PEC que acaba com escala 6 por 1 não passa de populismo
Por O Globo
Sem aumentar produtividade, reduzir jornada de trabalho equivale a
incentivar o desemprego e a pobreza
Num rompante demagógico, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) reduzindo a jornada de trabalho de 44 horas semanais para 36 horas ao longo de cinco anos. A PEC determina o fim da escala 6 por 1 e, em seu ímpeto populista, consegue ser ainda mais radical que um Projeto de Lei em debate na Câmara prevendo redução da jornada para 40 horas. Ante a proximidade do recesso parlamentar, o texto só deverá ser analisado no ano que vem. O prazo largo é a única boa notícia, tamanho o risco embutido na proposta.
À primeira vista, o fim da escala 6 por 1 parece uma ideia
atraente. O cotidiano de quem sai de casa para trabalhar seis dias por semana é
massacrante, e outros países já reduziram a carga horária semanal. Defensores
das mudanças costumam apresentá-la como avanço civilizatório comparável a
conquistas trabalhistas do passado. Infelizmente, tal argumento esbarra na
realidade. Se adotada, a PEC terá como consequência inevitável mais desemprego,
mais pobreza e mais miséria.
Em qualquer país, a riqueza produzida resulta da quantidade de
horas trabalhadas e da produtividade. É ilusório querer reduzir um desses
fatores sem reduzir a renda da população. Entre economistas, não há consenso
sobre o estrago exato trazido pela redução da jornada, mas eles são unânimes ao
prever queda de grandes proporções na economia. Sem terem como reduzir o
salário dos funcionários cujas jornadas diminuiriam, nem como contratar outros
para manter o nível de atividade, os empresários não teriam opção senão
demitir. Na previsão pessimista, o corte ultrapassaria 1 milhão de vagas.
Nada disso parece importar diante do apelo eleitoral da proposta
populista. O governo insiste que o trabalhador brasileiro será mais produtivo,
tendo mais tempo para descansar e estudar. Esquece que não há rigorosamente
nenhuma evidência disso na experiência até hoje acumulada. Na França, uma
reforma aprovada em dois momentos (1998 e 2000) instituiu a semana de 35 horas.
Logo se viu como era problemática, com impacto negativo no emprego. A partir de
2003, começou a ser desidratada. Novas leis elevaram as horas extras
permitidas, e negociações setoriais criaram exceções e mais flexibilidade. Um
estudo sobre experiências similares de Portugal, Itália, Bélgica e Eslovênia
concluiu que não houve mudança digna de nota na produtividade nem nas
contratações.
Diferenças na legislação trabalhista da União Europeia e dos
Estados Unidos ajudam a explicar por que a economia europeia cresce em ritmo
inferior à americana. Forçar um país de renda média como o Brasil a adotar uma
trajetória de crescimento do PIB ainda pior que a registrada nas últimas quatro
décadas seria um desastre, em particular para os mais pobres. Uma economia
produzindo menos riqueza afetaria os recursos dos programas sociais e
diminuiria o bem-estar da população.
Antes de reduzir a jornada de trabalho, Congresso e governo
deveriam concentrar energias em aumentar a produtividade. Nas empresas
produtivas, já vigoram na prática jornadas mais flexíveis. À medida que a
economia brasileira se livrar das amarras que a impedem de ganhar eficiência, o
modelo será estendido — e a mudança na lei será consequência natural. Sem maior
produtividade, reduzir a jornada de trabalho é só populismo — com mais
desemprego e mais pobreza.
Senado aperfeiçoou PL Antifacção; Câmara
deveria referendar novo texto
Por O Globo
Relator Alessandro Vieira corrigiu problemas
e omissões da primeira versão recebida dos deputados
O Senado aperfeiçoou o Projeto de Lei (PL)
Antifacção, cujo objetivo é combater o crime organizado. O relator, senador
Alessandro Vieira (MDB-SE), corrigiu distorções e omissões no texto enviado pela
Câmara — como a superposição de leis que beneficiava os criminosos — e manteve
avanços. Prova de que as mudanças são sensatas foi a aprovação por unanimidade
(64 votos a 0) na quarta-feira, fato nada desprezível considerando as
divergências quase intransponíveis entre governistas e oposicionistas em
relação ao tema.
O crime organizado representa um dos maiores
desafios para a segurança pública. O PL aumenta as penas para crimes cometidos
por facções criminosas e milícias, redefine conceitos jurídicos, amplia
instrumentos de investigação e estabelece recursos para o setor. Cria o tipo
penal “facção criminosa”, inserido diretamente na Lei de Organizações
Criminosas. Ela é definida como grupo que atua mediante controle territorial ou
em vários estados usando violência,
coação, ameaça ou meios semelhantes. Promover, constituir, financiar ou
integrar essas quadrilhas resulta em pena de 15 a 30 anos de prisão. Para os
líderes, a punição dobra. Há agravantes, como recrutamento de crianças e
adolescentes, uso de explosivo e obstrução de portos, aeroportos ou rodovias.
Esses crimes serão considerados hediondos, e seus autores não poderão ser
beneficiados por anistia, graça, indulto, fiança ou livramento condicional.
Para fins legais, as milícias privadas são equiparadas às facções.
Condenados por crimes hediondos terão de
cumprir ao menos 70% da pena em regime fechado. Para integrantes de facções,
milícias e outras organizações criminosas, o percentual sobe a 75% e, em caso
de reincidência, 85%. O texto aprovado cria uma contribuição sobre
transferências a casas de apostas, cuja alíquota será de 15% e que, diz Vieira,
poderá gerar até R$ 30 bilhões anuais a ações de segurança e ao sistema
carcerário. Ao menos 60% da arrecadação será descentralizada, por meio de
fundos estaduais. As fontes de financiamento da Polícia Federal — principal
queixa do governo em relação ao texto da Câmara — não mudam.
Com a intenção de asfixiar as finanças das
quadrilhas, o PL permite bloqueio ágil de contas e bens, intervenção judicial
em empresas que apoiem grupos criminosos e a perda do patrimônio ainda na fase
de investigação. Prevê ainda a criação de um banco nacional de dados de pessoas
físicas e jurídicas acusadas de integrar organizações criminosas. E regras mais
rígidas para o setor de combustíveis, alvo das facções para lavar dinheiro.
O texto constitui um arcabouço jurídico robusto para modernizar a legislação brasileira e dar ao Estado melhores condições de combater as organizações criminosas. Como foi alterado pelos senadores, voltará à Câmara. É desejável que os deputados mantenham as mudanças. Seria uma lástima se retomassem o texto anterior. É claro que nenhuma lei terá o condão de resolver, sozinha, a grave crise da segurança. Mas o PL representa enorme avanço em relação ao que existe hoje.
Um passo contra a sonegação e o crime
organizado
Por Folha de S. Paulo
Com atraso, Congresso aprova projeto do
devedor contumaz, pessoa jurídica que evita pagamento de tributos
O potencial arrecadatório superaria R$ 30 bi
anuais, montante expressivo sobretudo no contexto atual de fragilidade do
Orçamento público
Com 436 votos
favoráveis e apenas 2 contrários, a Câmara dos
Deputados enfim aprovou, na terça-feira (9), o projeto de lei
que tipifica o devedor contumaz e institui o Código de Defesa do Contribuinte.
Trata-se de avanço considerável, ainda que
tardio, no combate à sonegação fiscal sistemática, com impactos positivos para
o enfrentamento do crime
organizado e da concorrência desleal —quando empresas que
ignoram tributos conseguem praticar preços artificialmente baixos, sufocando
concorrentes honestos e distorcendo mercados.
O essencial no texto, que tramitava desde
2022, é a definição de critérios
objetivos para caracterizar esse tipo de devedor e punir de
forma mais rígida o uso dessa estratégia de negócio a fim de obter vantagens
indevidas sobre empresas que cumprem ou tentam cumprir suas obrigações.
Enquadra-se na categoria quem incorrer em
inadimplência substancial, reiterada e injustificada de tributos. No âmbito
federal, a dívida é considerada substancial se ultrapassar R$ 15 milhões e
representar mais de 100% do patrimônio conhecido da empresa, em pelo menos
quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados em 12 meses.
Para as esferas estadual e municipal, os
valores serão definidos por legislações locais em até um ano, garantindo
adaptação.
Há salvaguardas em casos de calamidade
pública, e uma empresa autuada como devedora contumaz terá prazo para
demonstrar que obteve resultado negativo recente e que não buscou esconder
patrimônio.
Segundo estimativas, seriam atingidos 1.200
CNPJs, com potencial arrecadatório que supera os R$ 30 bilhões anuais —um
montante expressivo, sobretudo no contexto atual de fragilidade do Orçamento
público.
Não é preciso muita imaginação para suspeitar
que tais praticas também estejam conectadas ao crime organizado. Um
exemplo foi dado pela
Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto, que revelou esquema
de lavagem de dinheiro e sonegação no setor de combustíveis, envolvendo
fintechs ligadas a facções criminosas e movimentações de R$ 70 bilhões em um
ano.
Para dificultar o uso do sistema financeiro
para propósitos escusos, o texto aprovado pela Câmara traz exigências de maior
controle e transparência em fintechs e fundos de investimento.
Foi superado, felizmente, o temor de que
maior rigor contra devedores contumazes abriria espaço para uma caça aos
contribuintes honestos que enfrentam dificuldades ocasionais. Ao contrário, o
projeto reforça a segurança jurídica, com incentivos e mecanismos para
conformidade voluntária, como prazos estendidos para quitação e reduções de
juros e multas.
Ao isolar os sonegadores crônicos, o projeto
avança no combate à evasão fiscal e às engrenagens que alimentam o crime e
comprometem a livre concorrência. Merece a sanção presidencial.
Mais mortes e menos nascimentos pressionam
gastos
Por Folha de S. Paulo
Números mais recentes do IBGE confirmam
envelhecimento da população, que afeta Previdência e SUS
Com mais idosos e população ativa menor,
poder público precisa conter aumento de despesas e alocar recursos com maior
eficiência
Dados do IBGE divulgados
na quarta (10) reafirmam a tendência de envelhecimento da
população brasileira, que pressiona a Previdência
Social e o sistema de saúde.
Nesse sentido, trata-se de um alerta para que governos implementem reformas em
prol do uso racional do dinheiro público e da contenção de gastos, que crescem
de forma insustentável nos últimos anos.
O número de mortes no país vinha subindo
lentamente desde 2004 —início da série apresentada pelo IBGE— e saltou na
pandemia, indo de 1,3 milhão em 2019 para 1,8 milhão em 2021. Após o pico na
crise sanitária, a cifra caiu a 1,5 milhão em 2022 e a 1,4 milhão no ano
seguinte, mas
voltou a subir em 2024, retomando o patamar de dois anos antes.
Quanto mais acentuado o envelhecimento, maior
o número de óbitos. Do total no ano passado, 90,9% foram por causas naturais
(processos internos do organismo), e 6,9%, por externas (homicídios, suicídios
e acidentes).
O estado com a maior taxa de casos do tipo
externo é o Amapá (13,9%), que, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, foi o líder em mortes violentas intencionais em 2024, com 45,1 por 100
mil habitantes, ante 20,8 por 100 mil na média nacional.
O processo de envelhecimento se estabelece
também por meio da diminuição dos nascimentos. Em 2024, o Brasil apresentou a
sexta queda consecutiva, com 2,37 milhões, uma retração de 5,8% em
relação a 2023 —a maior redução percentual de um ano para o outro desde 2004.
O fenômeno, que é global, tem causas como
aumento do custo de vida, controle reprodutivo eficaz, rede pública de creches
precária e adiamento da maternidade por mulheres que passam a privilegiar a
carreira profissional, evitando a dupla
jornada de trabalho no ambiente doméstico.
Com mais idosos e população economicamente
ativa menor, a conta para sustentar Previdência e saúde não fecha, principalmente
com o desarranjo fiscal, mais grave na esfera federal.
Se grande parte dos orçamentos é engessada
por gastos obrigatórios (Previdência, funcionalismo, benefícios sociais), sobra
pouca margem de manobra para investimentos em setores como o SUS, infraestrutura e educação.
O Brasil não aproveitou seu período de bônus demográfico para fazer sua economia crescer e, assim, se preparar para o envelhecimento populacional. Sem ter enriquecido, o país terá de escolher prioridades para ser capaz de fazer frente a novas despesas sem comprometer o combate à desigualdade social nem a solvência do Estado, hoje já ameaçada.
Câmara entra em terreno perigoso
Por O Estado de S. Paulo
Ao preservar o mandato de Zambelli, criminosa
condenada e presa, Câmara afronta a Constituição, o STF e o bom senso, e leva a
atual crispação institucional a um patamar desconhecido
Na madrugada de ontem, o plenário da Câmara
dos Deputados, em afronta à Constituição, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e
ao bom senso, decidiu não cassar o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP).
A parlamentar, como se sabe, é uma criminosa condenada pelo STF a 10 anos de
prisão em regime inicialmente fechado por ter se associado a um hacker para
invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça entre agosto de 2022 e
janeiro de 2023 e forjar um mandado de prisão contra o então presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes. A decisão judicial
transitou em julgado – isto é, não cabem mais recursos.
A cassação da sra. Zambelli, convém
sublinhar, não era objeto de deliberação política – era uma imposição
constitucional. O art. 55 da Constituição está escrito em português cristalino:
“perderá o mandato” o parlamentar que “sofrer condenação criminal em sentença
transitada em julgado”. É precisamente o caso da deputada, assim como o de
Alexandre Ramagem (PL-RJ), seu parceiro no rol dos culpados mais recentes.
Portanto, não há espaço para criatividade
hermenêutica ou casuísmos. A perda do mandato, em tal hipótese, não é um ato
discricionário das Casas do Congresso, mas um comando a ser obedecido. Ao
rebelar-se, a Câmara não só pisoteou a Lei Maior, como, indevidamente,
arvorou-se em instância revisora do Supremo.
Diante dessa flagrante inconstitucionalidade,
não tardou para que o STF interviesse para restabelecer a ordem. No mesmo dia,
Moraes anulou a decisão da Câmara e determinou que o presidente da Casa, Hugo
Motta (Republicanos-PB), dê posse ao suplente de Zambelli em até 48 horas. O
ministro destacou na decisão que ao Congresso cabe apenas “declarar a perda do
mandato”, ou seja, “editar ato administrativo” vinculado à sentença transitada
em julgado.
A preservação do mandato de Zambelli colidia
com um precedente explícito. Em 2013, vale lembrar, quando o plenário da Câmara
rejeitou a cassação do deputado Natan Donadon (MDB-RO), também condenado
criminalmente com trânsito em julgado, o então ministro do STF Luís Roberto
Barroso acolhera pedido do PSDB para suspender os efeitos da sessão. Se a pena
imposta é em regime inicial fechado por tempo superior ao restante do mandato,
decidiu Barroso, a cassação é automática. A razão é óbvia: como alguém
impossibilitado fisicamente de representar seus eleitores, pelo singelo fato de
estar atrás das grades, pode seguir parlamentar? Zambelli está presa em Roma,
mas a realidade factual não sensibilizou o plenário.
O que se viu, mais uma vez, foi a supremacia
do espírito de corpo. Lamentável figura, Zambelli é uma indigente política
tratada como pária até entre os bolsonaristas mais empedernidos, a começar pelo
próprio Jair Bolsonaro. Com o destino político nas mãos de seus pares, não foi
mais do que um instrumento útil na guerra que parte expressiva do Congresso
trava contra o STF. Nessa rixa, o interesse público e a moralidade pública não
têm lugar. Por isso, a decisão de preservar o mandato da deputada se prestava a
enviar um recado ao STF.
Para piorar, a tibieza da Câmara ainda causou
um grave prejuízo político ao Estado de São Paulo, que, sem a substituição de
Zambelli por suplente que efetivamente possa representar os eleitores
paulistas, restará ainda mais sub-representado no Legislativo federal.
A Câmara foi institucionalmente
irresponsável. Ao desafiar abertamente uma decisão judicial definitiva e
reinterpretar a Constituição segundo suas conveniências de ocasião, a Casa abre
precedente que põe em risco o amadurecimento institucional do País. Se cada
Casa Legislativa puder decidir, caso a caso, se cumpre ou não a Constituição ao
lidar com parlamentares que se bandearam para o crime, o Estado de Direito
torna-se mero ornamento retórico.
A guarida dada a uma criminosa condenada
revela o quão baixo a Câmara está disposta a ir em sua disputa por poder com o
STF. Não se pode perder de vista que é na Corte que está a grande chance de
moralização da representação política popular: o fim da malversação de bilhões
de reais em emendas parlamentares.
A queda da pobreza é circunstancial
Por O Estado de S. Paulo
Apesar da redução para o menor nível
histórico, número de brasileiros pobres segue enorme e deve subir, pois a
economia desacelera e a informalidade é alta no mercado de trabalho
O número de brasileiros pobres ou miseráveis
caiu para o menor patamar histórico em 2024, de acordo com o IBGE. Trata-se de
notícia indiscutivelmente positiva, que o governo de Lula da Silva certamente
celebrará como uma conquista petista.
No entanto, é preciso cautela: nada sugere
que esse contingente de cidadãos tenha conseguido deixar de vez a pobreza,
porque o motivo que os tirou de lá é circunstancial, e não estrutural. Ou seja,
trata-se de uma população vulnerável, que a qualquer momento, a depender dos
sacolejos da economia, pode voltar à condição de pobreza, porque sua situação
segue sendo intrinsecamente precária.
No ano passado, 48,9 milhões de brasileiros
(23,1% da população) viviam abaixo da linha da pobreza, isto é, sobreviviam com
R$ 23,13 por dia. Em 2023, esse contingente era de 57,6 milhões de pessoas. Já
o número de miseráveis, ou seja, os que sobrevivem com menos de R$ 7,27 por
dia, equivalia a 3,5% da população em 2024, ou 7,4 milhões de brasileiros, ante
4,4% (9,3 milhões) em 2023.
Mesmo no menor patamar histórico, o número de
brasileiros abaixo da linha da pobreza ou em situação de miséria segue
inaceitavelmente elevado. Mais de um quarto dos mais de 200 milhões de
brasileiros vive em situação de vulnerabilidade ou extrema vulnerabilidade.
Mas, além de o Brasil ainda ter pobres e
miseráveis demais, a queda no porcentual daqueles que deixaram tão infame
condição dependeu do aquecimento circunstancial do mercado de trabalho e dos
programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, segundo o IBGE.
Em outubro, a taxa de desemprego no Brasil
caiu para 5,4%, a menor já registrada no País. Ou seja, vive-se hoje uma
situação de pleno emprego. Tal quadro, porém, dificilmente se sustentará, uma
vez que o choque de juros promovido pelo Banco Central (BC) já provoca a
desaceleração do PIB. No terceiro trimestre, por exemplo, o produto interno
brasileiro teve expansão anêmica, de 0,1%.
Mesmo com a desaceleração encaminhada da
economia, a inflação, que vem caindo lentamente, segue muito elevada, bastante
acima da meta do BC, de 3% ao ano. Isso significa que a taxa básica de juros,
atualmente em 15% ao ano, seguirá acima de dois dígitos ainda por um longo
período. Nesse cenário, é improvável que os indicadores de desemprego
mantenham-se tão favoráveis como agora. E há ainda a questão fundamental da
natureza do emprego.
Apesar dos recordes positivos, o grau de
formalização do trabalho no Brasil é muito baixo. O número de funcionários com
carteira assinada era de menos de 50 milhões em outubro, num contingente de
102,6 milhões de trabalhadores. A grande massa de trabalhadores no Brasil é
aquela que vive de bicos. São os inúmeros brasileiros que vendem toda sorte de
produtos pelas ruas das grandes cidades ou que, graças ao advento dos
aplicativos de entrega e de transporte, conseguem gerar alguma renda para sua
família.
Ocorre que essa grande massa não apenas
mascara a realidade do emprego no Brasil, como também é extremamente vulnerável
à desaceleração econômica em curso. São pessoas que, em razão da baixa
escolaridade e da falta de habilidades técnicas, só não estão em situação de
desemprego graças à chamada uberização da economia.
Para o governo Lula, a queda nos indicadores
de pobreza mostra que “o Brasil vive uma nova realidade, com mais
oportunidades, melhora da renda e redução da desigualdade”. Embora a fotografia
de momento até apoie tal celebração, a realidade é que o Brasil segue longe de
oferecer à sua população condições reais de prosperar e superar as
desigualdades, de modo que a pobreza não seja uma constante ameaça.
Enquanto o governo seguir gastando muito – e
mal – e não promover melhora efetiva na qualidade da educação, o Brasil seguirá
sendo uma nação dependente de programas como o Bolsa Família e de trabalho
precário para aliviar um pouco o fardo de milhões de brasileiros para os quais
o Estado sempre esteve de costas.
Sem educação de qualidade, inovação e aumento
da produtividade, o Brasil não só arrisca ver os números de pobres e miseráveis
diminuir ou aumentar circunstancialmente, como transforma programas de
transferência de renda em fim, desvirtuando completamente o caráter de
políticas públicas que deveriam funcionar como paliativos temporários.
BC com os pés no chão
Por O Estado de S. Paulo
Diferentemente do governo, o Copom está no
mundo real. Por isso, manteve os juros a 15%
Ninguém, nem mesmo o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, pode se dizer surpreso com o fato de que o Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em 15%
ao ano. Por diversas vezes ao longo das últimas semanas, o presidente da
instituição, Gabriel Galípolo, descartou iniciar um ciclo de queda da Selic
ainda neste ano, e o comunicado divulgado após a reunião desta semana sinalizou
tampouco haver condições de que isso possa ocorrer em janeiro.
Se é verdade que o Produto Interno Bruto
(PIB) dá sinais de moderação, ainda que em nível mais lento do que o BC
desejava, também é fato que o governo faz de tudo para impedir que isso ocorra
por meio de impulsos fiscais. O mercado de trabalho não dá trégua, com a taxa
de desemprego atingindo 5,4% no trimestre encerrado em outubro, o menor índice
da série histórica, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Já a inflação até voltou a ficar abaixo do
teto da meta e fechou em 4,46% no acumulado de 12 meses até novembro, algo que
não ocorria desde setembro do ano passado, mas os serviços ainda rodam bem
perto dos 6%, e os preços administrados, por sua vez, acima de 5%. Para o BC, o
que realmente importa é alcançar 3%, o centro da meta, e no horizonte
relevante, ou seja, daqui a 18 meses. E as expectativas de mercado mostram que
isso ainda não ocorreu, mas falta pouco – a projeção para o IPCA do segundo
trimestre de 2027 caiu de 3,3% para 3,2%.
A despeito da ânsia do governo e do setor
produtivo por cortes na Selic, a decisão do Copom foi unânime. A unidade do BC,
neste momento, contrasta com a divisão no banco central norte-americano (Fed,
na sigla em inglês). Por lá, os juros caíram 0,25 ponto porcentual, para o
intervalo entre 3,5% e 3,75% ao ano, mas com muita divisão. Dois membros do
Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) votaram por
mantê-la inalterada, enquanto um, nomeado pelo presidente dos EUA, Donald
Trump, por um corte ainda maior, de 0,50 ponto porcentual.
Tal nível de dissidência não ocorria havia
seis anos e adiciona incertezas a um cenário já bastante conturbado. Afinal, os
juros norte-americanos estão em queda a despeito de a inflação estar em 3% em
termos anualizados, bem acima da meta de 2%. Muito disso se deve aos efeitos do
tarifaço que Trump impôs a produtos importados, parcialmente revertido depois
da queda de sua popularidade e de importantes derrotas eleitorais.
Por aqui, o BC tem sido mais prudente. Sete
dos nove diretores do Copom foram indicados por Lula. O mandato dos dois
últimos remanescentes da era Jair Bolsonaro se encerra no fim deste ano, mas os
novos nomes ainda não foram enviados ao Congresso. Isso talvez explique o tom
conservador do comunicado, que não deixou qualquer margem para especulações,
ainda mais em um ano eleitoral.
O governo, de sua parte, chiou pouco desta vez. De um lado, sabe que inflação alta é sempre ruim para quem disputa a reeleição. De outro, o início dos cortes na Selic está cada dia mais próximo – provavelmente em março, a tempo de Lula bater o bumbo na campanha.
Trump testa na Venezuela nova estratégia de
segurança
Por Valor Econômico
O “Corolário Trump” prega o uso da força como
a melhor forma de dissuasão, falar de forma rude e com ameaças de porrete em
primeiro lugar
A América Latina foi deixada em terceiro
plano na política externa americana por três décadas e agora subiu alguns
degraus nas prioridades dos Estados Unidos, como um redivivo “quintal” e palco
da rivalidade global do país com a China. O primeiro capítulo da nova estratégia
de segurança nacional do presidente Trump, recentemente divulgado, lembra os
piores capítulos da velha ordem. E está sendo aplicado na Venezuela, para onde
os EUA enviaram forças navais e aéreas que mataram 87 pessoas com a destruição
de barcos supostamente com drogas. Agora, se apoderaram de um petroleiro em
águas internacionais próximas da costa venezuelana. Há no ar elementos das
antigas invasões de “marines”, desta vez para forçar a saída do ditador Nicolás
Maduro. Trump preza o espetáculo e a ameaça da força, sem que isso indique que
vá de fato fazer uso dela.
A estratégia de segurança, que menciona a
Doutrina Monroe (a América para os americanos) e cria um “Corolário Trump”,
assemelhado ao Corolário Roosevelt que se tornou famoso no início do século XX,
resumido na frase “fale suavemente e carregue um grande porrete”. Trump julga
ter aprimorado a fórmula, falando rudemente e com ameaças de porretadas em
primeiro lugar. “A força é a melhor forma de dissuasão”, diz a nova cartilha de
segurança nacional.
Como maior potência militar, econômica,
financeira e tecnológica do mundo, os EUA querem manter essa liderança
impedindo que outras nações os superem nesses quesitos, e hoje só há uma capaz
disso: China. A “doutrina” Trump dava impressão de desengajamento e volta ao
isolacionismo do país no mundo, mas era só impressão. “Os EUA não podem
permitir a qualquer nação tornar-se tão dominante a ponto de ameaçar seus
interesses”. Isso inclui impedir a expansão tecnológica, econômica ou militar
da China em todos os continentes, e ela tem presença avançada na América
Latina.
Em um tom que pode trazer preocupação à
diplomacia brasileira, a estratégia menciona que “certa influência externa será
difícil de reverter, dados os alinhamentos políticos entre certos governos
latino-americanos e certos atores externos”. O Brasil é membro fundador do
Brics, hoje ampliado e dominado pela China como um bloco potencialmente
antagônico aos EUA e destinado a arregimentar o “Sul Global” para suas causas.
A definição dos interesses políticos e
materiais de segurança dos EUA é ampla o suficiente para motivar intromissão em
todos os países que possuam ativos valiosos, como a política do “big stick”
influenciou as ditaduras das “repúblicas de bananas” da América Central. Hoje,
os EUA exigem acesso garantido a “materiais e cadeias de suprimento críticas”,
uma das prioridades econômicas, ao lado do comércio equilibrado, da
reindustrialização, do domínio energético e da reanimação da base industrial de
defesa.
Para isso, a estratégia de Trump assevera que
negará aos competidores de fora do Hemisfério Ocidental (leia-se China) a
capacidade de “possuir ou controlar ativos vitais estratégicos”. Nessa tarefa,
os EUA precisarão de ajuda, e sua diplomacia deverá ter “foco em engajar
campeões regionais para que possam criar uma estabilidade tolerável na região,
mesmo além de suas fronteiras”. Esse, por exemplo, poderia ser o papel do
Brasil no desarme do conflito dos EUA com Nicolás Maduro, que ameaça a paz
regional. Em conversas com Lula, Trump desconversou sobre as ofertas de
mediação brasileira.
O engajamento de nações alinhadas aos EUA
buscará em primeiro lugar cessar a migração ilegal para os EUA e combater
cartéis das drogas. Mas não se trata apenas de atrair governos. No documento,
os EUA prometem “recompensar e encorajar partidos políticos e movimentos
amplamente alinhados com nossos princípios e estratégia”. Com base nessas
ideias foi que Trump castigou o Brasil com 50% de tarifas alegando
“perseguição” política ao ex-presidente Jair Bolsonaro e depois mudou de ideia.
Nada garante que não recaia nelas, mas o fato é que assume abertamente
interferência política em países soberanos. Os EUA não ignorarão, porém,
“governos com diferentes orientações que queiram, apesar disso, dividir
interesses e trabalhar com o país”.
Caso não sejam eleitos como parceiros de
primeira escolha, os EUA irão “por vários meios desencorajar sua colaboração
com outros", supostamente adversários americanos. O convencimento
envolverá, obviamente, recursos. Qualquer aliança ou ajuda, aponta o documento,
dependerá de reduzir a “influência externa adversária” do controle de
instalações militar, portos, infraestrutura chave e a aquisição de ativos
estratégicos.
Chama a atenção que sai da política externa o mantra de levar a democracia a todos os cantos do planeta, que já serviu de pretexto a várias intervenções armadas ao redor do mundo. Para Trump, a tarefa do governo é assegurar “os direitos naturais dados por Deus aos cidadãos americanos”. Autocratas como Trump têm um conceito especial de liberdades e passam a criticar “restrições antidemocráticas a liberdades essencias na Europa”. E não se trata da Rússia, mas das velhas democracias continentais, antes as principais aliadas dos Estados Unidos.
Câncer de pele: do alerta a ações concretas
Por Correio Braziliense
O Dezembro Laranja visa conscientizar as
pessoas sobre proteção solar, autoexame e procura rápida por atendimento, mas
enfrenta limites estruturais e culturais.
O Dezembro Laranja é, mais do que uma
campanha anual, um lembrete incômodo: o câncer de pele continua sendo o tipo de
câncer mais incidente no Brasil e um problema de saúde pública que conjuga
prevenção, diagnóstico precoce e tratamento — sem que isso, no entanto,
traduza-se em uma resposta pública totalmente eficaz. A campanha visa
conscientizar as pessoas sobre proteção solar, autoexame e procura rápida por
atendimento, mas enfrenta limites estruturais e culturais.
Os dados do Instituto Nacional de Câncer
(Inca) mostram que o câncer de pele não melanoma é responsável por parcela
importante dos tumores no país: as estimativas recentes apontam para centenas
de milhares de casos a cada triênio, enquanto o melanoma — apesar de menos
frequente — é o mais letal entre os tumores cutâneos.
Globalmente, as estimativas da Agência
Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc/Globocan) mostram que os cânceres de
pele (incluindo não melanoma e melanoma) figuram entre os tipos com maior
incidência em várias regiões, com taxas particularmente altas em países de
predominância de pele clara e grande exposição solar, o que demonstra que a
prevenção do câncer de pele é relativamente direta em termos de recomendações:
uso diário de filtro solar, roupas de proteção, evitar exposição solar intensa
e checar manchas ou sinais suspeitos.
Ainda assim, persistem gargalos
comportamentais e informacionais, como a subestimação do risco (especialmente
entre homens), o uso irregular de fotoproteção e a falta de acesso a consultas
dermatológicas para populações de menor renda ou residentes em áreas remotas.
Campanhas como o Dezembro Laranja ajudam a reduzir essa lacuna informativa, mas
não substituem políticas públicas contínuas e educação em saúde integradas ao
sistema escolar, às unidades de saúde e aos ambientes de trabalho ao ar livre.
Formalmente, o Sistema Único de Saúde (SUS)
tem uma rede habilitada para atenção oncológica em todos os estados, o que
garante, ao menos em teoria, portas de entrada para diagnóstico e tratamento.
No entanto, a realidade de acesso varia: demora em consultas dermatológicas,
fila para biópsias, diferenças regionais na oferta de radioterapia e limitações
na continuidade do acompanhamento são problemas documentados em relatos e
análises.
O arsenal terapêutico para câncer de pele
inclui cirurgia (procedimento curativo para a maioria dos não melanomas e
tumores superficiais), radioterapia (em casos selecionados ou paliativos) e
tratamentos sistêmicos, como quimioterapia, terapias-alvo e imunoterapia para
melanomas avançados. Todos previstos nas diretrizes oncológicas, mas com
disponibilidade e tempo de acesso que variam entre centros.
Sem uma agenda pública que una prevenção permanente, investimento em atenção primária e ampliação da capacidade oncológica, a campanha anual continuará sendo um importante alerta, sem desdobramentos vitais. É preciso transformar advertência em ação concreta, com metas, financiamento e governança que garantam que, quando necessário, quem recorra ao SUS encontre uma estrutura capaz de diagnosticar e tratar com qualidade a sua condição.
Senado aprova projeto antifacção
Por O Povo (CE)
Medidas eficazes são necessárias para
combater o crime organizado, que se infiltra perigosamente nas instituições
brasileiras
A tramitação do projeto de lei 5582/2025, o
PL Antifacção, é um exemplo de como assuntos polêmicos podem ser tratados de
maneira adequada no Congresso Nacional, sem os graves conflitos que vêm
marcando ultimamente as sessões da Câmara dos Deputados. Isso não significa a
inexistência de divergência entre os parlamentares, o que é próprio da
democracia.
A oposição apresentou uma proposta para
classificar as organizações criminosas como "grupos terroristas", o
que foi deixado de lado no decorrer das discussões. O governo, por seu lado,
fazia críticas ao relator, sob o argumento de que o relator teria
descaracterizado o texto original, enviado pelo Executivo.
Especialistas afirmam que seria um equívoco a
equiparação, pois existe uma diferença fundamental entre essas organizações: as
facções têm o lucro como objetivo central, enquanto os grupos terroristas agem
por motivos ideológicos. A medida era rejeitada principalmente pelos aliados do
governo, a partir do entendimento de que isso poderia abrir alguma brecha para
intervenção americana em assuntos internos do Brasil.
No Senado, a relatoria do projeto foi
entregue a Alessandro Vieira (MDB-SE), um parlamentar conhecido por sua
independência e pelo zelo com que considera as questões técnicas dos temas sob
sua análise. Vieira também dispõe de longa experiência na área da segurança
pública, tendo exercido o cargo de delegado-geral da Polícia Judiciária de
Sergipe, antes de se tornar senador.
Foi dessa maneira, sem espetacularização, que
o plenário do Senado aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira, o projeto
criando um novo marco legal para o enfrentamento ao crime organizado. O
trabalho do senador conseguiu uma rara unanimidade em tempos de
"polarização", mostrando ser possível chegar-se a consensos quando o
debate é pautado pela civilidade.
A proposta apresentada por Vieira aumenta a
pena máxima dos crimes relacionados a facções criminosas, equiparando milícias
privadas a elas. As penas para integrantes das organizações criminosas poderão
chegar a 120 anos de reclusão, com a progressão de regime tornando-se mais
rígida. O relatório ainda prevê taxação sobre as bets para arrecadar até R$ 30
bilhões por ano para investimento em segurança pública. Os recursos serão
geridos por um fundo federal, em parceria com os estados.
Como alguns pontos foram alterados no Senado, o PL Antifacção volta agora à Câmara dos Deputados, que pode acatar ou não as propostas do relator Alessandro Vieira. O importante é que o debate continue da mesma forma proveitosa que ocorreu até agora, resultando em medidas eficazes para combater o crime organizado, que se infiltra perigosamente nas instituições brasileiras.

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