Financial Times / Folha de S. Paulo
O que antes tornou seus Estados poderosos agora pode impedir que continuem assim
Europeus criaram impérios no resto do mundo,
mas não dentro do próprio continente
O que os romanos realmente fizeram por nós?
No filme "A
Vida de Brian", do grupo Monty Python, as respostas incluíam
aquedutos, banhos e paz. Mas e se a resposta correta for: "seu império
caiu"?
Em resumo, o papel transformador da Europa Ocidental
na história mundial se deve à ausência de um império europeu unificado. Foi
essa ausência que criou o que o historiador da Antiguidade Walter Scheidel
chama de "fragmentação competitiva" da Europa Ocidental. A competição
impulsionou as mudanças comerciais, intelectuais, tecnológicas, jurídicas e
políticas que culminaram na Revolução Industrial. A partir daí, tudo mudou.
O benefício da fragmentação é a ideia central de "Escape from Rome" (2019), de Scheidel. O conceito não era novo, mas ele o revitalizou ao associar o progresso europeu à incapacidade de qualquer poder posterior repetir o feito de Roma. Diferentemente da China, do Oriente Médio ou da Índia, um império abrangente nunca mais retornou ao continente.
Durante 1.500 anos, os Estados europeus competiram
entre si, uma espécie de "teoria dos escorpiões na garrafa", em que
os sobreviventes precisavam desenvolver ferrões cada vez mais venenosos para
prosperar nesse ambiente feroz. E conseguiram: a ponto de uma pequena ilha
europeia conquistar grande parte do mundo e dar início à Revolução
Industrial. Alguns Estados ficaram para trás, mas ideias e inovações
reprimidas em determinados lugares floresciam em outros.
Os europeus criaram impérios no resto do
mundo, mas não dentro da própria Europa e, segundo Scheidel, foi isso que fez a
diferença. Ele contrasta a competição europeia com a estagnação imperial
observada em outras regiões. Impérios como o chinês e o romano, escreve,
compartilhavam "certo grau de integração de mercado e crescimento
desigual, limitado por baixa capacidade estatal, apropriação excessiva das
elites e falta crônica de inovação, formação de capital humano e crescimento
schumpeteriano". Os impérios garantiam paz por algum tempo, mas eram
máquinas de extração de renda. Na Europa, esses regimes foram derrotados por
aqueles que promoveram a inovação.
Por que, afinal, a Europa permaneceu
fragmentada? A resposta parece ser geográfica —montanhas e mares. As regiões
férteis capazes de sustentar grandes populações e gerar impostos elevados eram
numerosas, mas nem muito extensas nem muito próximas. A eficiência militar de
Roma não foi reproduzida.
Nos séculos 19 e 20, as economias da Europa
Ocidental cresceram de forma dramática: em 2022, o PIB real per capita era 19
vezes maior que 200 anos antes. A expectativa de vida saltou de 36 anos, em
1820, para 82, em 2020. A revolução industrial se espalhou da Europa para o
mundo. Desde a segunda metade do século 19, os Estados
Unidos se tornaram a principal economia global,
e mais recentemente a China também alcançou prosperidade. O mundo se
transformou, e está muito mais rico.
Os avanços tecnológicos abriram espaço para
uma competição global intensa, com implicações enormes. Até pouco tempo atrás,
apenas os EUA combinavam avanço tecnológico e escala continental. A União
Soviética tentou fazer o mesmo, mas só teve êxito na área militar. Hoje, porém,
a China é uma potência desse tipo, e a Índia pode vir a ser. O
"frasco", agora, é o mundo, não mais a Europa, e os
"escorpiões" mais perigosos têm o tamanho dos antigos impérios. Um
deles, a China, é o exemplo clássico de um império antigo.
E onde fica a Europa, berço dessa revolução?
A União
Europeia tem 450 milhões de habitantes, bem menos que a China, mas
mais que os EUA. Seu PIB, medido por paridade de poder de compra, é menor que o
dos EUA e da China, mas ainda muito grande. No entanto, como
apontam o relatório Draghi e o artigo "The Constitution of
Innovation", de Luis Garicano, Bengt Holmström e Nicolas Petit, a UE e a
zona do euro estão ficando para trás em produtividade. Também têm dificuldade
em mobilizar seus recursos econômicos e demográficos —muito maiores que os da
Rússia— para garantir a própria segurança sem depender do guarda-chuva militar
americano.
Talvez a União Europeia consiga fazer o que
precisa, mesmo que sua história de fragmentação a mantenha mais próxima de uma
liga de soberanos em disputa do que de um Estado soberano. Essa, como argumenta
o artigo citado, tem sido a promessa do "mercado único" —só é preciso
empenhar-se mais. Pode-se dizer o mesmo do desafio da segurança.
Mas essa esperança não é totalmente
convincente. Soberania, identidade nacional, política e tributação —expressões
uma da outra— continuam firmemente nacionais. Por isso, completar o mercado
único tem sido tão difícil. E é ainda mais verdadeiro na defesa, onde a falta
de coordenação torna o comportamento de carona inevitável.
Além disso, economias de escala, de escopo e,
sobretudo, de aglomeração são cruciais para as tecnologias mais avançadas. Não
é coincidência, como observa Paul Krugman, que a revolução digital tenha se
concentrado no Vale do Silício. Os europeus aceitariam, ou conseguiriam criar,
um supercluster semelhante? É duvidoso.
Se isso afetar não apenas a produtividade,
mas também a capacidade de defesa, o resultado pode ser um paradoxo histórico:
a fragmentação que tornou os Estados europeus poderosos e ricos pode agora ser
um obstáculo para que continuem assim. Em uma era de superpotências
continentais, a fragmentação europeia pode ser uma desvantagem insuperável.
Ainda assim, há um desfecho mais otimista. A
ossificação imperial continua sendo uma ameaça às grandes potências. Vê-se isso
na centralização
excessiva do poder na China e na tentativa
de criar uma autocracia corrupta nos EUA. Talvez os europeus devam, afinal,
continuar gratos pela queda de Roma e pelo fato de que, apesar de tantas
tentativas, ela nunca mais voltou.

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