos vítimas de violência sexual. A votação é o mais recente capítulo de uma triste novela protagonizada por militantes, de esquerda e de direita, que colocam seus interesses políticos e ideológicos acima do bem-estar dessas crianças e do que diz a lei.

No final do ano passado, o Conanda editou a Resolução 258, destinada a garantir, “da forma mais célere possível e sem a imposição de barreiras sem previsão legal”, o aborto nos casos estabelecidos em lei, isto é, estupro e estupro de vulnerável (relação sexual com menores de 14 anos), risco de vida da gestante e anencefalia do feto. No entanto, o Conanda achou por bem definir que o aborto deve ser realizado mesmo sem a autorização dos pais da menina, caso a presença deles cause “danos físicos, mentais ou sociais à criança ou adolescente”. Para isso, basta que o profissional de saúde ateste que a grávida tem “capacidade de tomada de decisão”.

Trata-se de uma resolução absurda. Em primeiro lugar, o Conanda invadiu as competências do Congresso ao legislar sobre o assunto. Além disso, a resolução destitui o poder familiar, previsto no Código Civil, ao atribuir à criança a decisão sobre o aborto. Por tudo isso, os integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Conanda votaram contra, mas foram vencidos pela militância de esquerda, majoritária no conselho.

A reação do campo conservador não tardou, e se materializou afinal no decreto legislativo aprovado agora. Nem havia necessidade do tal decreto, porque a resolução do Conanda, a rigor, não tinha força vinculante, isto é, nenhum órgão estatal, na prática, era obrigado a cumpri-la. Mesmo assim, a oposição aproveitou o ensejo para reafirmar sua posição contrária ao aborto – nesta ou em qualquer outra circunstância.

Ocorre que o Código Penal é claro ao tipificar o sexo com meninas com menos de 14 anos de idade como crime de estupro de vulnerável. E, desde 1940, esse mesmo código autoriza o aborto em caso de estupro e de risco de morte da gestante. Entrou nesse rol a gestação de anencéfalos, por decisão do Supremo Tribunal Federal. Portanto, o procedimento é legal há décadas.

Infelizmente, contudo, multiplicam-se casos de meninas que enfrentam entraves para conseguir realizar o procedimento, numa flagrante violação não só da lei, mas também da Constituição, que prevê a proteção ao menor como uma “absoluta prioridade”.

Ao poder público cabe apenas o cumprimento dos dispositivos legais que nunca foram alterados nem revogados. Ou seja, sempre que requisitado por uma vítima, o Estado tem o dever de promover a realização do aborto legal de forma segura. E, se esse direito ainda não se efetivou plenamente, é porque as autoridades do Congresso e do Executivo e a militância ideológica não conseguem colocar os interesses das crianças estupradas acima dos seus.

Fraude no INSS não pode virar pizza

Por Correio Braziliense

A corrupção no INSS não é acidente administrativo: é modelo de negócio, explorado há anos por grupos que se aproveitam de brechas legais, fragilidade tecnológica e falta de controle interno

O avanço da Operação Sem Desconto desmonta qualquer tentativa de minimizar a maior fraude da história recente contra aposentados e pensionistas. A prisão preventiva de Alessandro Stefanutto, que presidiu o INSS entre julho de 2023 e abril deste ano, expõe uma teia de corrupção entranhada na autarquia responsável por proteger os mais vulneráveis e revela que o esquema tinha comando, método e grande ambição.

Stefanutto foi exonerado após as primeiras fases da operação revelarem fragilidades graves no sistema de autorizações de descontos e indícios de relações irregulares entre o INSS e entidades, especialmente a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer). Agora, as investigações mostram que ele não era apenas um gestor omisso: segundo a PF, era beneficiário direto do esquema. Documentos e quebras de sigilo apontam que recebia até R$ 250 mil mensais em propina, utilizando empresas de fachada para lavar o dinheiro: uma imobiliária, um escritório de advocacia e, parece até piada pronta, uma pizzaria. 

Nos apontamentos do esquema, era tratado pelo codinome "Italiano"; a maior parte dos pagamentos teria ocorrido entre junho de 2023 e setembro de 2024. "Ficou claro que, em troca de sua influência, Stefanutto recebia propinas recorrentes. O valor mensal aumentou significativamente para R$ 250 mil após assumir a presidência do INSS. Seus pagamentos provinham diretamente do escoamento da fraude em massa da Conafer", revela a Polícia Federal (PF). Impressionante como interesses privados corroeram um órgão público com relevante impacto social.

Politicamente, o caso tem peso explosivo. O governo tentará argumentar que foi diligente ao permitir que a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) avançassem. Mas paira a dúvida incômoda: como alguém acusado de participação tão ativa em um esquema bilionário assumiu a presidência do INSS? A oposição, previsivelmente, usará o episódio para reavivar a mancha da corrupção. Mas tampouco está imune: o caso também alcançou o ex-ministro e ex-presidente do INSS no governo Bolsonaro, José Carlos Oliveira, agora obrigado a usar tornozeleira eletrônica.

A verdade é que o Estado brasileiro se tornou vulnerável a redes criminosas que se moldam aos governos, mesmo que não pertençam a nenhum deles. A fraude nos descontos, que arrancava dinheiro diretamente dos benefícios de idosos, viúvas e trabalhadores aposentados, é sintoma de um sistema capturado por terceiros. É por isso que esse escândalo não pode virar pizza. Não pode se perder na disputa narrativa entre governo e oposição, nem ser reduzido a um "caso de polícia".

É preciso responsabilização severa, reforma profunda dos mecanismos de autorização de descontos e revisão das parcerias com entidades privadas. O eleitorado — especialmente os milhões de brasileiros que dependem do INSS — está atento. E a democracia não aguenta mais ver a máquina pública tratada como balcão de negócios. O país exige respostas — e justiça.

A corrupção no INSS não é acidente administrativo: é modelo de negócio, explorado há anos por grupos que se aproveitam de brechas legais, fragilidade tecnológica e falta de controle interno. A captura do Estado — subterrânea, difusa, persistente — só será interrompida com reforma estrutural, transparência radical e responsabilização real.

A apuração deve alcançar todos os envolvidos, independentemente de filiação partidária ou posição hierárquica. Milhões de brasileiros que contribuíram a vida inteira para ter uma renda digna no fim da vida merecem algo mais do que indignação seletiva. O país exige que a justiça seja feita — sem atalhos, sem desculpas, sem pizza.

A força da solidariedade

Por O Povo (CE)

O que esses heróis anônimos fizeram agora para salvar mulheres e crianças, do incêndio no hospital César Cals, honra a memória de João Nogueira Jucá, e é um apelo à compreensão entre os seres humanos

O incêndio acontecido na quinta-feira em uma subestação de energia no Hospital César Cals (HGCC), que felizmente não deixou vítimas, teve o poder de trazer à tona o melhor das pessoas. Em uma realidade "polarizada" em que tudo se torna motivo para polêmicas, divergências e agressões, dezenas de pessoas comuns se uniram em uma corrente solidária para socorrer quem estava em perigo e salvar vidas.

Foi um esforço coletivo, quando cada um se preocupava em encontrar o melhor meio de prestar socorro, ninguém perguntou sobre o time ou partido de preferência de quem estava ao seu lado para ajudar, ou a ideologia de quem se encontrava em perigo: o objetivo comum era proteger um semelhante na hora do desespero.

Quando a subestação explodiu, deixando o hospital sem eletricidade, desligando aparelhos e respiradouros, com risco de o incêndio se espalhar por todo o prédio, 117 bebês e 153 mulheres, gestantes e puérperas estavam internadas, e precisavam ser removidos. Recém-nascidos que estavam na UTI neonatal foram retirados dentro das incubadoras, recebendo os primeiros socorros no Beco da Poeira, um centro de comércio popular no centro de Fortaleza.

O repórter do O POVO, Kleber Carvalho, anotou que "umas das cenas mais marcantes" que ele presenciou foi a mobilização dos comerciantes e vendedores que "correram para ajudar". Houve movimentação em busca de tomadas para ligar provisoriamente as incubadoras e aparelhos de oxigênio para manter os bebês respirando e, ainda, preocupação em oferecer algum tipo de conforto às grávidas, como arranjar lugares para que pudesses ficar sentadas.

Louve-se também o trabalho do Corpo de Bombeiros — que extinguiu o incêndio em 15 minutos —, dos servidores e profissionais de saúde do HGCC e do Samu, que agiram com rapidez para resgatar e acomodar os pacientes em outros hospitais.

O incidente fez lembrar uma tragédia ocorrida no ano de 1959 no mesmo hospital, quando um incêndio provocou a morte de 25 pessoas. Haveria ainda mais vítimas não fosse a iniciativa corajosa de um então jovem estudante de 17 anos, João Nogueira Jucá. Ele enfrentou as chamas, salvando diversos pacientes do incêndio. Mas seu ato de heroísmo custou-lhe a vida. Atingindo gravemente pelo fogo, ele não resistiu aos ferimentos, morrendo no dia 11 de agosto de 1959. Em homenagem a Jucá, a data de sua morte foi instituída como o Dia do Estudante no Ceará, e o Corpo de Bombeiros criou uma medalha com o nome dele, a maior honraria da instituição, que reconhece "atos de bravura, abnegação e heroísmo".

O que esses heróis anônimos, gente simples, fizeram agora para salvar mulheres e crianças, honra a memória de João Nogueira Jucá, e é um apelo à solidariedade entre os seres humanos.

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