quinta-feira, 13 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Politização não pode prejudicar combate a facções

Por O Globo

Projeto contra crime organizado deve ser encarado como política de Estado, não como fonte de dividendo eleitoral

Não resta dúvida de que o Projeto de Lei (PL) Antifacção que tramita no Congresso é vital para a sociedade brasileira. Por isso tem sido lamentável e deletéria a politização que cerca a proposta, com oposição e governo medindo forças em busca de dividendos eleitorais. Nem todas as desavenças foram superadas, mas é essencial que sejam.

A tramitação começou mal, quando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escolheu para relatar o projeto o deputado linha-dura Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança licenciado de São Paulo. Era previsível que a escolha acirrasse os ânimos. As primeiras versões propostas por Derrite continham equívocos, como a tentativa de equiparar facções criminosas a grupos terroristas e de engessar a autonomia da Polícia Federal (PF). A reação do Planalto foi descabida. Representantes do Executivo cogitaram até recorrer ao Supremo. Governo e oposição se esgrimiam para as respectivas claques nas redes sociais, esquecendo que o inimigo é outro. Motta e Derrite apresentaram uma versão corrigindo as principais distorções, mais próxima da proposta original, mas o Planalto continuou insatisfeito.

No geral, o PL preserva autonomia e atribuições da PF, não altera a Lei Antiterrorismo, não equipara facções a grupos terroristas, aumenta penas para crimes cometidos por organizações criminosas e unifica bancos de dados estaduais e nacionais. Tudo isso representa avanço. Para o governo, porém, havia sobreposição com outras leis; corte de recursos da PF e problemas no confisco de bens. Derrite apresentou outra versão do texto tentando levar isso em conta— e a votação foi adiada.

É imperativo adaptar a legislação a uma realidade aterradora, em que o crime organizado se expande pelo território nacional com poderio bélico e sofisticação militar crescentes. Pelo menos 64 facções atuam no Brasil. Dados da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) mostram que três delas têm abrangência nacional e 31 afetam a segurança de um estado inteiro.

A lei em vigor não oferece ao Estado os instrumentos adequados para combater tais grupos com eficácia. É preciso integrar e alinhar todas as forças de segurança no combate ao crime organizado; usar inteligência e capacidade de investigação para asfixiar financeiramente as quadrilhas; reprimir a lavagem de dinheiro e a infiltração no mercado formal; garantir bloqueio e confisco ágeis dos bens obtidos com o crime e revertê-los aos cofres do Estado; retomar os territórios ocupados pelas facções com ação em conjunto das forças da lei; e lá assegurar policiamento e a prestação contínua de serviços públicos como escolas, centros esportivos e culturais, bancos ou correios.

Diante dessa realidade, é uma lástima que projeto de tamanha importância para o Brasil tenha provocado tanta celeuma, servindo de ringue para oposição e governo travarem disputas com vista a 2026. Espera-se que doravante o interesse da sociedade não fique em segundo plano. A lei contra facções deve ser encarada como projeto de Estado, e não como trampolim para disputas eleitoreiras. As propostas precisam ser discutidas do ponto de vista técnico, sem contaminação ideológica. Não é tão difícil obter consenso nessa área prioritária, hoje maior preocupação dos brasileiros. Congresso e governo têm uma oportunidade ímpar de dar uma contribuição inestimável ao Brasil. Não podem desperdiçá-la.

Lula precisa vetar prorrogação dos subsídios às usinas a carvão

Por  O Globo

Não há justificativa técnica, econômica, social ou ambiental para manter esses incentivos

É urgente que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva corrija o erro mais flagrante cometido pelo Congresso com a aprovação da Medida Provisória 1.304: a prorrogação dos incentivos às usinas termelétricas a carvão até 2040. Não há justificativa técnica, econômica, social ou ambiental para manter os subsídios. O carvão não atende às necessidades do sistema elétrico brasileiro, é caro, aumentará ainda mais o preço da conta paga pelo consumidor e é a fonte de geração que mais emite gases de efeito estufa. Que os parlamentares tenham fechado os ouvidos a todas essas evidências já é preocupante. Se Lula não usar sua prerrogativa de vetar esse descalabro, será desastroso.

No Brasil não falta energia. Nos últimos dez anos, a capacidade instalada de geração elétrica deu um salto de 95,5GW para 236GW. O aumento se deu quase todo (97%) por meio de fontes renováveis, principalmente energia eólica e solar. Em 2015, o Brasil já era destaque na participação dos renováveis na geração elétrica, com 74%. Hoje esse percentual está em 88%. Nos Estados Unidos é 21%, na China 24% e na Europa 38%. Na corrida da transição energética em busca do corte de emissões de gases, o Brasil é exemplo para o mundo. Não há razão para manchar essa trajetória dando subsídios ao carvão.

O avanço das fontes alternativas não ocorreu sem problemas. O segmento também é ávido defensor de benefícios, pagos pelos consumidores. A energia eólica e solar tem exercido pressão sobre a segurança e a confiança no sistema. Como essa eletricidade é intermitente, pois depende de sol e vento, é preciso dar respostas rápidas à interrupção ou ao excesso de geração. Ciente disso, o lobby do carvão convenceu o Congresso de que suas termelétricas são, junto às hidrelétricas e às térmicas a gás, parte dessa resposta. Esqueceu que as usinas a carvão precisam de nove a 12 horas para começar a injetar energia na rede. Quando estiverem prontas, o sol já estará perto de nascer. É caro não apenas ao meio ambiente, mas para o bolso do consumidor também.

Os subsídios ao carvão somaram cerca de R$ 11,5 bilhões de 2013 a 2024, de acordo com cálculos do Instituto Internacional Arayara revelados pelo blog da jornalista Míriam Leitão no GLOBO. Com a manutenção até 2040, o total ficará entre R$ 76 bilhões e R$ 107,7 bilhões. O valor mais baixo corresponde a um cenário de operação parcial, o mais alto ao funcionamento pleno. Não entra nessa conta o custo dos passivos e da contaminação ambiental. “Estimamos que só para Santa Catarina esse custo seria de R$ 20 bilhões. Para o Rio Grande do Sul, nossa projeção é de outros R$ 5 bilhões”, diz John Wurdig, gerente de Transição Energética do Arayara. A Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS) questiona o cálculo, mas não apresenta uma estimativa satisfatória. O mundo todo precisa com urgência parar de gerar energia a carvão. Lula deve vetar a extensão dos incentivos sem medo de errar.

Mais petróleo e mais calor à vista

Por Folha de S. Paulo

Meta do Acordo de Paris dificilmente será cumprida, diz relatório; é preciso aliar transição e economia

No caso do Brasil, que sedia a COP30, o governo Lula reduziu o desmatamento, mas mira petróleo com perfuração na Foz do Amazonas

Relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) divulgado nesta quarta (12) mostra novo panorama preocupante para demanda por petróleo, emissões de carbono e a meta do Acordo de Paris —manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C até o 2100, preferencialmente até 1,5ºC.

Os dados evidenciam que o teto do acordo provavelmente não será cumprido e a necessidade de tirar do papel os planos de combate ao aquecimento global para que o mundo consiga ao menos se aproximar mais dele.

O relatório World Energy Outlook é publicado anualmente e apresenta três tipos de cenários.

São eles o de políticas atuais, que leva em conta só as já implementadas; o de políticas declaradas, que inclui compromissos anunciados oficialmente; e o chamado net zero, compatível com a meta do Acordo de Paris —ambição máxima que exige mudanças estruturais profundas.

O primeiro foi excluído do relatório em 2020 após ambientalistas alegarem que ele desconsideraria o crescimento de fontes de energia renováveis.

A retirada foi criticada pelo Comitê sobre Energia e Comércio da Câmara dos Estados Unidos ainda na gestão de Joe Biden, e seu retorno foi comemorado por Donald Trump e pelo setor petrolífero porque seria um cenário mais realista. E a realidade é sombria.

Segundo a projeção de políticas declaradas, a demanda por petróleo sairia de 100 milhões de barris por dia (mb/d) em 2024, atingiria o pico em 2030, com 102 mb/d, e a partir daí começaria cair, com estabilização e depois leve redução das emissões de CO2. A temperatura média global aumentaria em 2,5ºC até o fim do século.

Já com as políticas atuais, a demanda por petróleo subiria até 2050, alcançando 113 mb/d, acompanhada por alta nas emissões de carbono. O aquecimento chegaria a cerca de 3ºC em 2100.

Em ambos os cenários, pois, não é cumprida a meta preferencial do Acordo de Paris. É preciso esforço hercúleo dos países signatários para implementar de fato seus planos de contenção —diminuir o preconceito em relação à energia nuclear também é imperativo, dado se tratar de uma matriz limpa com elevadíssima capacidade produtiva.

No caso do Brasil, que sedia a COP30 em Belém, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu reduzir o desmatamento —a principal fonte de emissões do país— no maior captador de carbono do mundo, a floresta amazônica. Ainda mira, contudo, a produção de petróleo com perfuração por ora exploratória na bacia da Foz do Amazonas.

Além de políticas tímidas, o relatório da AIE também aponta aumento contínuo da demanda por eletricidade, principalmente em países emergentes, devido ao crescimento econômico. O desafio é, portanto, equalizar a transição energética com a manutenção do desenvolvimento —afinal, a pobreza piora ainda mais os impactos da mudança climática sobre as sociedades.

Congresso está atrasado na regulação do lobby

Por Folha de S. Paulo

OCDE recomenda que país estabeleça limites na relação de governantes e legisladores com grupos de pressão

Atividade, legítima, pode descambar para corrupção; sistema político fragmentado é vulnerável a interesses de setores bem articulados

Pesquisa realizada em 2023 pela organização Latinobarômetro apontou que, para 54,2% dos brasileiros, o país é governado por alguns grupos poderosos em benefício próprio, enquanto 40,9% acreditam que é governado para o bem de todos. A percepção da maioria pode ser exagerada, mas certamente tem base em problemas reais.

A vergonhosa desigualdade social, uma das mais acentuadas no mundo, também se reflete em acesso à informação, capacidade de associação e influência direta sobre governantes e legisladores —muito maiores para quem dispõe de renda e educação.

Além disso, um sistema político fragmentado, com uma miríade de partidos de escassa consistência programática, é vulnerável a interesses de setores bem articulados, como o Congresso Nacional demonstra com frequência.

Reduzir a disparidade social e aperfeiçoar o sistema político são tarefas para prazos longos —e o país ostenta melhoras nas duas frentes, ainda que lentas, nos últimos anos. De imediato, porém, seria possível e desejável estabelecer maior transparência e limites na relação entre grupos de interesse e o poder público.

É o que defende corretamente a OCDE, organização que reúne as nações mais desenvolvidas, em relatório que recomenda a regulamentação da atividade de lobby no Brasil, uma pauta há décadas empurrada com a barriga pelos legisladores nacionais.

A própria palavra adquiriu uma conotação indevida por aqui. Trata-se de prática não apenas legal e legítima como essencial em regimes democráticos —é direito de qualquer cidadão apresentar demandas ao Estado, como reza a Constituição. É na opacidade que o lobby pode descambar para tráfico de influência e corrupção.

Foram diversas as tentativas de regulamentação. Em 2022, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar, com alterações, proposta do governo Jair Bolsonaro (PL) baseada em diretrizes da OCDE. O texto, hoje no Senado, estabelece obrigações para a divulgação de encontros entre autoridades e lobistas, além de limites para trocas de favores e presentes, entre outras providências.

Ao longo da tramitação, o projeto tem tido brechas e deficiências apontadas por especialistas. É evidente, ademais, que mesmo uma lei bem redigida não será panaceia contra relações espúrias entre o público e o privado.

Entretanto não há por que não avançar rumo a mais clareza e prestação de contas, à luz da experiência internacional. Os políticos brasileiros merecerão mais crédito dos eleitores se superarem esse atraso legislativo.

Núcleos indicam queda consistente da inflação

Por Valor Econômico

A ata da mais recente reunião do Copom vislumbra uma trajetória de arrefecimento dos aumentos de preços para perto da meta de 3%

A inflação começou a cair de forma consistente e pode permitir, em um par de meses ou pouco mais, que os juros, os mais altos desde 2006, possam ser reduzidos. A ata da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) teve um tom muito diferente da anterior, e nela se vislumbra uma trajetória de arrefecimento dos aumentos de preços que pode conduzir o IPCA para perto da meta de 3%. Mesmo com uma taxa Selic muito elevada, de juros reais perto de 10%, isso não é algo garantido. Desde o Plano Real a inflação só ficou próxima de 3% duas vezes: em 2017 (2,95%) e em 2006 (3,14%).

O sinal mais promissor, ainda que com ressalvas, veio do IPCA de outubro, de 0,09%, que ficou abaixo das previsões dos analistas. Em 12 meses, ele variou 4,68% e aproxima-se do teto de 4,5%, sob o qual poderá voltar a abrigar-se neste ano. A exceção tem sido o setor de serviços, com variação acima de 6% no ano, impulsionado por um mercado de trabalho em pleno emprego e por salários com ganhos reais de 3% a 4%. No ano, a alimentação permitiu a melhoria mais relevante do índice. Havia previsões de que seus preços subiriam mais de 7% no ano, mas até outubro eles evoluíram 2,68% e devem fechar 2025 um pouco acima de 3%.

A ata do Copom não menciona, como na da reunião de setembro, que “os núcleos de inflação têm se mantido acima do valor compatível com o atingimento da meta há meses”. Eles agora, de fato, estão muito mais comportados. Com o número de outubro, o IPCA é de 3,3%, pela média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada. A média dos cinco núcleos acompanhados pelo Banco Central, segundo cálculos da 4intelligence, é de 3,9%, pela primeira vez abaixo de 4% no ano. Há uma série de indicadores promissores por essa métrica.

Os preços livres caíram pela metade desde maio, de 5,4% para 2,7% em outubro. Os bens duráveis apresentam deflação há quatro meses. A alimentação, que em maio tinha índice de 6,1%, reduziu-se a 0,8% agora. Os bens comercializáveis, favorecidos pela valorização do real, variam 0,3%, ante 4,8% em maio. Os produtos industriais, por essa média móvel, avançam 1,8%.

O outro lado da moeda é o setor de serviços, que ainda corre a uma velocidade de 5,6%, embora já tenha encostado em 7% em alguns meses anteriores. É nesse setor que os efeitos do aquecimento do mercado de trabalho e dos salários podem ser melhor observados. Serviços subjacentes, os que mais respondem ao ciclo econômico, sobem 4,4% na média móvel anualizada. Se em seu cálculo se excluem os empregados domésticos, a variação é de 9,3%, ante 7,6% no mês anterior. Os serviços intensivos em trabalho aumentaram de 6% em setembro para 7,2%, a maior taxa em seis meses, e os serviços diversos, de 5,2% para 5,5%, pelas contas da 4intelligence.

A variação do IPCA no trimestre, de apenas 0,46%, foi uma das menores desde 2021 (perde apenas para a sequência deflacionária de três meses no segundo semestre de 2023), segundo a série do IBGE. Em um semestre, o IPCA acumula alta de apenas 1,23%. A desinflação permitiu ao BC afirmar na ata que já havia uma “trajetória de moderação” na inflação cheia e em suas medidas subjacentes, e não apenas “algum arrefecimento”, como no documento de setembro. Apesar de as expectativas de inflação permanecerem acima da meta de inflação “em todos os horizontes”, elas agora “seguiram trajetória de declínio”, o que não ocorrera até a reunião anterior, quando compunham tão somente um “cenário adverso”.

O BC fez uma estimativa dos impactos sobre a inflação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, embora não tenha revelado seus cálculos. Mesmo com cerca de R$ 30 bilhões que serão injetados na economia em 2026 com a medida, a inflação cai a 3,3% no segundo trimestre de 2027, para o qual o BC está calibrando a dose de aperto monetário. Na ata anterior, o índice era de 3,4% para o primeiro trimestre daquele ano. A ata registra, pela primeira vez em muito tempo, que “a queda das expectativas segue mais concentrada nos horizontes mais curtos, mas observou-se movimento agora mais nítido em horizontes além do relevante”.

Com toda essa evolução do cenário, o BC está confiante de que a taxa de juros corrente será suficiente para garantir a convergência da inflação à meta, desde que se tenha “perseverança, firmeza e serenidade”. O diagnóstico de manutenção de uma política monetária contracionista por um período bastante prolongado segue em vigor, mas o BC com suas observações indica que já se encaminha para a mudança no ciclo de aperto, em janeiro ou março, meses que dividem as principais previsões dos economistas e analistas de mercado.

Há, porém, perigos à vista, e o ativismo do Planalto em estimular a economia sem necessidade é o maior deles. O câmbio dificilmente jogará papel tão favorável em 2026 como agora e a próxima safra pode não ser tão generosa quanto a atual, que fez os preços dos alimentos desabarem. Mas a perspectiva de queda inflacionária é real e permite um cenário otimista, já vivido, por exemplo, na sequência de 15 altas sucessivas na bolsa de valores.

Fim da Cracolândia é triunfo da cidadania

Por O Estado de S. Paulo

Ação coordenada da Prefeitura e do governo do Estado, unindo repressão ao tráfico e atendimento médico e social, parece finalmente ter acabado com uma das maiores chagas sociais de SP

A Cracolândia, como cena aberta e permanente de consumo de drogas no centro de São Paulo, acabou. Aquele cenário deplorável que por muitos anos degradou uma das regiões mais importantes da cidade – com milhares de dependentes químicos vagando à mercê da exploração de sua miséria física e psíquica por criminosos – parece ter ficado no passado. A transformação é visível, como este jornal verificou em recente reportagem. O que hoje se vê nas ruas outrora tomadas pelo chamado “fluxo” é outra realidade – resultado, deve-se reconhecer e aplaudir, de ações firmes e coordenadas do governo do Estado e da prefeitura da capital paulista.

Isso não é obra do acaso, mas de políticas públicas bem executadas. Em maio, o fluxo de usuários simplesmente sumiu da Rua dos Protestantes. A súbita ausência dos dependentes químicos surpreendeu moradores e comerciantes da região, acostumados à rotina de medo, sujeira e desordem. Desde então, o que restou foram pequenos grupos de dependentes dispersos, cuja eventual aglomeração é rapidamente desfeita pela polícia a partir do monitoramento das câmeras de segurança dos programas Smart Sampa (do Município) e Muralha Paulista (do Estado). E, de todo modo, essa situação não é nada remotamente comparável à massa humana que ocupava quarteirões inteiros da Rua Helvétia e da Praça Princesa Isabel, entre outros logradouros.

Isso atesta o acerto da estratégia do governador Tarcísio de Freitas e do prefeito Ricardo Nunes, que combinou firmeza policial e acolhimento médico-social – uma abordagem multidisciplinar que, à luz dos fatos, é inédita em São Paulo. O resultado é visível, seja na paisagem urbana, seja nos dados. De acordo com o governo paulista, a maioria dos usuários que integravam o antigo fluxo está internada para tratamento de reabilitação em hospitais especializados ou faz parte de comunidades terapêuticas.

Mas não resta dúvida de que o fator decisivo para o fim da Cracolândia foi a ação policial de inteligência e repressão ao tráfico de drogas. A Cracolândia nunca foi apenas uma questão social. Era, antes de tudo, um mercado de drogas ao ar livre controlado a ferro e fogo pelo PCC. Recentes operações policiais e do Ministério Público enfraqueceram o domínio da facção no Centro, especialmente na Favela do Moinho, tida como espécie de base logística para o tráfico local. Sem a presença ostensiva de traficantes, a oferta de drogas caiu e o fluxo, privado de seu principal insumo, se desfez.

Mas o aparente sucesso dessa nova política não se limita à repressão. A diferença, desta vez, é que o Estado não se limitou a “limpar” a área. Empenhou-se no tratamento dos cidadãos em flagrante estado de vulnerabilidade, que deixaram de ser vistos como caso de polícia e passaram a ser atendidos como pacientes em sofrimento. O Hub de Cuidados – espaço de acolhimento e encaminhamento instalado na região central – tornou-se o símbolo desta nova gestão, tendo direcionado apenas este ano cerca de 180 pessoas por semana, em média, para os centros de atenção da Prefeitura.

A percepção de mudança é compartilhada por quem vive no entorno do que foi a Cracolândia. “Não existe mais aquela aglomeração sem controle, a gente não podia circular por várias ruas”, disse Iézio Silva, presidente da Associação de Moradores Campos Elísios Melhor, ao Estadão. Depois de tantos anos de abandono, a percepção de segurança começa a voltar à região central de São Paulo. Mais do que isso: os que lá vivem ou trabalham voltaram a se sentir cidadãos dignos da atenção do poder público.

A Defensoria Pública, por sua vez, manifestou preocupação com a continuidade do atendimento aos dependentes químicos, agora espalhados por diferentes pontos da cidade. A instituição argumenta que o rompimento de “vínculos estabelecidos” entre assistentes sociais e usuários pode comprometer a reabilitação. É uma ponderação válida, mas que não deve ofuscar o essencial: a Cracolândia, tal como existia, era uma infâmia – um retrato vergonhoso da ausência do Estado numa porção de seu território exposta à exploração da miséria humana pelo crime organizado.

Galípolo puxa o freio de mão

Por O Estado de S. Paulo

A despeito da pressão do governo e da ansiedade do mercado, declarações do presidente do BC reforçam que a missão de levar a inflação ao centro da meta ainda não está cumprida

O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, aproveitou a divulgação do Relatório de Estabilidade Financeira do BC para reiterar as razões pelas quais o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa básica de juros em 15% ao ano na reunião da semana passada. A explicação não poderia ser mais simples: as expectativas para a inflação continuam acima da meta de 3%. Em outros tempos, isso seria suficiente para justificar a decisão do Copom, mas é oportuno reforçar o óbvio no momento em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva aumenta a pressão sobre a instituição.

O trabalho do BC fica ainda mais desafiador em momentos como o atual. Nesta semana, o IBGE divulgou que o IPCA atingiu 0,09% em outubro – a menor taxa para o mês em 27 anos –, desacelerou para 4,68% no acumulado de 12 meses e caminha para encerrar o ano dentro do intervalo de tolerância, de 4,5%.

Para o governo, que tem sua própria meta a cumprir e se contenta em alcançar seu piso, em vez do centro, é motivo mais que suficiente para que os juros sejam reduzidos. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, avalia que o Banco Central já deveria ter começado a reduzir os juros. Afinal, a Selic, no nível em que está, desestimula os investimentos, a arrecadação, o crédito e, em última instância, o crescimento econômico – um estorvo para um governo que tentará a reeleição no ano que vem.

Diferentemente do que pensa o Executivo, o cenário atual tampouco é confortável para o mercado. De um lado, é difícil oferecer produtos financeiros capazes de competir com a remuneração e a segurança dos títulos do Tesouro Nacional. De outro, a ausência de sinalizações futuras sobre os próximos passos do Copom faz com que documentos como a ata sejam analisados com lupa, na busca de um sinal de fumaça que aponte quando o ciclo de redução da Selic poderá ser iniciado.

Embora tenha explicitado que os juros seriam mantidos em 15% por um período “bastante prolongado” tanto no comunicado quanto na ata, pesou mais um trecho do documento segundo o qual uma estimativa preliminar do impacto da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais havia sido incorporada ao cenário econômico com o qual o BC trabalha.

A informação foi interpretada como uma janela aberta para o corte de juros no primeiro trimestre. Das 34 instituições consultadas pelo Projeções Broadcast após a divulgação da ata, 17 apostavam numa queda na reunião do Copom de março e 12 previam que ela ocorresse ainda em janeiro.

Nesse sentido, as declarações de Galípolo no dia seguinte foram importantes para reforçar que a missão, aos olhos do BC, todavia não está cumprida. De forma clara e taxativa, ele negou que o BC tenha dado qualquer sinal sobre seus passos futuros nos comunicados oficiais, corroborou mensagens que já estavam no documento, como a preocupação com o comportamento do mercado de trabalho, e disse que “todo mundo pode brigar com o BC, mas o BC não pode brigar com os dados”.

De fato, mesmo dados positivos à primeira vista devem ser analisados com cuidado. Não fosse o alívio das tarifas de energia elétrica, que continuam com a bandeira vermelha, mas agora no patamar 1, o IPCA de outubro teria subido 0,20%, e não apenas 0,09%. Os serviços subiram 0,6% em setembro e alcançaram patamar recorde, segundo o IBGE. No ano, o setor acumula alta de 2,8% e, em 12 meses, de 3,1%.

Mais importante que o passado, no entanto, é o horizonte futuro, e de forma mais específica o segundo trimestre de 2027, cuja projeção para a inflação, segundo o boletim Focus, está em 3,3%, acima, portanto, do centro da meta.

Mas, se tudo caminhar como o BC espera, é bem possível que a Selic comece a cair em 2026, já que a instituição enxerga uma moderação no crescimento econômico em curso, alguma diminuição na inflação corrente e um certo recuo nas expectativas, a despeito de todas as medidas fiscais e parafiscais a que o governo recorreu desde a posse e mesmo antes dela.

Basta que o presidente Lula tenha um pouco mais de paciência para ficar com os louros eleitorais de uma inflação baixa e controlada.

Cada um no seu quadrado

Por O Estado de S. Paulo

Atuação de Moraes no caso da operação policial no Rio extrapola as atribuições do Judiciário

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes parece decidido a atuar como uma espécie de corregedor de polícia, na condição de relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a chamada ADPF das Favelas.

Moraes determinou que o governo do Rio detalhasse o planejamento da recente operação policial nos Complexos da Penha e do Alemão que deixou 121 mortos, incluindo 4 policiais; exigiu o envio, ao STF, de provas, relatórios de inteligência que embasaram a ação e laudos necroscópicos; e ordenou a suspensão de uma investigação da Polícia Civil fluminense sobre o traslado irregular dos corpos e deu prazo de 48 horas para que o delegado responsável prestasse informações a seu gabinete. Moraes ainda interveio em uma decisão do Conselho Nacional do Ministério Público para anular a decisão de uma conselheira que havia resguardado a competência do Ministério Público do Rio – acusado de “não ter independência” para atuar no caso por ter participado do planejamento da operação, como se o parquet fosse um monólito.

Na superfície, essa incrível sucessão de decisões pode parecer zelo. Na verdade, é mais um avanço indevido de Moraes sobre competências alheias. À luz da Constituição, o controle externo da atividade policial cabe ao Ministério Público, não ao Judiciário. O comando e o planejamento das operações cabem ao Executivo estadual. O processo e julgamento dos policiais que eventualmente tenham descumprido a lei no exercício do dever cabe ao Tribunal de Justiça do Estado. Portanto, o voluntarismo de Moraes desfigura a separação de Poderes e subverte o pacto federativo.

Não há dúvida de que a atividade policial, sobretudo incursões que resultam em morte, tem de ser investigada com todo o rigor. O País não pode naturalizar torturas, abusos de toda sorte e execuções sumárias praticados por policiais treinados e armados para agir dentro da lei em nome do Estado, como legítimo detentor do monopólio da violência. O problema não está, portanto, no escrutínio das ações policiais, mas em quem o realiza e de que forma. O Estado de Direito se enfraquece quando um ministro do STF concentra funções típicas do Executivo e do Ministério Público. Ainda que se presuma que Moraes esteja bem-intencionado, suas decisões recendem a arbítrio, o que é sempre nocivo.

A República pressupõe a distribuição de papéis e responsabilidades justamente para impedir a concentração de poder. Quando um ministro do STF assume funções que devem ser exercidas por outros atores institucionais, esse pilar do regime republicano desmorona. A democracia não se fortalece pela ação solitária de servidores públicos, mas pelo respeito de cada Poder às suas limitações. O zelo com os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e com a legalidade das operações policiais deve ser exigido e fiscalizado, sim, mas dentro dos marcos institucionais vigentes. Quando a vontade individual de um ministro se sobrepõe a esse arranjo, não se está corrigindo eventuais abusos, mas criando outros.

Brasileiros sentem na pele as mudanças climáticas

Por Correio Braziliense

Sobram evidências de que as mudanças climáticas não são obra de ficção, ainda que existam vozes insistindo em leituras contrárias

Hoje, sobram evidências de que as mudanças climáticas não são obra de ficção, ainda que existam vozes insistindo em leituras contrárias. Os negacionistas, provavelmente, não escapam da crise, também sentem na pele os efeitos desse desequilíbrio ambiental. Basta considerar os números do Índice de Percepção de Mudanças no Clima (IPM-Clima), elaborado pela Quaest. Mais de nove em cada 10 brasileiros — 94%— relatam ter enfrentado esse problema nos últimos dois anos. O Distrito Federal segue a média nacional, com índice de 93,9%. 

Ondas de calor mais intensas (69%), secas prolongadas (42%), mudança no padrão das estações do ano (35%), geadas ou ondas de frio mais agudas (34%), incêndios florestais intensos (32%) e chuvas fora do normal (32%) foram os fenômenos mencionados pelos entrevistados. No caso da seca, o levantamento desperta um alerta ainda maior para o Centro-Oeste, que acumula 48% dos relatos. 

Como um alerta para a necessidade de o país enfrentar a questão, às vésperas do início da 30ª Conferência das Partes (COP30), em Belém, as cidades de Rio Bonito do Iguaçu, Guarapuava e Turvo, no Paraná, foram atingidos por temporais e ventos (tornados), com velocidade de até 300 km/h. Rio Bonito foi o município mais atingido: 90% das moradias foram destruídas, sete pessoas morreram e centenas ficaram feridas.

Definitivamente, não é o primeiro grande alerta ao país. A tragédia no interior do Paraná soma-se às enchentes que afetaram o Rio Grande Sul no ano passado, deixando um rastro de mais de 180 mortos e 96% das cidades gaúchas atingidas. O Amazonas, no primeiro semestre deste ano, também sofreu com os extremos. Em vez de temporais, vários rios caudalosos da Região Norte secaram, afetando vidas humanas e de animais, bem como a economia dos municípios. Uma calamidade que vem se repetindo  na Região Amazônica.

Cientistas e especialistas em crise climática têm, incansavelmente, alertado o mundo sobre a necessidade de rever o relacionamento humano com o planeta. Ainda há nações poderosas que se recusam a mudar seus projetos para a economia e para o patrimônio ambiental. Acima de tudo, estão propostas e iniciativas que saciam a ganância por mais riqueza, pouco ou nada importando a qualidade de vida dos seres humanos. 

Para os negacionistas, os alertas da ciência não passam de falácia dos estudiosos, e eles seguem com seus planos de intervenção fatal ao meio ambiente. Desprezam quaisquer possibilidades de fazer, por exemplo, uma transição, como a do uso de combustível fóssil, fonte de emissão de CO² na atmosfera — um dos principais elementos que alimentam o aquecimento global. 

Nova oportunidade de mudar esse roteiro se dá  agora, ao longo das duas semanas da COP30, no Pará. As dificuldades para um avanço são claras — até por conta da ausência dos Estados Unidos, um dos principais poluidores, no debate. Mas esse não é o único desafio. Ainda que haja urgência na mudança do relacionamento dos povos e dos governos com o planeta, as ações concretas, no Brasil, costumam ser marcadas pela morosidade ou esquecidas nos escaninhos dos poderes, deixando para o futuro providências que deveriam ser realidade no presente. Eis outra crise a ser enfrentada.

A caatinga no COP30

Por O Povo (CE)

O bioma é fundamental para o equilíbrio climático e está entre os mais eficientes do planeta na captura de carbono

Presente na COP30, o Banco do Nordeste (BNB) anunciou um aporte de R$ 50 milhões em recursos não reembolsáveis para financiar projeto de preservação e recuperação da caatinga. A informação está na edição de ontem, em reportagem da jornalista Carol Kossling, que cobre o evento em Belém.

Esses recursos do BNB somam-se a dois outros editais lançados este ano com o mesmo propósito: o Fundo de Sustentabilidade e o Floresta Viva, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo Brasileiro para a Diversidade (Funbio). Esses dois programas já destinaram R$ 41 milhões para ações de recuperação ambiental na região, apoiando 18 projetos estratégicos na área do bioma.

O diretor de Planejamento do BNB, Aldemir Freire, projeta que brevemente outras organizações poderão também investir nesse programa, aumentando a destinação de recursos. "Podemos dobrar ou triplicar" o volume do investimento, disse ele.

Ao O POVO, o presidente do BNB, Wanger Rocha, afirmou que o banco vem trabalhando com afinco na transição energética. "Todos os parques eólicos e solares instalados no Nordeste têm financiamento do BNB". Ele informa que, nos últimos três anos, já foram investidos mais de R$ 14 bilhões em energia limpa, e que o banco continua liberando investimentos para empresas, grandes ou pequenas, que tenham esse propósito.

Com menos apelo midiático do que a floresta amazônica, sem querer reduzir a sua capital importância para o mundo, mas é preciso destacar a caatinga, um bioma que costuma despertar menos atenção, mas de relevância vital no enfrentamento ao aquecimento global.

O bioma é fundamental para o equilíbrio climático e está entre os mais eficientes do planeta na captura de carbono. Segundo informações da Associação Caatinga, estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostrou que entre 2015 e 2022, o ecossistema foi responsável por quase 50% de todo o sequestro de carbono do Brasil, mesmo ocupando apenas 10% do território nacional, cerca de 862 mil quilômetros quadrados.

Portanto, os projetos que visam preservar a caatinga são essenciais e urgentes, pois o bioma vem sofrendo perdas significativas em sua vegetação devido à ação humana. Sem cobertura vegetal, aumenta o risco da desertificação, tornando infértil, com prejuízos irreparáveis à biodiversidade.

O apoio que o BNB oferece ao desenvolvimento econômico sustentável, investindo em entidades e empresas que executam essas tarefas, em grande ou pequena escala, é fundamental para contribuir com a regulação climática.

E a presença da cearense Associação Caatinga na COP30 é uma garantia de que o bioma caatinga estará na pauta da conferência.

 

 

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