O Globo
A conferência em plena Amazônia brasileira é
também sinal da importância da democracia
A COP30 já é a segunda maior em número de participantes, 56,1 mil, ao todo — e isso tem muito a ver com a mobilização da sociedade civil organizada. As três últimas edições do encontro da ONU aconteceram em países sob regimes autoritários: Egito (2022), Emirados Árabes Unidos (2023) e Azerbaijão (2024). A conferência em plena Amazônia brasileira, portanto, é também sinal da importância da democracia. Belém está tomada por ações de organizações e movimentos sociais. E não apenas nos espaços oficiais; por toda a capital paraense, ao menos 80 endereços abrigam iniciativas sobre os impactos dramáticos da crise climática. Um conjunto robusto de estudos, relatórios, pesquisas, denúncias, inciativas, reivindicações e manifestações compõe o repertório a que as delegações diplomáticas pareciam desacostumadas.
Exageros à parte, até quem, como eu,
acompanha há tempos o mundo das ONGs se impressiona com a quantidade e a
qualidade das incidências. A Anistia Internacional apresentou relatório sobre
os riscos da cadeia produtiva do petróleo para a saúde e a subsistência de um
quarto da população global, 2 bilhões de pessoas. A publicação, parceria com o
Better Planet Laboratory, da Universidade do Colorado (EUA), denomina “zonas de
sacrifício” comunidades e ecossistemas degradados pelas atividades da indústria
de óleo, carvão e gás fóssil.
O Instituto Sumaúma revelou que, de cada dez
comunidades quilombolas, seis enfrentam exploração de terras, invasões ou
garimpo ilegal. Quase a mesma proporção relatou sofrimentos com secas extremas
(55%) e perda de plantações (43%). É a sobreposição das crises climática e
criminal. A Cúpula dos Povos começou com discurso forte do líder indígena Raoni
Metuktire contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas (AP), em área
recém-licenciada pelo Ibama à Petrobras.
O Observatório do Clima reuniu centenas em
rodas de conversa sobre a COP30 num centro cultural de Belém. Mulheres
marcharão amanhã por justiça climática, numa repetição do ato Planeta Fêmea, na
Rio-92, três décadas atrás. Médicos sem Fronteiras articularam caminhada para
lembrar às autoridades que a crise também diz respeito à saúde. Lúcia Xavier,
da ONG Criola, apresentou em painel oficial relatório com evidências
científicas e recomendações de políticas públicas para construção de sistemas
de saúde resilientes.
Combustíveis fósseis, desmatamento e
preservação de florestas, transição energética estão na agenda central da
COP30, mas multiplicam-se reivindicações sobre moradia digna, saneamento básico
e acesso à água. O assunto apareceu até mesmo no debate sobre finanças
climáticas, a ciência de propor e levantar recursos para bancar adaptação,
mitigação e resiliência. O economista Rogerio Studart, ex-diretor executivo do
Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi curador
do programa de formação sobre o tema, parceria do Museu do Amanhã e do
Instituto Clima e Sociedade (ICS). O ICS tornou-se ator importante em reuniões
com autoridades financeiras em busca de recursos para os desafios climáticos.
Studart citou estudo da CNI que estima em 2,21% do PIB o investimento do Brasil
em infraestrutura neste ano, metade do necessário:
— Para evitar o crescimento exponencial dos
riscos climáticos, especialmente para as populações que vivem em palafitas e
favelas, é urgente triplicar os investimentos em infraestrutura básica,
sobretudo, habitação popular e saneamento. Estamos falando não só de justiça,
mas de reparação climática.
O projeto Vozes dos Biomas — que tem como
embaixadoras a primeira-dama Janja (para mulheres), Denise Dora (direitos humanos
e transição justa) e Jurema Werneck (igualdade racial) — produziu, a partir de
visitas a comunidades, seis diagnósticos e proposições para os biomas Amazônia,
Cerrado, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa. Os documentos foram
entregues ao presidente da República e à cúpula da COP30. As nove cartas ao
mundo sobre o clima divulgadas pelo presidente da conferência, André Corrêa do
Lago, mereceram incontáveis respostas da sociedade civil. O Brasil é mesmo
território de troca de correspondências, como mostrou Walter Salles em “Central
do Brasil”, filme com Fernanda Montenegro no papel de Dora, a professora
aposentada que escreve missivas para analfabetos na estação de trem.
No encontro de líderes dias antes da
conferência, 19 chefes de Estado, Lula entre eles, assinaram a Declaração de
Belém sobre o Combate ao Racismo Ambiental, expresso em “políticas e práticas
que resultam em exposição desproporcional de pessoas e comunidades, incluindo
afrodescendentes, indígenas e comunidades locais, a danos ambientais e riscos
climáticos”. É conceito forjado na sociedade civil e ratificado pela
diplomacia. Ontem, o chefe dos negociadores dos países africanos, em painel da
Citafro (coalizão afro de América Latina e Caribe) e da Fundação Ford, anunciou
apoio ao reconhecimento, na declaração final, dos povos afrodescendentes. Cabe
ao Brasil apresentar a proposta.

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