O Estado de S. Paulo
O Supremo Tribunal Federal está a caminho de capturar de vez a esfera da política
Depois de se tornar mais uma instância política, o STF quer ser a única com a qual ninguém e nenhum Poder se mete. A Corte está chegando lá, com a liminar do ministro Gilmar Mendes alterando profundamente as regras de impeachment (portanto, controle) de ministros do Supremo – e o próprio equilíbrio entre os Poderes.
O pano de fundo para essa decisão monocrática é uma visão pessimista da política e de seus participantes como algo tenebroso. Mesmo antes de Bolsonaro, os “iluminados” do STF já enxergavam o Legislativo como um covil de espertalhões (para dizer o mínimo) de todo tipo, com motivos nada republicanos atrás de cada demanda disfarçada de projeto político. Ainda mais no circo para apreciar uma escolha do presidente para uma vaga aberta na Corte.
De acordo a esse mesmo entendimento, as
eleições no Brasil só tendem a agravar esse quadro. Neste modo de ver as
coisas, a blindagem almejada pela liminar é, portanto, não só uma óbvia defesa
do STF, mas também uma medida “protetiva” da própria sociedade (a tal que
caberia “recivilizar”).
Do ponto de vista político, porém, o Supremo vai tornando sem muito sentido sua frase favorita, a de que seria o último bastião de defesa da democracia. “Não se pode combater crime cometendo crime”, gostam de dizer os ministros. Mas pretendem defender o estado de direito criando excepcionalidades em série (enumerá-las ultrapassa o espaço desta coluna).
Há vários exemplos modernos de como regimes
abertos foram destruídos por dentro a partir da captura política de instâncias
superiores do Judiciário, cuja independência (pelo menos no papel) sempre foi
obstáculo aos autoritários de plantão. No Brasil, o STF está invertendo a
equação: o regime de exceção é visto como resultado da captura pelo Supremo da
esfera da política – visão que não é só do bolsonarismo.
Como acontece nos movimentos pendulares na
política, existe a chance de que a tentativa do Supremo de se proteger de
resultados das urnas no ano que vem provoque efeito contrário, isto é, uma
galvanização de forças políticas (republicanas ou não) em torno de uma bandeira
de controle do Judiciário. E um efeito irônico: a escolha do novo PGR – agora
só ele pode pedir o impeachment de ministros do Supremo – por um presidente que
não seja Lula vai trazer qual cenário?
Ou seja, o episódio dessa liminar evidencia que o Supremo reage diretamente ao imediatismo do quadro político também com cálculo de curto prazo, criando complicações para resolver complicações. Não há mais uma “casinha” para onde se possa voltar.

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