O Globo
O ministro Gilmar Mendes tira direito de
cidadão e convulsiona o país, mas Supremo está sob ataque pelos seus acertos e
não pelos seus erros
Há mais de 40 pedidos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Pela lei, em casos de impedimento de ministros do STF, o Senado, ao mesmo tempo, acusa e julga. Decide por maioria simples e, assim que o processo é iniciado, o ministro é afastado. É uma proteção institucional frágil, na visão de ministros do STF. Ontem, o ministro Gilmar Mendes tomou a controversa decisão de que apenas o procurador-geral da República pode pedir impeachment de ministros do STF. Um ministro que defende a decisão monocrática de Gilmar disse que os pedidos contra Moraes são “puramente perseguições e retaliações". O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, reagiu a Gilmar, acusando-o de tentar usurpar prerrogativas do Senado. Isso acontece 24 horas depois de um confronto direto entre o senador e a Presidência da República por conta da indicação do nome do ministro do STF. O Brasil pisca e nova crise institucional eclode. Ontem, foi mais um dia comum no Brasil.
Na manhã de quarta-feira, a Polícia Federal
executou a ordem de prisão dada pelo ministro Alexandre de Moraes contra o
presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Rodrigo Bacellar. Na mesma manhã,
Gilmar Mendes decidiu que só o procurador-geral da República pode solicitar
impeachment de ministros do Supremo. Esses são dois retratos da convulsionada
realidade brasileira.
O caso Bacellar é mais um flagrante de
contaminação da política do Rio pelo crime organizado, neste caso, com o
tráfico de drogas. Em outros momentos, a promiscuidade é com a milícia. A
política do Rio está infiltrada pelo crime. Foi isso que o ministro Alexandre
de Moraes enfrentou ontem. O Brasil acaba de vencer o risco do autoritarismo,
através de uma ação penal de relatoria do próprio ministro. O Supremo condenou
e mandou para a prisão generais e o ex-presidente golpistas. Agora, este mesmo
Supremo que venceu o autoritarismo, está sendo acusado de autoritarismo.
No STF, se diz que a decisão de Gilmar “vem
para conter esses abusos vergonhosos porque em nenhum lugar do mundo
impeachment de ministro do Supremo é bandeira eleitoral”. Ouvi também o
argumento de que quem escolhe o PGR não é o STF, mas sim o presidente da
República com o Senado. E que "na ação penal por crime comum já é assim,
só o PGR pode”. Contudo, no próprio STF, há críticas ao entendimento de Gilmar.
No ato monocrático, Gilmar Mendes argumenta
que a lei não exige nem 21 votos para afastar um ministro do Supremo. “Para
deixar clara a situação esdrúxula acima narrada: em uma sessão aberta com 41
senadores, e abstenção de 30, pode levar à admissibilidade e ao recebimento da
denúncia contra membros do Poder Judiciário pela votação de apenas 11
senadores, ou até menos a depender das circunstâncias”.
—No caso de impeachment do presidente da
República, existe um órgão acusador externo, a Câmara, aí o Senado julga. No
caso do STF, o órgão acusador são os próprios senadores que julgarão. Isso sim
é um absurdo — me disse um ministro do STF.
A reação de Alcolumbre foi forte e imediata.
De tarde, ele leu da mesa do Senado uma nota em que diz que os senadores estão
“indignados e perplexos”. Afirma que a decisão judicial contraria a lei do
impeachment de 1950. Indica que fará tramitar leis para controlar as decisões
monocráticas. E termina avisando: “não hesitarei em defender todas as
prerrogativas da nossa Constituição”. À noite, a Câmara aprovou em comissão uma
lei que controla decisões individuais da Corte. Também à noite, a AGU pediu que
Gilmar reconsidere a posição.
O que choca na decisão de Gilmar Mendes é o
trecho que diz “suspender, em relação aos membros do Poder Judiciário, a
expressão ‘a todo cidadão’”. O STF está sob ataque não pelos seus erros, mas
pelos seus acertos. É escandaloso ouvir TH Joias dizer “ô, presida não dá pra
levar não”. Com suas conhecidas ligações com o Comando Vermelho, o então deputado
refere-se ao presidente da Assembleia como “presida" e “01”. Depois de
enfrentar um golpe de Estado, ministros do Supremo enfrentam a infiltração da
política por facções criminosas. Está claro que precisam de proteção maior do
que a definida por uma lei da metade do século passado. No dia 12, o pleno
falará.

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