STF fracassa em transparência e prestação de contas
Por O Globo
Levou duas semanas para Corte se manifestar
sobre vínculo entre Moraes e Master
Duas condições são críticas para o funcionamento pleno das instituições numa República. Primeiro, elas precisam ser transparentes. Segundo, devem prestar contas regularmente de suas atividades ao público. Em ambos os quesitos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem falhado sistematicamente. É constrangedor que o Supremo tenha levado tanto tempo para se manifestar sobre as revelações do GLOBO a respeito do caso mais rumoroso que chegou à Corte nos últimos tempos, as suspeitas de falcatruas envolvendo o Banco Master. Mais constrangedor ainda é o processo continuar sob sigilo.
No dia 9 deste mês, a
colunista Malu Gaspar, do GLOBO, revelou que o escritório de Viviane de Moraes,
mulher do ministro Alexandre de Moraes, mantinha contrato com o Master pelo
qual receberia R$ 3,6 milhões mensais ao longo de três anos para defender os
interesses do banco junto a uma ampla lista de órgãos públicos, como Cade,
Receita Federal ou Banco Central (BC). A revelação causou estranhamento, mas
Moraes e o STF mantiveram silêncio por duas semanas.
Na última segunda-feira, a
colunista do GLOBO noticiou que Moraes manteve contatos telefônicos e uma reunião
presencial com o presidente do BC, Gabriel Galípolo. De acordo com o relato
de seis fontes diferentes ouvidas por ela, Moraes fazia pressão em favor do
Master. O BC levou 24 horas para se manifestar a respeito. Em nota de apenas
duas linhas, confirmou que houve reuniões entre Moraes e Galípolo, mas afirmou
que o tema tratado nelas foram os efeitos da Lei Magnitsky (os Estados Unidos
impuseram em julho sanções a Moraes com base nessa lei; a liquidação do Master
ocorreu em 18 de novembro).
O STF também levou 24 horas para se
manifestar. Enviou uma nota sumária a jornalistas, que não publicou em seu
site, confirmando reuniões de Moraes com Galípolo para tratar “exclusivamente”
dos efeitos da Magnitsky. Assim como o BC, não informou a data das reuniões. Apenas
quase 35 horas depois que a notícia veio à tona, enviou uma segunda nota,
negando ter havido contatos telefônicos e informando que houve duas reuniões,
em 14 de agosto e 30 de setembro.
A falta de transparência e a demora nas
explicações deixam dúvidas no ar e dão maior gravidade à crise. A situação é
ainda mais nebulosa, pois o ministro Dias
Toffoli, relator do caso do Master no STF, pôs o processo sob nível
altíssimo de sigilo. Isso ocorreu, como
revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, logo depois que Toffoli
viajou a Lima no jato de um empresário para assistir à final da Libertadores,
na companhia do advogado de um diretor do Master. Toffoli alega que não tratou
do caso na viagem e que só foi sorteado relator naquele mesmo dia.
É inaceitável que, diante de tantos fatos
comprometedores, o processo do Master continue sob sigilo. É imperativo que
Toffoli suspenda a medida e que as investigações passem a tramitar com total
transparência. Também urge que o STF adote um código de conduta como o
defendido pelo presidente da Corte, ministro Edson
Fachin, de modo a dirimir todas as situações que gerem conflito de
interesse. O objetivo deve ser não só preservar a imagem, mas a própria missão
do Supremo, sobre cuja integridade não pode pairar nenhuma dúvida. Seria uma
medida saneadora para as instituições da República, que revigoraria a
democracia.
‘Fair play’ financeiro abre caminho saudável
para futebol brasileiro
Por O Globo
Desequilíbrio resultante do endividamento
insustentável de clubes é alvo de novas regras da CBF
É saudável para os clubes do país a decisão
da Confederação Brasileira de Futebol (CBF)
de implantar um conjunto de regras destinadas a cobrar dos times uma gestão
financeira mais responsável, conhecido como “fair play financeiro”. Inspirado
em modelos das ligas europeias, o novo sistema deverá ser implementado gradativamente
até 2028. Oficialmente chamado Sistema de Sustentabilidade Financeira (SSF),
ele se apoia em quatro pontos: controle de dívidas em atraso, equilíbrio
operacional, controle de gastos com elenco e endividamento de curto prazo.
O futebol brasileiro apresenta disparidades
financeiras gritantes. De um lado, figuram clubes saneados e bem geridos. De
outro, times endividados, que gastam fortunas na formação de elencos, depois
não têm dinheiro nem para pagar os funcionários. É verdade que as Sociedades Anônimas
de Futebol (SAFs) proporcionaram gestões mais profissionais, mas o
desequilíbrio persiste. É pertinente a queixa de clubes que adotam gestões
austeras e acabam em desvantagem em relação aos que contraem dívidas
insustentáveis para financiar elencos estrelados ou simplesmente posar de
ricos.
Para as dívidas em atraso, o novo sistema
prevê fiscalização três vezes ao ano (dívidas anteriores a 2026 precisarão ser
regularizadas até 30 de novembro de 2026, e os clubes terão de fechar o ano com
superávit operacional). O custo dos elencos (salários, encargos, direitos de
imagem, amortizações) deverá ser inferior ou igual a 70% da soma de receitas,
transferências e aportes. A dívida líquida de curto prazo deverá ser igual ou
inferior a 45% das receitas relevantes (haverá um período de transição até 2027
para que os clubes se ajustem). Ao adaptar o sistema à realidade brasileira,
optou-se por não estabelecer limites para aportes de capital.
Está prevista a criação de uma Agência
Nacional de Regulação e Sustentabilidade do Futebol (Anresf). Ela será
independente e ficará responsável por monitorar, fiscalizar, julgar e aplicar
sanções. No caso dos clubes, elas incluem advertência pública, multa, retenção
de receitas, proibição de contratar jogadores, dedução de pontos, rebaixamento
e até cassação de licença. Para pessoas físicas, estão previstos advertência,
multa, suspensão e banimento.
Há bons exemplos a seguir, como Flamengo e
Palmeiras, clubes que atravessaram momentos difíceis anos atrás, mas
conseguiram se reerguer, contendo gastos, saneando as finanças e adotando
gestões empresariais. Hoje, com as contas em dia, são os que mais faturam. Isso
lhes permite dispor de boas estruturas e formar equipes competitivas. Não é
coincidência que, nos últimos anos, dominem as principais competições do país e
do continente.
Embora o fair play financeiro tenha sido discutido com os clubes, não se sabe até que ponto as normas serão seguidas. Seria desejável que o equilíbrio das contas passasse a ser uma preocupação real. O futebol brasileiro só teria a ganhar. Clubes financeiramente mais saudáveis tendem ter mais sucesso. Quanto mais clubes saneados houver, mais equilibrados, competitivos e emocionantes serão os campeonatos.
Congresso tenta mais um truque para irrigar
emendas
Por Folha de S. Paulo
Ministro Flávio Dino, do STF, barra manobra
voltada à ampliação de gastos parlamentares no ano eleitoral
Parlamentares pretendiam driblar o Supremo
para avançar sobre impostos e irrigar um tipo de despesa notabilizado pela
baixa transparência
Talvez os deputados e senadores tenham
imaginado que o ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal (STF),
representaria tão bem o papel de Papai Noel que estaria disposto a entregar um
presente de Natal aos congressistas.
Talvez, de forma mais simples, tenham
calculado que o magistrado cruzaria os braços devido às festividades e
ignoraria a manobra do Legislativo voltada à ampliação das já bilionárias
verbas reservadas para as emendas parlamentares em 2026.
Ou talvez tenha sido a mais rematada
desfaçatez que levou a Câmara e o Senado a
aprovar, em uma das derradeiras votações de 2025, um dispositivo que revalidava
emendas de anos anteriores que foram canceladas por decurso de prazo para a
execução dos projetos a que se destinavam.
Valendo-se de uma prática em si reprovável,
os congressistas aproveitaram um projeto de lei sobre um tema para incluir
medidas sobre outro. No caso, tratava-se de proposta para reduzir parte dos
benefícios fiscais no país e aumentar alguns impostos.
Do ponto de vista dos deputados e senadores,
era uma oportunidade perfeita para um truque de prestidigitação. Com uma das
mãos, sinalizaram preocupação com o equilíbrio das contas públicas; com a
outra, empalmaram recursos que seriam utilizados em emendas parlamentares.
Essa espécie de pedágio vergonhoso montaria a
nada menos que R$ 1,9 bilhão, pelas contas do partido Rede Sustentabilidade e
dos deputados federais Heloísa Helena (Rede-RJ), Túlio Gadelha (Rede-PE),
Fernanda Melchionna (PSOL-RS)
e Sâmia Bomfim (PSOL-SP) —eles acionaram o STF para barrar a medida.
O ministro Flávio Dino, a quem coube avaliar
o caso, deu-lhes razão. Com uma decisão liminar, suspendeu
o artigo em questão, e agora os demais membros da corte precisarão
se pronunciar sobre o assunto. Espera-se, por óbvio, que acompanhem o relator.
Como sustentou Dino, resgatar essas rubricas
canceladas equivale à criação de nova autorização de gasto, sem nenhum lastro
na lei orçamentária em vigor. Ainda pior, parte do dinheiro havia sido inscrita
em emendas do relator, modalidade que o STF considerou inconstitucional em
2022.
Ou seja, os parlamentares pretendiam, a um só
tempo, driblar o Supremo e avançar sobre os impostos pagos pelo contribuinte
—tudo isso para irrigar um tipo de despesa notabilizado pela baixa
transparência, pela ausência de planejamento e pela falta de mecanismos de
controle.
Dino, nas ações que julga sobre o tema, tem
se mostrado feroz
defensor da constitucionalidade orçamentária. Partiram dele diversas
medidas voltadas à rastreabilidade das emendas e à efetiva prestação de contas
por parte dos agentes públicos envolvidos.
Passou da hora de os seus colegas no Supremo
darem respaldo mais enfático a essas decisões. O STF ganha muito mais força
quando age como colegiado e em respeito aos preceitos éticos.
Gratificação letal
Por Folha de S. Paulo
Ao derrubar veto de Castro a bônus para
mortes de criminosos em operações, Alerj incentiva abuso de força
O RJ ocupa a 7ª posição em taxa de letalidade
policial, com 4,1 mortes por 100 mil habitantes; gratificação pode elevar esse
índice
A Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro insiste no caminho nefasto do populismo no trato da
segurança pública —assim como o Congresso e outras Casas estaduais.
Em setembro, seus deputados aprovaram um
bônus de 10% a 150% dos vencimentos de agentes da Polícia Civil em
casos de apreensão de armamentos de grande calibre e uso restrito e de
"neutralização de criminosos", segundo o texto, durante operações.
A medida, artigo de uma lei que reestrutura o
quadro da corporação, foi chamada de "gratificação faroeste", já que
incentiva por meio de recompensa financeira abusos no uso de força letal, que
em nada contribuem para a efetiva segurança da população.
Em outubro, o governador Cláudio
Castro (PL) vetou o bônus, que
havia sido aprovado com apoio de sua base aliada, sob o argumento de que
geraria alta de gastos num cenário de crise fiscal —o Rio deve cerca de R$ 170
bilhões à União, e o Regime de Recuperação Fiscal renovado em 2021 determina
cumprimento de metas de redução de despesas.
Na última quinta (18), porém, os
deputados derrubaram o veto por 40 votos contra 24, contrariando
tanto a sensatez orçamentária quanto evidências em políticas públicas de
segurança.
Algo como a "gratificação faroeste"
já vigorou no estado, entre 1995 e 1998. Na época, pesquisa realizada pela
própria Assembleia fluminense em conjunto com o Instituto de Estudos da
Religião apontou que a taxa de letalidade em confrontos entre policiais e civis
passou de dois mortos para cada ferido antes do bônus para quatro mortos a cada
ferido após a sua implementação.
Segundo o mais recente Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, o Rio ocupava a 7ª colocação na taxa de letalidade policial
em 2024, com 4,1 mortes por intervenção de forças de segurança por 100 mil
habitantes. São Paulo e
Minas Gerais, únicos estados mais populosos que o fluminense, estão bem abaixo,
na 15ª posição (1,8 morte por 100 mil) e 22ª (0,9), respectivamente.
A medida irresponsável da Alerj pode
estimular a ascensão dessa taxa e reverter a queda no total de mortes causadas
por policiais entre 2023 (871) e 2024 (703).
Numa Casa legislativa às voltas com integrantes investigados por suspeita de envolvimento com o crime organizado, a "gratificação faroeste" é só incentivo à matança que ofusca ações eficazes —como inteligência investigativa, inclusive sobre os financiamentos do crime, uso de câmeras corporais, fortalecimento de corregedorias e integração de órgãos de segurança estaduais e federais.
A aposta leviana no salário mínimo
Por O Estado de S. Paulo
Obcecado pela busca de votos na campanha à
reeleição, Lula empurra País para o abismo ao insistir numa política de
reajuste real do salário mínimo que a economia é incapaz de suportar
O apelo populista que o salário mínimo
desperta desde sua criação, há 85 anos, explica a gana com que o lulopetismo se
agarra à política de aumento real como estratégia para obter retorno fácil em
votos, mesmo à custa da explosão insustentável de gastos. É uma aposta que
consegue a proeza de unificar a opinião de economistas de diferentes vertentes
em torno de uma certeza: a fórmula terá de mudar no próximo governo, seja quem
for o vencedor das eleições de 2026.
Mas Luiz Inácio Lula da Silva não parece
disposto a admitir a inviabilidade de sua política de valorização real do
mínimo. Ao contrário, é o primeiro a inflamar as hostes petistas a defender o
indefensável, uma vez que estudos técnicos do próprio governo já indicaram a
necessidade urgente de desvincular o mínimo de benefícios sociais e
aposentadorias. Só que o interesse pessoal de Lula, voltado exclusivamente à
campanha da reeleição, bloqueia qualquer discussão séria e profunda do
problema.
Restam as gambiarras, recurso corriqueiro de
seu governo, habituado a tapar com remendos mal-ajambrados os buracos que ele
próprio se encarrega de abrir. Assim foi em 2024, quando foi obrigado a adequar
a regra de reajuste real, que somava o índice de inflação ao resultado do PIB
de dois anos anteriores, diante da impossibilidade de arcar com os custos.
Limitou-se, então, o ganho real ao máximo de 2,5%, mesma regra do arcabouço
fiscal. Era o mínimo – sem trocadilho – para conter o descontrole total que se
estenderia a aposentadorias, seguro-desemprego e auxílios assistenciais. O
arcabouço funcionou como uma trava, mas o salário mínimo continuou indexado ao
PIB, um erro primário.
Na série Ajuste fiscal: a encruzilhada do próximo governo,
o Estadão publicou
entrevistas com 11 economistas (José Roberto Mendonça de Barros, Rogério Ceron,
Alexandre Schwartsman, Rafaela Vitória, Ana Paula Vescovi, Bruno Funchal,
Marcos Mendes, Manoel Pires, Bráulio Borges, Fernanda Guardado e Felipe Salto),
e nelas a necessidade de mudar a atual política do salário mínimo foi ponto
pacífico.
Antes, em abril, o economista Arminio Fraga
foi execrado pelo PT ao propor o congelamento do valor real do mínimo por seis
anos para conter o descontrole de gastos públicos. Presidente do Banco Central
no governo Fernando Henrique Cardoso, Arminio Fraga foi o primeiro da lista de
economistas que participaram da criação do Plano Real a declarar, em entrevista
ao Estadão, voto
em Lula no segundo turno das eleições de 2022. Em março de 2024, em outra
entrevista ao jornal, disse que, embora decepcionado, não estava arrependido.
“O Brasil era um pária (sob a
gestão de Jair Bolsonaro), acho que o risco de golpe foi real,
felizmente não aconteceu.”
O apoio fundamental de Fraga na eleição não
foi suficiente para refrear a reação irascível liderada por Gleisi Hoffmann e
José Dirceu. A proposta, contudo, não é ideia isolada e até mesmo economistas
que não defendem o congelamento, como Manoel Pires, da FGV, criticam a fórmula
do governo.
Na questão do mínimo, a abordagem da gestão
lulopetista segue o mesmo padrão de improviso usado nos programas sociais, sem
base de cálculo transparente capaz de indicar os efeitos ao longo do tempo. O
que interessa é o impacto midiático, além da sensação de curtíssimo prazo, na
maioria das vezes enganosa e sem sustentação.
Mudar a regra de reajuste para superar a
inflação levou a dois aumentos do mínimo em 2023, que somaram 8,9% sobre 2022,
quando a inflação acumulada foi de 5,79%. Cada R$ 1 de aumento correspondeu a
R$ 388 milhões nas contas públicas devido à vinculação de outras despesas ao
mínimo. Dá para imaginar o que virá na campanha de 2026.
A maioria dos economistas ouvidos pelo Estadão na série defendeu
a indexação do reajuste do salário mínimo a alguma medida ligada à
produtividade do trabalho – que, aliás, tem-se mantido cronicamente baixa e
estagnada nas últimas décadas, cenário que piorou nos anos recentes. Talvez
seja pedir demais a um governo incapaz de buscar soluções estruturais para
problemas que estão empurrando o País para o abismo. Como disse Bráulio Borges,
o Brasil chegou a uma situação que exige uma terapia de choque.
Quando o controle vira entrave
Por O Estado de S. Paulo
TCU aponta um passivo de quase 30 mil
projetos sem análise no Ministério da Cultura. Problema é antigo, mas a
resposta atual, afrouxar controles, revela uma escolha institucional perigosa
Estados modernos gostam de apresentar a
governança como uma escolha binária: ou são ágeis ou são rigorosos. A
experiência mostra o contrário. Onde o controle é tratado como entrave, a
eficiência costuma ser apenas retórica.
O diagnóstico recente do Tribunal de Contas
da União (TCU) sobre o Ministério da Cultura, ao qual o Estadão teve acesso, não
descreve apenas um acúmulo de falhas administrativas. Ele expõe um padrão de
governança que vai além de um ministério específico e diz respeito à maneira
como o Estado brasileiro tem lidado com responsabilidades básicas. Trata-se de
um passivo reconhecidamente crônico, que hoje alcança quase 30 mil projetos
culturais, envolvendo cerca de R$ 22 bilhões em recursos públicos, sem
prestações de contas analisadas. Para efeito de escala, é um valor equivalente
a cerca de um mês e meio do Bolsa Família.
Sob a gestão da ministra Margareth Menezes,
esse problema histórico passou a ser enfrentado num contexto de mudanças
normativas que flexibilizaram os controles. A incapacidade operacional herdada
de examinar milhares de projetos foi tratada não como um desafio de gestão a
ser superado, mas como justificativa para reduzir exigências. Instruções
normativas recentes dispensaram a análise financeira detalhada da ampla maioria
dos projetos: mais de 95% dos processos aprovados, segundo o TCU, correspondem
a iniciativas que, somadas, representam mais de R$ 21 bilhões e estão sujeitas
apenas a controles financeiros simplificados, sem verificação minuciosa das
despesas.
Alguns símbolos condensam esse desarranjo. O
controle de prazos de prescrição por meio de planilhas manuais, alimentadas sem
critérios automatizados, não é apenas uma curiosidade burocrática. Ele revela
um Estado que administra bilhões de reais sem saber com precisão quando seus
créditos prescrevem. O resultado concreto: até 1,3 mil projetos, envolvendo
valores estimados em até R$ 1,2 bilhão, já podem ter tido suas contas
automaticamente aprovadas por decurso de prazo, sem possibilidade de
ressarcimento ao erário.
A defesa oficial invoca a “desburocratização”
e o chamado “controle por resultados”. Ambos são conceitos legítimos quando bem
aplicados. Simplificar procedimentos pode ser desejável; avaliar políticas
públicas por seus efeitos é saudável. Mas nenhuma dessas ideias substitui a
verificação financeira elementar. A execução física de um projeto cultural não
equivale à prestação de contas. Resultado artístico não exime o dever de
demonstrar como os recursos públicos foram gastos. Não por acaso, o índice de
reprovação de contas por irregularidades, que já oscilava em patamares
relevantes, caiu a zero em 2024.
Esse ponto não é uma idiossincrasia de órgãos
de controle excessivamente zelosos. O próprio presidente do TCU, ministro Vital
do Rêgo, reconheceu a necessidade de conciliar agilidade administrativa com um
nível adequado e efetivo de fiscalização. Trata-se de uma advertência
institucional clara: o problema não está em buscar eficiência, mas em confundir
eficiência com indulgência.
Ao transformar exceções em regra, a política
cultural corre o risco de estabelecer um precedente perigoso. Se determinadas
áreas passam a operar sob padrões mais frouxos, cria-se uma hierarquia informal
de legalidade, na qual boas intenções justificam más práticas. Democracias
maduras não funcionam assim. O Estado de Direito não admite zonas de conforto
administrativo nem causas que autorizem a suspensão tácita de controles.
Governar é impor limites, inclusive a si
mesmo. Exige aceitar controles, assumir custos políticos e investir em
capacidade institucional. Quando a resposta à ineficiência é a redução da
fiscalização, o Estado abdica de parte de sua autoridade moral e jurídica. Não
se trata apenas de dinheiro público potencialmente perdido, mas de
credibilidade corroída.
A confiança pública não nasce da velocidade
dos gastos, mas da certeza de que eles serão fiscalizados. Um Estado que trata
o controle como obstáculo pode até – numa hipótese benevolente – agir mais
rápido, mas cobra esse ganho com a perda de credibilidade.
Bolívia inicia reconstrução
Por O Estado de S. Paulo
Novo presidente suspende subsídios a
combustíveis que exauriram as reservas em dólar do país
Empossado há pouco mais de um mês, o novo
presidente da Bolívia, Rodrigo Paz, declarou estado de emergência econômica e
suspendeu subsídios a combustíveis que exauriram as reservas cambiais do país,
dando início a uma guinada em 20 anos de políticas socialistas que resultaram
em inflação elevada e penúria das finanças públicas.
Com a suspensão dos subsídios, o preço da
gasolina subiu 86%, enquanto o do diesel teve alta de mais de 160%. Os preços
ficarão congelados por seis meses, quando serão reavaliados pelo governo.
Remédio amargo, a suspensão dos subsídios é
necessária num país cujas reservas de gás natural estão em declínio por falta
de investimentos. Estima-se que a produção de gás natural boliviana tenha
recuado mais de 30% na última década, enquanto as receitas com exportações
declinaram mais de 70%.
Em meados dos anos 2000, o líder cocaleiro
Evo Morales, que governou a Bolívia por três mandatos consecutivos e tentou de
todas as formas entronizar-se no poder indefinidamente, nacionalizou a
exploração de petróleo e gás no país, medida que segundo ele traria dignidade
ao povo boliviano.
Mas, em vez de colocar gente competente para
gerir a produção de petróleo e gás, o governo Morales loteou a Yacimientos
Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) com aliados políticos, o que levou,
entre outras coisas, ao declínio da produção.
Ao mesmo tempo, domesticamente, o governo
socialista manteve uma política de subsídios suicida, permitindo que a gasolina
e o diesel fossem vendidos a preços significativamente abaixo da média do
mercado internacional.
Para manter tais subsídios, a Bolívia
praticamente raspou o tacho de suas reservas internacionais. E, enquanto as
exportações de gás, importante fonte de receitas em dólares, caíam, avanços
energéticos em países como Argentina e Brasil, tradicionais clientes do gás
boliviano, tornavam a situação da Bolívia ainda mais complicada.
Sem reservas em dólares e com inflação anual
rondando a casa dos 20%, o presidente Paz, cuja eleição pôs fim às duas décadas
de gestão socialista deletéria, tenta agora ajeitar a casa.
A tarefa, obviamente, não é nada fácil. Ao
mesmo tempo que anunciou a suspensão dos subsídios, Paz também anunciou aumento
de 20% no salário mínimo a partir do ano que vem, além de incrementos em
benefícios sociais concedidos a idosos, por exemplo. De acordo com o
presidente, essas medidas não configuram assistência social, mas um apoio a
famílias que, segundo ele, foram devastadas pelas políticas dos antecessores.
Além disso, o Banco Central boliviano deve
dar início a um novo sistema cambial, encerrando o regime de câmbio fixo que
vigora desde 2011.
Tal qual a Argentina de Javier Milei, a Bolívia agora se vê forçada a tomar decisões de caráter impopular para solucionar problemas criados por uma esquerda que acredita firmemente que dinheiro dá em árvore. Oxalá as medidas anunciadas por Paz permitam que a Bolívia comece a experimentar a reconstrução iniciada por Milei na vizinha Argentina.
È preciso se adaptar a todos os extremos
climáticos
Por Correio Braziliense
Ao longo deste ano, foram registrados no
Brasil 117 episódios de ventos intensos — número 89% maior do que o do ano
anterior. Esperar o vendaval passar custa caro
Enquanto negociadores desembarcavam em Belém
para dar início às tratativas da 30ª edição da Conferência do Clima, a COP30,
moradores do Paraná tentavam se recuperar dos estragos causados por ventos de
até 300km/h que assolaram seis cidades do estado e deixaram sete mortos. Um
abre-alas fora do protocolo do evento internacional, mas cada vez mais
rotineiro no país. Ao longo deste ano, foram registrados no Brasil 117
episódios de ventos intensos. Volume suficiente para rebater qualquer argumento
de que se trata de fenômeno inesperado e, portanto, de difícil prevenção, como
costumam argumentar gestores públicos.
O número de registro de ventos acima de
80km/h em 2025 é 89% maior do que o do ano anterior, conforme acompanhamento do
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). As 62 ocorrências de 2024 já
deveriam chamar a atenção — equivalem a mais de uma por semana. Além disso, o
balanço de 2025 é quatro vezes superior à média anual da década anterior e o
maior contabilizado desde o início da série histórica, em 2002. Há, portanto,
um cenário configurado que exige medidas além das emergenciais.
Esperar o vendaval passar custa caro. Segundo
a Escala Beaufort, considerada por especialistas para avaliar os impactos dos
ventos, a partir de 50km/h, eles dificultam a locomoção de pessoas e podem
quebrar galhos. De 88km/h em diante, árvores tendem a ser derrubadas e
prédios destelhados. E, acima de 118km/h, há grandes destruições e risco de
vida. Considerando as especificidades de cada cidade, o cenário pode ser ainda
pior.
Há 15 dias, São Paulo enfrentou ventos de
quase 100km/h e se viu diante do caos. Mais de 2 milhões de pessoas ficaram sem
luz, mais de 150 árvores caíram, cerca de 400 voos foram cancelados e cirurgias
suspensas, entre outros estragos. Já no primeiro dia, o comércio contabilizava
prejuízo da ordem de R$ 1,5 bilhão. Segue aberto um processo de encerramento de
contrato com a concessionária de energia elétrica, a Enel, em razão da
inabilidade na reação ao apagão.
Costuma-se atribuir à queda de árvores boa
parte da destruição causada pelos ventos intensos, como aconteceu na maior
cidade do país. Ainda que o manejo delas seja essencial, não é o suficiente. Há
de se preocupar também com as construções dos grandes conglomerados urbanos,
onde é maior o número de construções construídas sem planejamento e,
geralmente, menos resistentes aos vendavais. O rastro de destruição é mais
devastador nas áreas precárias do país, onde vivem aqueles que terão mais
dificuldade em reconstruir a vida.
Faz-se essencial, ainda, a elaboração de
protocolos sobre como agir diante da ocorrência de ventos extremos, com
condutas repassadas de forma clara à população, considerando diferentes
recortes socioculturais. A existência de uma Defesa Civil capacitada, com
profissionais qualificados e equipamentos disponíveis, facilita esse trabalho
de educação. Mas a realidade é que boa parte das cidades brasileiras sequer tem
esse serviço estruturado e o desprovimento impera entre as que montaram um.
Levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com dados coletados
em 2. 871 prefeituras entre 2024 e 2025 mostra que mais de 40% não têm dotação
orçamentária específica e 43% contam com até três servidores na área, entre
outros desfalques.
Se tem a pretensão de ser uma referência global no enfrentamento à crise climática, o Brasil precisa fazer o dever de casa. E ele incluiu tanto o investimento em tecnologias sustentáveis para reformular a matriz energética e produtiva, quanto a adoção de medidas de adaptação. Não se discute que, do ponto de vista ambiental, os centros urbanos se tornaram espaços complexos para a gestão, que não pode se limitar às ameaças mais recorrentes, como alagamentos e temperaturas elevadas. Os fenômenos estão imbricados, e é vital que cidades e pessoas estejam preparadas para lidar com qualquer que seja o extremo climático.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.