Folha de S. Paulo
Poderes negociam acerto afobado que garanta as regalias e blindagens
de cada parte
Lula, feitas as contas, não tem muito do que se queixar, como ele
mesmo declarou
O presidente da Câmara, Hugo
Motta, tem atributos cênicos para inspirar um desses personagens esquisitos
de séries de streaming. Mas isso é apenas um gracejo inconsequente para falar
da grande estrela midiática desse circo do acordão de Natal que vem sendo
negociado no shopping center de nossa política institucional.
Por essa geringonça, os Poderes, dobrados por interesses corporativos e eleitorais, negociam um acerto meio afobado que garanta as regalias e blindagens de cada parte, mantendo-se o grande pacto da indulgência que preside o sistema.
Pode-se argumentar que se trata de fazer política, e é isso afinal
que está em curso. Não deixa de ser verdade, mas que política rastaquera é
essa, que mais lembra um ajuste entre famílias mafiosas como vemos em filmes do
gênero?
O auge do espetáculo foi a tumultuada
aprovação pela Câmara do chamado PL da Dosimetria, pelo qual se mudou a
legislação sobre golpe de Estado e abolição violenta do Estado de Direito. A
sessão, como se sabe, deu lugar a mais uma demonstração de incompetência, falta
de liderança e apequenamento institucional de Motta, que mandou
censurar a imprensa antes de convocar a polícia para remover o
deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) de sua
cadeira.
O PL, aprovado sob medida para amenizar as penas aplicadas a
golpistas julgados pelo STF, causou aguda
revolta na esquerda. Não poderia ser diferente, mas o fato é que esse caminho
já tinha aparecido nas contas governistas.
Em abril, lembre-se, a
ministra Gleisi Hoffmann, ao rebater a ideia inaceitável de anistia para o
capitão e sua camarilha, ventilou como moeda de troca mais palatável a redução
de penas. Agora, o roteiro indica que Lula, em encenação
histórica, vetará, já sabendo porém que seu veto será derrubado.
O Supremo, por sua vez, depois da provocação monocrática do
decano Gilmar
Mendes, que legislou numa canetada sobre o processo de impeachment de
ministros, acabou
chegando a um bem bolado com o Senado, que vai rever a lei sobre o tema, de
fato problemática.
A Câmara, em outra frente, acabou reafirmando uma derrota para o
tribunal ao decidir que cabe a ela deliberar sobre mandatos. O que é isso,
porém, perto do grande alívio da operação abafa do caso Master liderada por
Dias Toffoli no Supremo?
Para a direitona, além da dosimetria, Papai Noel entregou o PL
do Marco Temporal, descalabro que se segue à derrubada de vetos de Lula na
lei do licenciamento ambiental. Já o governo foi contemplado com mudanças no PL
Antifacção e abraçou o Senado. Davi
Alcolumbre a essa altura talvez já nem se lembre muito bem quem
é Jorge
Messias.
É verdade que nem tudo foi champanhe e harmonia no acordão
natalino, mas seria difícil que fosse num ambiente tumultuado pela chegada do
ano eleitoral e sacudido pela acalorada competição no arraial da direitona, com
o desespero bolsonarista e as indefinições flavistas e tarcisistas sobre a
disputa.
O presidente Lula, feitas as contas, não tem muito do que se
queixar, como
ele mesmo, aliás, declarou. Soube ganhar e perder na relação com o Congresso
e acabou garantindo o que de mais substancial precisava para tocar a reeleição.
Não repete um fenômeno de popularidade fora da curva, mas está aí para quem
quiser apoiar e levar.

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