quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

O Brasil no meio do redemoinho, por Míriam Leitão

O Globo

O ministro Gilmar Mendes tira direito de cidadão e convulsiona o país, mas Supremo está sob ataque pelos seus acertos e não pelos seus erros

Há mais de 40 pedidos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Pela lei, em casos de impedimento de ministros do STF, o Senado, ao mesmo tempo, acusa e julga. Decide por maioria simples e, assim que o processo é iniciado, o ministro é afastado. É uma proteção institucional frágil, na visão de ministros do STF. Ontem, o ministro Gilmar Mendes tomou a controversa decisão de que apenas o procurador-geral da República pode pedir impeachment de ministros do STF. Um ministro que defende a decisão monocrática de Gilmar disse que os pedidos contra Moraes são “puramente perseguições e retaliações". O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, reagiu a Gilmar, acusando-o de tentar usurpar prerrogativas do Senado. Isso acontece 24 horas depois de um confronto direto entre o senador e a Presidência da República por conta da indicação do nome do ministro do STF. O Brasil pisca e nova crise institucional eclode. Ontem, foi mais um dia comum no Brasil.

Na manhã de quarta-feira, a Polícia Federal executou a ordem de prisão dada pelo ministro Alexandre de Moraes contra o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Rodrigo Bacellar. Na mesma manhã, Gilmar Mendes decidiu que só o procurador-geral da República pode solicitar impeachment de ministros do Supremo. Esses são dois retratos da convulsionada realidade brasileira.

O caso Bacellar é mais um flagrante de contaminação da política do Rio pelo crime organizado, neste caso, com o tráfico de drogas. Em outros momentos, a promiscuidade é com a milícia. A política do Rio está infiltrada pelo crime. Foi isso que o ministro Alexandre de Moraes enfrentou ontem. O Brasil acaba de vencer o risco do autoritarismo, através de uma ação penal de relatoria do próprio ministro. O Supremo condenou e mandou para a prisão generais e o ex-presidente golpistas. Agora, este mesmo Supremo que venceu o autoritarismo, está sendo acusado de autoritarismo.

No STF, se diz que a decisão de Gilmar “vem para conter esses abusos vergonhosos porque em nenhum lugar do mundo impeachment de ministro do Supremo é bandeira eleitoral”. Ouvi também o argumento de que quem escolhe o PGR não é o STF, mas sim o presidente da República com o Senado. E que "na ação penal por crime comum já é assim, só o PGR pode”. Contudo, no próprio STF, há críticas ao entendimento de Gilmar.

No ato monocrático, Gilmar Mendes argumenta que a lei não exige nem 21 votos para afastar um ministro do Supremo. “Para deixar clara a situação esdrúxula acima narrada: em uma sessão aberta com 41 senadores, e abstenção de 30, pode levar à admissibilidade e ao recebimento da denúncia contra membros do Poder Judiciário pela votação de apenas 11 senadores, ou até menos a depender das circunstâncias”.

—No caso de impeachment do presidente da República, existe um órgão acusador externo, a Câmara, aí o Senado julga. No caso do STF, o órgão acusador são os próprios senadores que julgarão. Isso sim é um absurdo — me disse um ministro do STF.

A reação de Alcolumbre foi forte e imediata. De tarde, ele leu da mesa do Senado uma nota em que diz que os senadores estão “indignados e perplexos”. Afirma que a decisão judicial contraria a lei do impeachment de 1950. Indica que fará tramitar leis para controlar as decisões monocráticas. E termina avisando: “não hesitarei em defender todas as prerrogativas da nossa Constituição”. À noite, a Câmara aprovou em comissão uma lei que controla decisões individuais da Corte. Também à noite, a AGU pediu que Gilmar reconsidere a posição.

O que choca na decisão de Gilmar Mendes é o trecho que diz “suspender, em relação aos membros do Poder Judiciário, a expressão ‘a todo cidadão’”. O STF está sob ataque não pelos seus erros, mas pelos seus acertos. É escandaloso ouvir TH Joias dizer “ô, presida não dá pra levar não”. Com suas conhecidas ligações com o Comando Vermelho, o então deputado refere-se ao presidente da Assembleia como “presida" e “01”. Depois de enfrentar um golpe de Estado, ministros do Supremo enfrentam a infiltração da política por facções criminosas. Está claro que precisam de proteção maior do que a definida por uma lei da metade do século passado. No dia 12, o pleno falará.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.