O Estado de S. Paulo
Antes que os poderes sejam reduzidos, o Judiciário aumenta suas defesas – aqui e no restante do mundo
A decisão do ministro Gilmar Mendes –
restringindo a possibilidade de pedidos de impeachment contra ministros do STF
exclusivamente à Procuradoria-Geral da República – foi recebida com surpresa e
acusada, por alguns, de autoproteção corporativa. Mas, ao contrário do que
parece, o movimento deve ser interpretado como parte de um fenômeno bem
documentado na literatura de ciência política e do Direito comparado: Cortes
reagindo preventivamente quando percebem ameaça política real.
Em democracias, tribunais constitucionais dependem de legitimidade e de estabilidade institucional para exercer suas funções. Quando ambos os pilares começam a estremecer por ataques diretos de outros Poderes, é comum que as Cortes adotem decisões que funcionam como escudos preventivos contra tentativas de redução de suas competências ou capturá-las politicamente.
Esse comportamento é previsível. Instituições não são atores neutros em ambientes de conflito. Tom Ginsburg e Aziz Huq mostram que, quando os custos de inação superam os custos de ação, Supremas Cortes tendem a “endurecer” e produzir jurisprudência defensiva, destinada a aumentar sua resiliência diante de ameaças externas. Da mesma forma, estudos recentes mostram que o desgaste da confiança pública no Judiciário, hoje observável em várias democracias, incentiva movimentos estratégicos de autopreservação por parte das Cortes.
O caso brasileiro se encaixa perfeitamente
nesse padrão. O Congresso discute, há meses, propostas para reduzir poderes do
STF. Nesse ambiente, a probabilidade de uma reação preventiva aumenta. A
decisão de Gilmar Mendes, nesse sentido, não deve ser vista isoladamente, mas
como parte de um tabuleiro institucional mais amplo.
Não se trata de um fenômeno brasileiro. Em
Israel, por exemplo, a High Court of Justice realizou um movimento semelhante
em 2023-2024, quando o governo de Binyamin Netanyahu tentou aprovar reformas
para enfraquecer a Corte. A resposta do Judiciário israelense foi clara:
decisões robustas, assertivas e coordenadas para bloquear, antes que fosse
tarde, a erosão de suas competências. O que ocorreu ali se tornou um caso
paradigmático de preemptive strike judicial – uma reação institucional à iminência
de perda de poder.
O mesmo mecanismo ajuda a explicar o comportamento do STF agora. Quando o Legislativo sinaliza que pretende mudar as regras do jogo, a tendência é que o tribunal identifique a conjuntura como perigosa. Se o sistema político ameaça alterar os pesos e contrapesos, a resposta do Judiciário tende a ser justamente reforçá-los.

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