sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC que acaba com escala 6 por 1 não passa de populismo

Por O Globo

Sem aumentar produtividade, reduzir jornada de trabalho equivale a incentivar o desemprego e a pobreza

Num rompante demagógico, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) reduzindo a jornada de trabalho de 44 horas semanais para 36 horas ao longo de cinco anos. A PEC determina o fim da escala 6 por 1 e, em seu ímpeto populista, consegue ser ainda mais radical que um Projeto de Lei em debate na Câmara prevendo redução da jornada para 40 horas. Ante a proximidade do recesso parlamentar, o texto só deverá ser analisado no ano que vem. O prazo largo é a única boa notícia, tamanho o risco embutido na proposta.

À primeira vista, o fim da escala 6 por 1 parece uma ideia atraente. O cotidiano de quem sai de casa para trabalhar seis dias por semana é massacrante, e outros países já reduziram a carga horária semanal. Defensores das mudanças costumam apresentá-la como avanço civilizatório comparável a conquistas trabalhistas do passado. Infelizmente, tal argumento esbarra na realidade. Se adotada, a PEC terá como consequência inevitável mais desemprego, mais pobreza e mais miséria.

Em qualquer país, a riqueza produzida resulta da quantidade de horas trabalhadas e da produtividade. É ilusório querer reduzir um desses fatores sem reduzir a renda da população. Entre economistas, não há consenso sobre o estrago exato trazido pela redução da jornada, mas eles são unânimes ao prever queda de grandes proporções na economia. Sem terem como reduzir o salário dos funcionários cujas jornadas diminuiriam, nem como contratar outros para manter o nível de atividade, os empresários não teriam opção senão demitir. Na previsão pessimista, o corte ultrapassaria 1 milhão de vagas.

Nada disso parece importar diante do apelo eleitoral da proposta populista. O governo insiste que o trabalhador brasileiro será mais produtivo, tendo mais tempo para descansar e estudar. Esquece que não há rigorosamente nenhuma evidência disso na experiência até hoje acumulada. Na França, uma reforma aprovada em dois momentos (1998 e 2000) instituiu a semana de 35 horas. Logo se viu como era problemática, com impacto negativo no emprego. A partir de 2003, começou a ser desidratada. Novas leis elevaram as horas extras permitidas, e negociações setoriais criaram exceções e mais flexibilidade. Um estudo sobre experiências similares de Portugal, Itália, Bélgica e Eslovênia concluiu que não houve mudança digna de nota na produtividade nem nas contratações.

Diferenças na legislação trabalhista da União Europeia e dos Estados Unidos ajudam a explicar por que a economia europeia cresce em ritmo inferior à americana. Forçar um país de renda média como o Brasil a adotar uma trajetória de crescimento do PIB ainda pior que a registrada nas últimas quatro décadas seria um desastre, em particular para os mais pobres. Uma economia produzindo menos riqueza afetaria os recursos dos programas sociais e diminuiria o bem-estar da população.

Antes de reduzir a jornada de trabalho, Congresso e governo deveriam concentrar energias em aumentar a produtividade. Nas empresas produtivas, já vigoram na prática jornadas mais flexíveis. À medida que a economia brasileira se livrar das amarras que a impedem de ganhar eficiência, o modelo será estendido — e a mudança na lei será consequência natural. Sem maior produtividade, reduzir a jornada de trabalho é só populismo — com mais desemprego e mais pobreza.

Senado aperfeiçoou PL Antifacção; Câmara deveria referendar novo texto

Por O Globo

Relator Alessandro Vieira corrigiu problemas e omissões da primeira versão recebida dos deputados

O Senado aperfeiçoou o Projeto de Lei (PL) Antifacção, cujo objetivo é combater o crime organizado. O relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), corrigiu distorções e omissões no texto enviado pela Câmara — como a superposição de leis que beneficiava os criminosos — e manteve avanços. Prova de que as mudanças são sensatas foi a aprovação por unanimidade (64 votos a 0) na quarta-feira, fato nada desprezível considerando as divergências quase intransponíveis entre governistas e oposicionistas em relação ao tema.

O crime organizado representa um dos maiores desafios para a segurança pública. O PL aumenta as penas para crimes cometidos por facções criminosas e milícias, redefine conceitos jurídicos, amplia instrumentos de investigação e estabelece recursos para o setor. Cria o tipo penal “facção criminosa”, inserido diretamente na Lei de Organizações Criminosas. Ela é definida como grupo que atua mediante controle territorial ou em vários estados usando violência, coação, ameaça ou meios semelhantes. Promover, constituir, financiar ou integrar essas quadrilhas resulta em pena de 15 a 30 anos de prisão. Para os líderes, a punição dobra. Há agravantes, como recrutamento de crianças e adolescentes, uso de explosivo e obstrução de portos, aeroportos ou rodovias. Esses crimes serão considerados hediondos, e seus autores não poderão ser beneficiados por anistia, graça, indulto, fiança ou livramento condicional. Para fins legais, as milícias privadas são equiparadas às facções.

Condenados por crimes hediondos terão de cumprir ao menos 70% da pena em regime fechado. Para integrantes de facções, milícias e outras organizações criminosas, o percentual sobe a 75% e, em caso de reincidência, 85%. O texto aprovado cria uma contribuição sobre transferências a casas de apostas, cuja alíquota será de 15% e que, diz Vieira, poderá gerar até R$ 30 bilhões anuais a ações de segurança e ao sistema carcerário. Ao menos 60% da arrecadação será descentralizada, por meio de fundos estaduais. As fontes de financiamento da Polícia Federal — principal queixa do governo em relação ao texto da Câmara — não mudam.

Com a intenção de asfixiar as finanças das quadrilhas, o PL permite bloqueio ágil de contas e bens, intervenção judicial em empresas que apoiem grupos criminosos e a perda do patrimônio ainda na fase de investigação. Prevê ainda a criação de um banco nacional de dados de pessoas físicas e jurídicas acusadas de integrar organizações criminosas. E regras mais rígidas para o setor de combustíveis, alvo das facções para lavar dinheiro.

O texto constitui um arcabouço jurídico robusto para modernizar a legislação brasileira e dar ao Estado melhores condições de combater as organizações criminosas. Como foi alterado pelos senadores, voltará à Câmara. É desejável que os deputados mantenham as mudanças. Seria uma lástima se retomassem o texto anterior. É claro que nenhuma lei terá o condão de resolver, sozinha, a grave crise da segurança. Mas o PL representa enorme avanço em relação ao que existe hoje.

Um passo contra a sonegação e o crime organizado

Por Folha de S. Paulo

Com atraso, Congresso aprova projeto do devedor contumaz, pessoa jurídica que evita pagamento de tributos

O potencial arrecadatório superaria R$ 30 bi anuais, montante expressivo sobretudo no contexto atual de fragilidade do Orçamento público

Com 436 votos favoráveis e apenas 2 contrários, a Câmara dos Deputados enfim aprovou, na terça-feira (9), o projeto de lei que tipifica o devedor contumaz e institui o Código de Defesa do Contribuinte.

Trata-se de avanço considerável, ainda que tardio, no combate à sonegação fiscal sistemática, com impactos positivos para o enfrentamento do crime organizado e da concorrência desleal —quando empresas que ignoram tributos conseguem praticar preços artificialmente baixos, sufocando concorrentes honestos e distorcendo mercados.

O essencial no texto, que tramitava desde 2022, é a definição de critérios objetivos para caracterizar esse tipo de devedor e punir de forma mais rígida o uso dessa estratégia de negócio a fim de obter vantagens indevidas sobre empresas que cumprem ou tentam cumprir suas obrigações.

Enquadra-se na categoria quem incorrer em inadimplência substancial, reiterada e injustificada de tributos. No âmbito federal, a dívida é considerada substancial se ultrapassar R$ 15 milhões e representar mais de 100% do patrimônio conhecido da empresa, em pelo menos quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados em 12 meses.

Para as esferas estadual e municipal, os valores serão definidos por legislações locais em até um ano, garantindo adaptação.

Há salvaguardas em casos de calamidade pública, e uma empresa autuada como devedora contumaz terá prazo para demonstrar que obteve resultado negativo recente e que não buscou esconder patrimônio.

Segundo estimativas, seriam atingidos 1.200 CNPJs, com potencial arrecadatório que supera os R$ 30 bilhões anuais —um montante expressivo, sobretudo no contexto atual de fragilidade do Orçamento público.

Não é preciso muita imaginação para suspeitar que tais praticas também estejam conectadas ao crime organizado. Um exemplo foi dado pela Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto, que revelou esquema de lavagem de dinheiro e sonegação no setor de combustíveis, envolvendo fintechs ligadas a facções criminosas e movimentações de R$ 70 bilhões em um ano.

Para dificultar o uso do sistema financeiro para propósitos escusos, o texto aprovado pela Câmara traz exigências de maior controle e transparência em fintechs e fundos de investimento.

Foi superado, felizmente, o temor de que maior rigor contra devedores contumazes abriria espaço para uma caça aos contribuintes honestos que enfrentam dificuldades ocasionais. Ao contrário, o projeto reforça a segurança jurídica, com incentivos e mecanismos para conformidade voluntária, como prazos estendidos para quitação e reduções de juros e multas.

Ao isolar os sonegadores crônicos, o projeto avança no combate à evasão fiscal e às engrenagens que alimentam o crime e comprometem a livre concorrência. Merece a sanção presidencial.

Mais mortes e menos nascimentos pressionam gastos

Por Folha de S. Paulo

Números mais recentes do IBGE confirmam envelhecimento da população, que afeta Previdência e SUS

Com mais idosos e população ativa menor, poder público precisa conter aumento de despesas e alocar recursos com maior eficiência

Dados do IBGE divulgados na quarta (10) reafirmam a tendência de envelhecimento da população brasileira, que pressiona a Previdência Social e o sistema de saúde. Nesse sentido, trata-se de um alerta para que governos implementem reformas em prol do uso racional do dinheiro público e da contenção de gastos, que crescem de forma insustentável nos últimos anos.

O número de mortes no país vinha subindo lentamente desde 2004 —início da série apresentada pelo IBGE— e saltou na pandemia, indo de 1,3 milhão em 2019 para 1,8 milhão em 2021. Após o pico na crise sanitária, a cifra caiu a 1,5 milhão em 2022 e a 1,4 milhão no ano seguinte, mas voltou a subir em 2024, retomando o patamar de dois anos antes.

Quanto mais acentuado o envelhecimento, maior o número de óbitos. Do total no ano passado, 90,9% foram por causas naturais (processos internos do organismo), e 6,9%, por externas (homicídios, suicídios e acidentes).

O estado com a maior taxa de casos do tipo externo é o Amapá (13,9%), que, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi o líder em mortes violentas intencionais em 2024, com 45,1 por 100 mil habitantes, ante 20,8 por 100 mil na média nacional.

O processo de envelhecimento se estabelece também por meio da diminuição dos nascimentos. Em 2024, o Brasil apresentou a sexta queda consecutiva, com 2,37 milhões, uma retração de 5,8% em relação a 2023 —a maior redução percentual de um ano para o outro desde 2004.

O fenômeno, que é global, tem causas como aumento do custo de vida, controle reprodutivo eficaz, rede pública de creches precária e adiamento da maternidade por mulheres que passam a privilegiar a carreira profissional, evitando a dupla jornada de trabalho no ambiente doméstico.

Com mais idosos e população economicamente ativa menor, a conta para sustentar Previdência e saúde não fecha, principalmente com o desarranjo fiscal, mais grave na esfera federal.

Se grande parte dos orçamentos é engessada por gastos obrigatórios (Previdência, funcionalismo, benefícios sociais), sobra pouca margem de manobra para investimentos em setores como o SUSinfraestrutura e educação.

O Brasil não aproveitou seu período de bônus demográfico para fazer sua economia crescer e, assim, se preparar para o envelhecimento populacional. Sem ter enriquecido, o país terá de escolher prioridades para ser capaz de fazer frente a novas despesas sem comprometer o combate à desigualdade social nem a solvência do Estado, hoje já ameaçada.

Câmara entra em terreno perigoso

Por O Estado de S. Paulo

Ao preservar o mandato de Zambelli, criminosa condenada e presa, Câmara afronta a Constituição, o STF e o bom senso, e leva a atual crispação institucional a um patamar desconhecido

Na madrugada de ontem, o plenário da Câmara dos Deputados, em afronta à Constituição, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao bom senso, decidiu não cassar o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP). A parlamentar, como se sabe, é uma criminosa condenada pelo STF a 10 anos de prisão em regime inicialmente fechado por ter se associado a um hacker para invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça entre agosto de 2022 e janeiro de 2023 e forjar um mandado de prisão contra o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes. A decisão judicial transitou em julgado – isto é, não cabem mais recursos.

A cassação da sra. Zambelli, convém sublinhar, não era objeto de deliberação política – era uma imposição constitucional. O art. 55 da Constituição está escrito em português cristalino: “perderá o mandato” o parlamentar que “sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. É precisamente o caso da deputada, assim como o de Alexandre Ramagem (PL-RJ), seu parceiro no rol dos culpados mais recentes.

Portanto, não há espaço para criatividade hermenêutica ou casuísmos. A perda do mandato, em tal hipótese, não é um ato discricionário das Casas do Congresso, mas um comando a ser obedecido. Ao rebelar-se, a Câmara não só pisoteou a Lei Maior, como, indevidamente, arvorou-se em instância revisora do Supremo.

Diante dessa flagrante inconstitucionalidade, não tardou para que o STF interviesse para restabelecer a ordem. No mesmo dia, Moraes anulou a decisão da Câmara e determinou que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), dê posse ao suplente de Zambelli em até 48 horas. O ministro destacou na decisão que ao Congresso cabe apenas “declarar a perda do mandato”, ou seja, “editar ato administrativo” vinculado à sentença transitada em julgado.

A preservação do mandato de Zambelli colidia com um precedente explícito. Em 2013, vale lembrar, quando o plenário da Câmara rejeitou a cassação do deputado Natan Donadon (MDB-RO), também condenado criminalmente com trânsito em julgado, o então ministro do STF Luís Roberto Barroso acolhera pedido do PSDB para suspender os efeitos da sessão. Se a pena imposta é em regime inicial fechado por tempo superior ao restante do mandato, decidiu Barroso, a cassação é automática. A razão é óbvia: como alguém impossibilitado fisicamente de representar seus eleitores, pelo singelo fato de estar atrás das grades, pode seguir parlamentar? Zambelli está presa em Roma, mas a realidade factual não sensibilizou o plenário.

O que se viu, mais uma vez, foi a supremacia do espírito de corpo. Lamentável figura, Zambelli é uma indigente política tratada como pária até entre os bolsonaristas mais empedernidos, a começar pelo próprio Jair Bolsonaro. Com o destino político nas mãos de seus pares, não foi mais do que um instrumento útil na guerra que parte expressiva do Congresso trava contra o STF. Nessa rixa, o interesse público e a moralidade pública não têm lugar. Por isso, a decisão de preservar o mandato da deputada se prestava a enviar um recado ao STF.

Para piorar, a tibieza da Câmara ainda causou um grave prejuízo político ao Estado de São Paulo, que, sem a substituição de Zambelli por suplente que efetivamente possa representar os eleitores paulistas, restará ainda mais sub-representado no Legislativo federal.

A Câmara foi institucionalmente irresponsável. Ao desafiar abertamente uma decisão judicial definitiva e reinterpretar a Constituição segundo suas conveniências de ocasião, a Casa abre precedente que põe em risco o amadurecimento institucional do País. Se cada Casa Legislativa puder decidir, caso a caso, se cumpre ou não a Constituição ao lidar com parlamentares que se bandearam para o crime, o Estado de Direito torna-se mero ornamento retórico.

A guarida dada a uma criminosa condenada revela o quão baixo a Câmara está disposta a ir em sua disputa por poder com o STF. Não se pode perder de vista que é na Corte que está a grande chance de moralização da representação política popular: o fim da malversação de bilhões de reais em emendas parlamentares.

A queda da pobreza é circunstancial

Por O Estado de S. Paulo

Apesar da redução para o menor nível histórico, número de brasileiros pobres segue enorme e deve subir, pois a economia desacelera e a informalidade é alta no mercado de trabalho

O número de brasileiros pobres ou miseráveis caiu para o menor patamar histórico em 2024, de acordo com o IBGE. Trata-se de notícia indiscutivelmente positiva, que o governo de Lula da Silva certamente celebrará como uma conquista petista.

No entanto, é preciso cautela: nada sugere que esse contingente de cidadãos tenha conseguido deixar de vez a pobreza, porque o motivo que os tirou de lá é circunstancial, e não estrutural. Ou seja, trata-se de uma população vulnerável, que a qualquer momento, a depender dos sacolejos da economia, pode voltar à condição de pobreza, porque sua situação segue sendo intrinsecamente precária.

No ano passado, 48,9 milhões de brasileiros (23,1% da população) viviam abaixo da linha da pobreza, isto é, sobreviviam com R$ 23,13 por dia. Em 2023, esse contingente era de 57,6 milhões de pessoas. Já o número de miseráveis, ou seja, os que sobrevivem com menos de R$ 7,27 por dia, equivalia a 3,5% da população em 2024, ou 7,4 milhões de brasileiros, ante 4,4% (9,3 milhões) em 2023.

Mesmo no menor patamar histórico, o número de brasileiros abaixo da linha da pobreza ou em situação de miséria segue inaceitavelmente elevado. Mais de um quarto dos mais de 200 milhões de brasileiros vive em situação de vulnerabilidade ou extrema vulnerabilidade.

Mas, além de o Brasil ainda ter pobres e miseráveis demais, a queda no porcentual daqueles que deixaram tão infame condição dependeu do aquecimento circunstancial do mercado de trabalho e dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, segundo o IBGE.

Em outubro, a taxa de desemprego no Brasil caiu para 5,4%, a menor já registrada no País. Ou seja, vive-se hoje uma situação de pleno emprego. Tal quadro, porém, dificilmente se sustentará, uma vez que o choque de juros promovido pelo Banco Central (BC) já provoca a desaceleração do PIB. No terceiro trimestre, por exemplo, o produto interno brasileiro teve expansão anêmica, de 0,1%.

Mesmo com a desaceleração encaminhada da economia, a inflação, que vem caindo lentamente, segue muito elevada, bastante acima da meta do BC, de 3% ao ano. Isso significa que a taxa básica de juros, atualmente em 15% ao ano, seguirá acima de dois dígitos ainda por um longo período. Nesse cenário, é improvável que os indicadores de desemprego mantenham-se tão favoráveis como agora. E há ainda a questão fundamental da natureza do emprego.

Apesar dos recordes positivos, o grau de formalização do trabalho no Brasil é muito baixo. O número de funcionários com carteira assinada era de menos de 50 milhões em outubro, num contingente de 102,6 milhões de trabalhadores. A grande massa de trabalhadores no Brasil é aquela que vive de bicos. São os inúmeros brasileiros que vendem toda sorte de produtos pelas ruas das grandes cidades ou que, graças ao advento dos aplicativos de entrega e de transporte, conseguem gerar alguma renda para sua família.

Ocorre que essa grande massa não apenas mascara a realidade do emprego no Brasil, como também é extremamente vulnerável à desaceleração econômica em curso. São pessoas que, em razão da baixa escolaridade e da falta de habilidades técnicas, só não estão em situação de desemprego graças à chamada uberização da economia.

Para o governo Lula, a queda nos indicadores de pobreza mostra que “o Brasil vive uma nova realidade, com mais oportunidades, melhora da renda e redução da desigualdade”. Embora a fotografia de momento até apoie tal celebração, a realidade é que o Brasil segue longe de oferecer à sua população condições reais de prosperar e superar as desigualdades, de modo que a pobreza não seja uma constante ameaça.

Enquanto o governo seguir gastando muito – e mal – e não promover melhora efetiva na qualidade da educação, o Brasil seguirá sendo uma nação dependente de programas como o Bolsa Família e de trabalho precário para aliviar um pouco o fardo de milhões de brasileiros para os quais o Estado sempre esteve de costas.

Sem educação de qualidade, inovação e aumento da produtividade, o Brasil não só arrisca ver os números de pobres e miseráveis diminuir ou aumentar circunstancialmente, como transforma programas de transferência de renda em fim, desvirtuando completamente o caráter de políticas públicas que deveriam funcionar como paliativos temporários.

BC com os pés no chão

Por O Estado de S. Paulo

Diferentemente do governo, o Copom está no mundo real. Por isso, manteve os juros a 15%

Ninguém, nem mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode se dizer surpreso com o fato de que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em 15% ao ano. Por diversas vezes ao longo das últimas semanas, o presidente da instituição, Gabriel Galípolo, descartou iniciar um ciclo de queda da Selic ainda neste ano, e o comunicado divulgado após a reunião desta semana sinalizou tampouco haver condições de que isso possa ocorrer em janeiro.

Se é verdade que o Produto Interno Bruto (PIB) dá sinais de moderação, ainda que em nível mais lento do que o BC desejava, também é fato que o governo faz de tudo para impedir que isso ocorra por meio de impulsos fiscais. O mercado de trabalho não dá trégua, com a taxa de desemprego atingindo 5,4% no trimestre encerrado em outubro, o menor índice da série histórica, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Já a inflação até voltou a ficar abaixo do teto da meta e fechou em 4,46% no acumulado de 12 meses até novembro, algo que não ocorria desde setembro do ano passado, mas os serviços ainda rodam bem perto dos 6%, e os preços administrados, por sua vez, acima de 5%. Para o BC, o que realmente importa é alcançar 3%, o centro da meta, e no horizonte relevante, ou seja, daqui a 18 meses. E as expectativas de mercado mostram que isso ainda não ocorreu, mas falta pouco – a projeção para o IPCA do segundo trimestre de 2027 caiu de 3,3% para 3,2%.

A despeito da ânsia do governo e do setor produtivo por cortes na Selic, a decisão do Copom foi unânime. A unidade do BC, neste momento, contrasta com a divisão no banco central norte-americano (Fed, na sigla em inglês). Por lá, os juros caíram 0,25 ponto porcentual, para o intervalo entre 3,5% e 3,75% ao ano, mas com muita divisão. Dois membros do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) votaram por mantê-la inalterada, enquanto um, nomeado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, por um corte ainda maior, de 0,50 ponto porcentual.

Tal nível de dissidência não ocorria havia seis anos e adiciona incertezas a um cenário já bastante conturbado. Afinal, os juros norte-americanos estão em queda a despeito de a inflação estar em 3% em termos anualizados, bem acima da meta de 2%. Muito disso se deve aos efeitos do tarifaço que Trump impôs a produtos importados, parcialmente revertido depois da queda de sua popularidade e de importantes derrotas eleitorais.

Por aqui, o BC tem sido mais prudente. Sete dos nove diretores do Copom foram indicados por Lula. O mandato dos dois últimos remanescentes da era Jair Bolsonaro se encerra no fim deste ano, mas os novos nomes ainda não foram enviados ao Congresso. Isso talvez explique o tom conservador do comunicado, que não deixou qualquer margem para especulações, ainda mais em um ano eleitoral.

O governo, de sua parte, chiou pouco desta vez. De um lado, sabe que inflação alta é sempre ruim para quem disputa a reeleição. De outro, o início dos cortes na Selic está cada dia mais próximo – provavelmente em março, a tempo de Lula bater o bumbo na campanha.

Trump testa na Venezuela nova estratégia de segurança

Por Valor Econômico

O “Corolário Trump” prega o uso da força como a melhor forma de dissuasão, falar de forma rude e com ameaças de porrete em primeiro lugar

A América Latina foi deixada em terceiro plano na política externa americana por três décadas e agora subiu alguns degraus nas prioridades dos Estados Unidos, como um redivivo “quintal” e palco da rivalidade global do país com a China. O primeiro capítulo da nova estratégia de segurança nacional do presidente Trump, recentemente divulgado, lembra os piores capítulos da velha ordem. E está sendo aplicado na Venezuela, para onde os EUA enviaram forças navais e aéreas que mataram 87 pessoas com a destruição de barcos supostamente com drogas. Agora, se apoderaram de um petroleiro em águas internacionais próximas da costa venezuelana. Há no ar elementos das antigas invasões de “marines”, desta vez para forçar a saída do ditador Nicolás Maduro. Trump preza o espetáculo e a ameaça da força, sem que isso indique que vá de fato fazer uso dela.

A estratégia de segurança, que menciona a Doutrina Monroe (a América para os americanos) e cria um “Corolário Trump”, assemelhado ao Corolário Roosevelt que se tornou famoso no início do século XX, resumido na frase “fale suavemente e carregue um grande porrete”. Trump julga ter aprimorado a fórmula, falando rudemente e com ameaças de porretadas em primeiro lugar. “A força é a melhor forma de dissuasão”, diz a nova cartilha de segurança nacional.

Como maior potência militar, econômica, financeira e tecnológica do mundo, os EUA querem manter essa liderança impedindo que outras nações os superem nesses quesitos, e hoje só há uma capaz disso: China. A “doutrina” Trump dava impressão de desengajamento e volta ao isolacionismo do país no mundo, mas era só impressão. “Os EUA não podem permitir a qualquer nação tornar-se tão dominante a ponto de ameaçar seus interesses”. Isso inclui impedir a expansão tecnológica, econômica ou militar da China em todos os continentes, e ela tem presença avançada na América Latina.

Em um tom que pode trazer preocupação à diplomacia brasileira, a estratégia menciona que “certa influência externa será difícil de reverter, dados os alinhamentos políticos entre certos governos latino-americanos e certos atores externos”. O Brasil é membro fundador do Brics, hoje ampliado e dominado pela China como um bloco potencialmente antagônico aos EUA e destinado a arregimentar o “Sul Global” para suas causas.

A definição dos interesses políticos e materiais de segurança dos EUA é ampla o suficiente para motivar intromissão em todos os países que possuam ativos valiosos, como a política do “big stick” influenciou as ditaduras das “repúblicas de bananas” da América Central. Hoje, os EUA exigem acesso garantido a “materiais e cadeias de suprimento críticas”, uma das prioridades econômicas, ao lado do comércio equilibrado, da reindustrialização, do domínio energético e da reanimação da base industrial de defesa.

Para isso, a estratégia de Trump assevera que negará aos competidores de fora do Hemisfério Ocidental (leia-se China) a capacidade de “possuir ou controlar ativos vitais estratégicos”. Nessa tarefa, os EUA precisarão de ajuda, e sua diplomacia deverá ter “foco em engajar campeões regionais para que possam criar uma estabilidade tolerável na região, mesmo além de suas fronteiras”. Esse, por exemplo, poderia ser o papel do Brasil no desarme do conflito dos EUA com Nicolás Maduro, que ameaça a paz regional. Em conversas com Lula, Trump desconversou sobre as ofertas de mediação brasileira.

O engajamento de nações alinhadas aos EUA buscará em primeiro lugar cessar a migração ilegal para os EUA e combater cartéis das drogas. Mas não se trata apenas de atrair governos. No documento, os EUA prometem “recompensar e encorajar partidos políticos e movimentos amplamente alinhados com nossos princípios e estratégia”. Com base nessas ideias foi que Trump castigou o Brasil com 50% de tarifas alegando “perseguição” política ao ex-presidente Jair Bolsonaro e depois mudou de ideia. Nada garante que não recaia nelas, mas o fato é que assume abertamente interferência política em países soberanos. Os EUA não ignorarão, porém, “governos com diferentes orientações que queiram, apesar disso, dividir interesses e trabalhar com o país”.

Caso não sejam eleitos como parceiros de primeira escolha, os EUA irão “por vários meios desencorajar sua colaboração com outros", supostamente adversários americanos. O convencimento envolverá, obviamente, recursos. Qualquer aliança ou ajuda, aponta o documento, dependerá de reduzir a “influência externa adversária” do controle de instalações militar, portos, infraestrutura chave e a aquisição de ativos estratégicos.

Chama a atenção que sai da política externa o mantra de levar a democracia a todos os cantos do planeta, que já serviu de pretexto a várias intervenções armadas ao redor do mundo. Para Trump, a tarefa do governo é assegurar “os direitos naturais dados por Deus aos cidadãos americanos”. Autocratas como Trump têm um conceito especial de liberdades e passam a criticar “restrições antidemocráticas a liberdades essencias na Europa”. E não se trata da Rússia, mas das velhas democracias continentais, antes as principais aliadas dos Estados Unidos.

Câncer de pele: do alerta a ações concretas

Por Correio Braziliense

O Dezembro Laranja visa conscientizar as pessoas sobre proteção solar, autoexame e procura rápida por atendimento, mas enfrenta limites estruturais e culturais.

O Dezembro Laranja é, mais do que uma campanha anual, um lembrete incômodo: o câncer de pele continua sendo o tipo de câncer mais incidente no Brasil e um problema de saúde pública que conjuga prevenção, diagnóstico precoce e tratamento — sem que isso, no entanto, traduza-se em uma resposta pública totalmente eficaz. A campanha visa conscientizar as pessoas sobre proteção solar, autoexame e procura rápida por atendimento, mas enfrenta limites estruturais e culturais.

Os dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram que o câncer de pele não melanoma é responsável por parcela importante dos tumores no país: as estimativas recentes apontam para centenas de milhares de casos a cada triênio, enquanto o melanoma — apesar de menos frequente — é o mais letal entre os tumores cutâneos.

Globalmente, as estimativas da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc/Globocan) mostram que os cânceres de pele (incluindo não melanoma e melanoma) figuram entre os tipos com maior incidência em várias regiões, com taxas particularmente altas em países de predominância de pele clara e grande exposição solar, o que demonstra que a prevenção do câncer de pele é relativamente direta em termos de recomendações: uso diário de filtro solar, roupas de proteção, evitar exposição solar intensa e checar manchas ou sinais suspeitos.

Ainda assim, persistem gargalos comportamentais e informacionais, como a subestimação do risco (especialmente entre homens), o uso irregular de fotoproteção e a falta de acesso a consultas dermatológicas para populações de menor renda ou residentes em áreas remotas. Campanhas como o Dezembro Laranja ajudam a reduzir essa lacuna informativa, mas não substituem políticas públicas contínuas e educação em saúde integradas ao sistema escolar, às unidades de saúde e aos ambientes de trabalho ao ar livre.

Formalmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem uma rede habilitada para atenção oncológica em todos os estados, o que garante, ao menos em teoria, portas de entrada para diagnóstico e tratamento. No entanto, a realidade de acesso varia: demora em consultas dermatológicas, fila para biópsias, diferenças regionais na oferta de radioterapia e limitações na continuidade do acompanhamento são problemas documentados em relatos e análises.

O arsenal terapêutico para câncer de pele inclui cirurgia (procedimento curativo para a maioria dos não melanomas e tumores superficiais), radioterapia (em casos selecionados ou paliativos) e tratamentos sistêmicos, como quimioterapia, terapias-alvo e imunoterapia para melanomas avançados. Todos previstos nas diretrizes oncológicas, mas com disponibilidade e tempo de acesso que variam entre centros.

Sem uma agenda pública que una prevenção permanente, investimento em atenção primária e ampliação da capacidade oncológica, a campanha anual continuará sendo um importante alerta, sem desdobramentos vitais. É preciso transformar advertência em ação concreta, com metas, financiamento e governança que garantam que, quando necessário, quem recorra ao SUS encontre uma estrutura capaz de diagnosticar e tratar com qualidade a sua condição. 

Senado aprova projeto antifacção

Por O Povo (CE)

Medidas eficazes são necessárias para combater o crime organizado, que se infiltra perigosamente nas instituições brasileiras

A tramitação do projeto de lei 5582/2025, o PL Antifacção, é um exemplo de como assuntos polêmicos podem ser tratados de maneira adequada no Congresso Nacional, sem os graves conflitos que vêm marcando ultimamente as sessões da Câmara dos Deputados. Isso não significa a inexistência de divergência entre os parlamentares, o que é próprio da democracia.

A oposição apresentou uma proposta para classificar as organizações criminosas como "grupos terroristas", o que foi deixado de lado no decorrer das discussões. O governo, por seu lado, fazia críticas ao relator, sob o argumento de que o relator teria descaracterizado o texto original, enviado pelo Executivo.

Especialistas afirmam que seria um equívoco a equiparação, pois existe uma diferença fundamental entre essas organizações: as facções têm o lucro como objetivo central, enquanto os grupos terroristas agem por motivos ideológicos. A medida era rejeitada principalmente pelos aliados do governo, a partir do entendimento de que isso poderia abrir alguma brecha para intervenção americana em assuntos internos do Brasil.

No Senado, a relatoria do projeto foi entregue a Alessandro Vieira (MDB-SE), um parlamentar conhecido por sua independência e pelo zelo com que considera as questões técnicas dos temas sob sua análise. Vieira também dispõe de longa experiência na área da segurança pública, tendo exercido o cargo de delegado-geral da Polícia Judiciária de Sergipe, antes de se tornar senador.

Foi dessa maneira, sem espetacularização, que o plenário do Senado aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira, o projeto criando um novo marco legal para o enfrentamento ao crime organizado. O trabalho do senador conseguiu uma rara unanimidade em tempos de "polarização", mostrando ser possível chegar-se a consensos quando o debate é pautado pela civilidade.

A proposta apresentada por Vieira aumenta a pena máxima dos crimes relacionados a facções criminosas, equiparando milícias privadas a elas. As penas para integrantes das organizações criminosas poderão chegar a 120 anos de reclusão, com a progressão de regime tornando-se mais rígida. O relatório ainda prevê taxação sobre as bets para arrecadar até R$ 30 bilhões por ano para investimento em segurança pública. Os recursos serão geridos por um fundo federal, em parceria com os estados.

Como alguns pontos foram alterados no Senado, o PL Antifacção volta agora à Câmara dos Deputados, que pode acatar ou não as propostas do relator Alessandro Vieira. O importante é que o debate continue da mesma forma proveitosa que ocorreu até agora, resultando em medidas eficazes para combater o crime organizado, que se infiltra perigosamente nas instituições brasileiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.