Inimigos do povo
Por CartaCapital
O Parlamento se firma como o covil do
golpismo
Irritado com a repercussão nas redes e fora delas da expressão “Congresso, inimigo do povo”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ordenou à polícia legislativa a investigação do que considera um “ataque” ao Parlamento. Pai, mãe, padastro e padrinho do orçamento secreto, Alcolumbre não consegue largar o vício do poder acumulado pelo Legislativo durante o período em que o Brasil tinha na Presidência da República um cidadão que abandonou os afazeres do cargo para se dedicar exclusivamente ao planejamento de um golpe de Estado. O amapaense recorre a um subterfúgio típico: agressor, posa de agredido e atribui aos outros o seu comportamento autoritário. Na Câmara, Hugo Motta igualmente se faz de ofendido, embora com menos brio e altivez. E vale-se da truculência e da censura contra aqueles que denunciam suas manobras.
A noite da terça-feira 9, mais uma entre
tantas jornadas infelizes nos últimos meses, corrobora a percepção popular que
Alcolumbre e Motta gostariam de silenciar. Enquanto os deputados aprovavam o
projeto assinado por Paulinho da Força para reduzir as penas dos golpistas, tanto da cúpula quanto
dos predadores do 8 de Janeiro, e davam prioridade à cassação de Glauber Braga,
do PSOL, em detrimento da punição dos condenados Carla Zambelli e Alexandre
Ramagem e do traidor da pátria Eduardo Bolsonaro, os senadores atropelavam a
determinação do Supremo Tribunal Federal e emplacavam uma emenda à Constituição
que não só abriga a esdrúxula tese do Marco Temporal, forma de impedir a
homologação de Terras Indígenas daqui em diante, mas legaliza a grilagem.
Antes, tivemos a derrubada dos vetos do presidente Lula ao PL da Devastação, o
endurecimento das regras para o aborto legal e a proteção dos criminosos de
colarinho branco no insultuoso projeto relatado por Guilherme Derrite,
ex-secretário de Segurança do governador paulista Tarcísio de Freitas,
felizmente derrubado no Senado. O ano ainda não acabou e não seria surpresa se
o Parlamento presenteasse o Brasil com outras barbaridades. Que o diga o
Supremo Tribunal Federal, na mira do bolsonarismo e do Centrão.
O Congresso dá provas diárias de ter se
transformado em um covil de golpistas e gângsteres, salvo as honrosas exceções,
entre elas a bancada progressista na Câmara e senadores da estirpe de Otto Alencar,
Renan Calheiros, Alessandro Vieira, Jaques Wagner e Fabiano Contarato. Esse
grupo, minoritário, nada ou pouco pode fazer diante da avalanche reacionária,
movida por interesses pessoais, às vezes ideológicos, e pela tática de
preservar intocado o esquema das emendas parlamentares. Acuar o Palácio do
Planalto e, em especial, o STF é a maneira de preservar a captura do orçamento
nacional. Quem, senão mal-intencionados e mancomunados, age na calada da noite
e atropela as mínimas garantias constitucionais para impor sua vontade? O País
sempre sai derrotado quando parlamentares, ao estilo mafioso, tramam na
madrugada.
Lamentamos informar às vossas excelências Alcolumbre e Motta: o Congresso se tornou, de fato, inimigo do povo. Não adianta espernear. Nem recorrer a ameaças e à força bruta contra quem apenas constata o óbvio.
Vergonha na Câmara dos Deputados
Por Revista Será?
Nossa Câmara de Deputados vem de cometer algo
que comentaristas de renome consideram uma ignomínia. Em sessão convocada
às pressas, e, segundo o jargão, “nas caladas da noite”, aprovou uma anistia
disfarçada aos condenados pelo STF em longo e rigoroso processo legal, pela
tentativa de golpe de Estado contra as instituições democráticas brasileiras.
Pois outra coisa não é uma dosimetria – atribuição secundária dos ministros que
julgaram os criminosos – dirigida a um elenco diferenciado de infratores, envolvendo
até o tempo das etapas de prisão: fechada, aberta, domiciliar, etc. Um
verdadeiro “monstrengo legislativo”, segundo um desses sóbrios analistas.
E como se fosse pouco, nossos deputados
simplesmente descumpriram a determinação do STF de cassar o mandato de uma
parlamentar condenada a dez anos de prisão, foragida, presa na Itália, e
submetida a processo de extradição. Na mesma sessão ignominiosa.
E agora? No caso da deputada delinquente, é
difícil saber como reagirá a nossa Corte Máxima diante de tal confronto entre
Poderes da República. No outro, O Senado pode ter uma atitude mais digna, como
fez no evento da “blindagem dos deputados”, rejeitando o projeto de lei. O
Presidente da República também pode vetar a lei, se passar no Senado. E o
próprio STF pode declarar a inconstitucionalidade do “monstrengo legislativo”.
Um dos comentaristas acima citados, sobre o tal monstrengo, recorre à fábula grega de Procusto, que oferecia seu próprio leito aos hóspedes, mas impunha que a ele se ajustassem com perfeição: se mais compridos, cortava-lhes as pernas, se menores, esticava-os até chegar à medida necessária. Pelas características da tal dosimetria – a anistia mal disfarçada – a imagem do “leito de Procusto” é perfeita.
STF precisa com urgência de um código de ética
Por Folha de S. Paulo
Viagem de Toffoli com advogado e contrato com
escritório da família de Moraes afetam reputação da corte
Regramento traria normas sobre moderação e
conflitos de interesse; é difícil que alguém de boa-fé seja contra tal
iniciativa republicana
Merece todo apoio a proposta de Edson Fachin,
presidente do Supremo Tribunal Federal, de elaborar um código
de ética para os ministros da corte. O órgão de cúpula do Judiciário
não pode mais aceitar que a conduta individual de seus membros prejudique a
instituição como um todo.
A iniciativa vem em boa hora. Embora gestada
meses atrás, ela ganhou tração nos últimos dias, após dois colegas de Fachin
serem flagrados em episódios que, na melhor das hipóteses, ensejam suspeitas
gravíssimas.
Uma delas envolve Dias Toffoli,
que deu um pulo em Lima, no Peru, para assistir à final da Taça Libertadores.
Palmeirense, o ministro considerou adequado fazer a viagem no jato particular
do empresário Luiz Osvaldo Pastore e na
companhia de Augusto Arruda Botelho, que advoga para um dos
diretores do Banco Master.
Por uma diatribe do destino, o ministro
assumiu o caso Master logo depois de voltar ao Brasil e, ato contínuo, baixou
uma ordem de sigilo no processo.
Sua intervenção recebeu compreensíveis
críticas nas redes sociais e na imprensa, mas Toffoli não as entende. Em uma
inversão completa da bússola moral, ele se julga no direito, inclusive, de
queixar-se de Fachin, que teria aproveitado o momento para propagandear o
código de ética.
Quem também se tornou alvo de olhares
incrédulos foi Alexandre de
Moraes. É que ficou conhecido, na última terça (9), o contrato entre
o Banco Master e o escritório jurídico no qual trabalham a esposa e dois filhos
do ministro.
Situações como essa sempre propiciam todo
tipo de desconfiança, e ela só cresce quando estão em jogo cifras como a
acordada com a banca da esposa de Moraes: R$ 3,6 milhões mensais durante três
anos, perfazendo um
total previsto de R$ 129 milhões. Não se imagina qual serviço
advocatício possa custar essa fábula.
Os casos de Toffoli e Moraes estão longe de
ser os únicos do gênero, mas instigaram reações mais acaloradas porque contêm
pitadas evidentes de escândalo —e porque ocorreram em um momento sensível para
o STF.
Basta ver que o presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB),
resolveu desconsiderar a decisão de Moraes que determinou a cassação do mandato
de Carla
Zambelli, deputada federal (PL-SP) presa na Itália.
Não é a primeira vez que algo assim acontece,
e tampouco se trata da primeira ordem questionável exarada pelo Supremo, mas
nunca há de ser bom sinal o desprezo pela caneta da mais alta instância
judiciária no país.
Se o STF quiser recuperar sua reputação —e é
bom que queira—, o código de ética vislumbrado por Edson Fachin representa um
ótimo ponto de partida.
Inspirado no modelo alemão, o regramento
imaginado pelo presidente da corte enfatizaria a transparência e incorporaria
normas sobre moderação e conflitos de interesse. É difícil que alguém de boa-fé
possa ser contra essa iniciativa republicana.
Apagão de planejamento
Por Folha de S. Paulo
Lentidão na resposta da Enel após eventos
climáticos extremos em SP exige fiscalização rigorosa da Aneel
Este é o 5º apagão em SP desde 2023;
fenômenos meteorológicos críticos, oriundos do aquecimento global, serão cada
vez mais recorrentes
Eventos
climáticos extremos não justificam falta de planejamento. Pelo
contrário, espera-se que poder público e empresas concessionárias coloquem em
prática planos de adaptação e mitigação para lidar com esses fenômenos que,
como a ciência indica
há anos, serão cada vez mais recorrentes.
Não é o que se vê em São Paulo,
dada a inépcia da Enel,
concessionária de energia, em lidar com crises e das autoridades em
fiscalizá-la. Logo após a
passagem do ciclone extratropical que atingiu Sul e Sudeste do
país de forma intensa na quarta (10), quase 2,5 milhões de residências e
comércios ficaram sem eletricidade.
Segundo dados desta sexta (12), o apagão
ainda atinge 700 mil imóveis. A Enel alega que estes são casos de "alta
complexidade" e que não há previsão de retorno.
Resta claro que a empresa precisa reforçar
sua equipe de atendimento, com planejamento para situações críticas, e coibir
ilegalidades esporádicas e inadmissíveis de funcionários —como um caso de
cobrança de propina para religar a energia.
Do lado das autoridades, há uma disputa
entre, de um lado, as gestões municipal e estadual e, do outro, a federal. O
governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos)
pede a caducidade do contrato —extinção antecipada de concessão por
descumprimento grave e reiterado de obrigações contratuais ou legais— com a
Enel, que vence em 2028.
Já o ministro de Minas Energia, Alexandre
Silveira, diz que o contrato só seria renovado após análise e
estudos técnicos e que apenas a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pode abrir
processo para uma intervenção, como a caducidade.
De todo modo, cabe à pasta e à autarquia
assegurar, por meio de gestão e fiscalização, que a concessionária seja eficaz
no serviço. Na quarta (10), a Aneel deu cinco dias para que a empresa explique
a falta de luz na capital.
Medidas pontuais como o corte regular de
árvores, a cargo da prefeitura, também contribuem para evitar apagões. No
entanto somente fiscalização e regulação adequadas funcionam de fato no médio e
longo prazo.
Ressalte-se que a lentidão na resposta da
Enel após fenômenos meteorológicos é recorrente. Este é o quinto apagão em São
Paulo desde novembro de 2023.
Consumidores paulistas têm o direito a um serviço adequado. Não há fim visível para os eventos climáticos oriundos do aquecimento global. Há que buscar soluções técnicas, não voluntaristas, para equilibrar qualidade do serviço, rentabilidade da operação e parcimônia nas tarifas.
Caso Master exige transparência maior da
Justiça
Por O Globo
Sigilo do processo diminui a confiança do
público nas instituições
A curta trajetória do Banco Master, terminada
com liquidação extrajudicial, deixou um prejuízo de no mínimo R$ 10 bilhões,
além de vários indícios de crimes com envolvimento de caciques do Congresso e
do governo do Distrito Federal. Na tentativa fracassada de salvar o banco,
ficou claro que a lista de suspeitos é longa. Não é difícil resgatar registros
dos defensores mais vocais do banqueiro Daniel Vorcaro. Agora, muitos deles
correm para apagar seus rastros.
Em situações assim, a transparência costuma
ser a melhor arma contra a impunidade. Por isso causou surpresa a medida tomada
pelo ministro Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), aumentando a exigência de
sigilo sobre o processo envolvendo o Master. Ontem Toffoli decidiu vetar à
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS acesso às informações
financeiras e mensagens trocadas por Vorcaro.
É possível que Toffoli tenha querido evitar
vazamentos que prejudiquem a investigação. Como não fundamentou de forma
satisfatória sua decisão, é impossível saber ao certo. Seria mais saudável, de
todo modo, que o processo corresse à vista de todos. Ainda mais diante das
notícias que vieram a público nos últimos dias.
O
colunista Lauro Jardim, do GLOBO, revelou que Toffoli viajou para Lima para
assistir à final da Libertadores num jato particular, na companhia de
Augusto de Arruda Botelho, advogado de um dos envolvidos no caso Master. No
mesmo dia da viagem ao Peru, o processo do Master lhe foi distribuído por
sorteio. Ele assevera que não tratou do caso na viagem. Menos de uma semana
depois, contudo, atendeu à demanda da defesa, concentrando as decisões sobre a
investigação e aumentando o grau de sigilo.
A situação despertou novos questionamentos
depois que a
colunista Malu Gaspar, também do GLOBO, revelou o valor do contrato do Master
com o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, mulher do
ministro Alexandre
de Moraes: cerca de R$ 3,6 milhões por mês, ou um total em torno de R$ 130
milhões durante três anos. Pelo contrato, tal valor remunera não a defesa de
uma causa específica, mas a atuação genérica em favor do Master na Justiça, no
Banco Central, na Receita Federal, no Cade, até no Congresso.
Embora Moraes não participe do caso Master,
situações dessa natureza não suscitariam tanto estranhamento se o próprio STF
não tivesse autorizado, em 2023, que juízes atuassem em casos envolvendo
clientes de escritórios em cujos quadros trabalham parentes seus (desde que os
familiares não atuem diretamente no caso). Esse é o tipo de situação que
deveria ser repensada no novo código de conduta defendido pelo presidente da
Corte, ministro Edson Fachin.
As acusações contra Vorcaro e Master não
deveriam despertar suspeitas contra figuras de relevo na fronteira entre a
política, os negócios e o meio jurídico. E manter o sigilo só faz alimentá-las.
O melhor que Toffoli tem a fazer é conduzir o processo da forma mais
transparente possível.
Apagões que afligem São Paulo voltam a pôr em
xeque concessão da Enel
Por O Globo
Não é novidade que eventos climáticos
extremos se tornam mais intensos e frequentes. É preciso garantir energia
Apagões já fazem parte da rotina paulistana a
qualquer chuva mais forte. No mais recente, propiciado pelos vendavais da
última semana, um quarto (25%) dos imóveis de São Paulo, ou 2,26
milhões de endereços, ficou sem luz, e mais da metade ainda estava às escuras
depois de 24 horas. Mais de 400 voos foram cancelados, e os prejuízos da
paralisia na maior metrópole do país foram estimados em R$ 1,5 bilhão.
Depois de, nos últimos três anos, ter
aplicado multas somando R$ 345 milhões contra a concessionária Enel (ante
média de R$ 15 milhões nos quatro anos anteriores), a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel)
exigiu explicações sobre o colapso da rede de distribuição e lembrou que falhas
graves na prestação do serviço podem levar à “caducidade da concessão” — seu
cancelamento. A Prefeitura também pediu esclarecimento sobre por que havia
tantos veículos de serviço parados nos pátios enquanto milhões estavam sem luz.
O governador paulista, Tarcísio de Freitas, chegou a falar em intervenção. A
Enel afirma ter alocado 1.600 funcionários para restaurar a energia. Há,
contudo, relatos de cobrança de propina para religar a luz.
Não é novidade que os eventos climáticos
extremos tendem a se tornar mais intensos e mais frequentes na esteira do
aquecimento global. Cabe aos gestores públicos e às concessionárias privadas de
serviços tratar o assunto de forma permanente em suas agendas e tomar as providências
necessárias.
O mais grave, como registrou a Aneel, é que a
Enel não foi apanhada de surpresa. Institutos de meteorologia e a Defesa Civil
vinham alertando, desde o final da semana, sobre a formação no Sul do país de
um ciclone extratropical capaz de provocar chuvas e fortes rajadas de vento no
Sudeste. Desde o lançamento dos primeiros satélites meteorológicos, tempestades
são previstas com antecedência e monitoradas cuidadosamente. Concessionárias de
serviços públicos, como distribuidoras de energia, têm obrigação de acompanhar
essas informações e de agir preventivamente para reduzir ao mínimo a
probabilidade de apagões.
Energia é insumo de primeira necessidade.
Quando 25% de uma cidade como São Paulo fica às escuras, os problemas ocorrem
em cascata e semeia-se o caos pelo país. Aeroportos, lojas, bares, restaurantes
e uma infinidade de negócios são prejudicados. A população perde renda e acesso
a serviços essenciais, como hospitais ou trens metropolitanos. A falta de
energia paralisa bombas de água, com isso bairros altos ou distantes enfrentam
problemas de abastecimento. A sucessão de dificuldades é extensa.
Manter fornecimento de energia é essencial para a população. É o que a Enel não tem conseguido entregar. À frente da concessão em São Paulo desde 2018, a empresa — que também atua no Rio e no Ceará — tem se mostrado incapaz de melhorar a rede de distribuição. A situação exige atitude mais enérgica das autoridades. Não é apenas sobre São Paulo que caem temporais, nem por isso há apagões disseminados pelas metrópoles do país.
O Senado aprimorou o PL Antifacção
Por O Estado de S. Paulo
As mudanças corrigem excessos, preenchem
lacunas e criam dispositivos que fortalecem o marco legal. Mas não solucionam a
dispersão institucional que mantém as facções um passo à frente
O Projeto de Lei Antifacção (5.582/25) que a
Câmara recebe de volta do Senado é melhor do que o que ela entregou. O texto
original tinha méritos, fechou lacunas da Lei das Organizações Criminosas e
endureceu penas para líderes e financiadores. Mas era vulnerável no ponto
estrutural: a arquitetura institucional para enfrentar grupos que já operam
como máfias transnacionais, com capilaridade econômica, territorial e política.
A revisão dos senadores não chegou a anular totalmente essas fragilidades, mas
corrigiu excessos, eliminou riscos jurídicos e conferiu coerência técnica ao
conjunto.
Uma mudança relevante foi substituir o tipo
de “domínio social estruturado” por uma definição mais precisa de “facção
criminosa”. A intenção original – enquadrar o poder territorial – era correta,
mas o dispositivo convivia com incertezas interpretativas e tensões com a
legislação vigente. A nova redação preserva o objetivo, com maior clareza
conceitual e menor risco de conflito com o Código Penal e a Lei das Organizações
Criminosas, reduzindo a insegurança jurídica que inevitavelmente seria
explorada pelas defesas dos criminosos. Também foram aprimorados avanços
centrais da Câmara: penas mais duras e escalonadas para chefes e financiadores
das facções, enquadramento adequado das milícias, agravantes proporcionais para
crimes de integrantes de facção e instrumentos mais robustos para rastrear,
bloquear e asfixiar fluxos financeiros criminosos.
O Senado acertou ao rejeitar novas tentativas
de equiparação das facções ao terrorismo. Não se reduzem os riscos ao País com
atalhos conceituais: terrorismo exige motivação política ou ideológica; facções
brasileiras movem-se por lucro. Ao evitar esse desvio, o Senado protege o
sistema jurídico de contradições perigosas e bloqueia aventuras interpretativas
que poderiam justificar excessos, incluindo riscos à soberania nacional.
Duas inovações institucionais merecem
atenção. O primeiro é a criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas,
que inaugura um esforço – ainda incipiente – de integração de dados entre União
e Estados. Não se enfrentam máfias com mais de 1.500 agências atuando de forma
isolada e com métodos incompatíveis. O segundo é a vinculação de receitas das
bets ao Fundo Nacional de Segurança Pública. Sozinha, a medida não resolve a
desorganização federativa, mas cria fonte estável de financiamento e dá fôlego
aos Estados que hoje sustentam, quase isoladamente, o enfrentamento cotidiano
às facções. É um gesto de realismo fiscal raro num tema habitualmente capturado
por retórica vazia.
Mas limites persistem. Ao atribuir à Polícia
Federal a coordenação das forças integradas, o projeto concentra poder em uma
única instituição. Sem uma autoridade nacional antimáfia – independente,
técnica e blindada – a cooperação federativa seguirá vulnerável a disputas
corporativas e à volatilidade política. A Itália só virou o jogo contra Cosa
Nostra quando criou estruturas permanentes capazes de integrar inteligência,
investigação e repressão com autonomia. O Brasil continua sem isso.
Persistem também tensões normativas entre o
novo texto e a legislação vigente. Embora mitigadas, elas podem gerar
interpretações divergentes e contenciosos que favorecem a impunidade,
exatamente o que especialistas alertam há anos: onde o Estado vacila, o crime
avança.
Há, ainda, uma lacuna relevante: o País não
decidiu se enfrenta criminosos comuns ou estruturas paramilitares que exercem
soberania de facto. Essa
indefinição limita a precisão das políticas públicas e impede que o arcabouço
jurídico acompanhe a escalada bélica e territorial das facções – um ponto que o
projeto toca apenas lateralmente.
O Senado entregou um texto melhor, mais claro
e mais funcional. A ser aprovado e sancionado, o Brasil terá uma lei razoável,
mas ainda não uma estratégia nacional consistente. E enquanto combater máfias e
narcomilícias com ferramentas desenhadas para crimes comuns, o Estado corre o
risco de seguir um passo atrás de organizações que, em várias regiões, já
acumulam recursos, logística e controle territorial capazes de desafiar sua autoridade.
Um experimento a se observar
Por O Estado de S. Paulo
Ao banir redes sociais para menores de 16
anos, Austrália cria marco que pode levar a um arcabouço para lidar com os
danos que as plataformas têm causado a crianças e adolescentes
A decisão da Austrália de proibir o uso de
redes sociais para menores de 16 anos é objeto de atenção no mundo todo,
especialmente por pais e educadores que, diariamente, testemunham os efeitos
negativos das plataformas de mídias digitais sobre crianças e adolescentes.
Aprovada pelo Parlamento no final do ano
passado, a proibição passou a valer agora em dezembro. De acordo com as novas
regras, as plataformas de redes sociais têm a obrigação de checar a idade de
seus usuários por meio de documentos ou verificações faciais, desconectar as
contas já existentes daqueles com menos de 16 anos e impedir a criação de novos
perfis.
Puníveis com multa de até R$ 200 milhões,
plataformas como Facebook, TikTok, YouTube, Snapchat e Instagram, entre outras,
afirmaram estar cumprindo com as regras.
Por ora, redes como WhatsApp e Discord não
precisam barrar menores de 16 anos, mas podem vir a ser obrigadas a fazê-lo
caso o governo australiano julgue necessário. A lista de plataformas proibidas
para menores é dinâmica, podendo ser revisada periodicamente.
Como acabou de entrar em vigor, a proibição
ainda esbarra em desafios, como falhas no processo de verificação de idade. Há
ainda o risco de que jovens usem redes privadas virtuais (VPN, na sigla em
inglês) para driblar as restrições geográficas e acessar as redes como se
estivessem em localidades onde não há proibição.
O governo australiano reconhece os problemas
de execução e afirma não esperar que tudo flua com perfeição de um dia para o
outro. Em artigo publicado no domingo passado, 7, o primeiro-ministro Anthony
Albanese comparou as restrições às redes sociais à idade mínima de 18 anos para
o consumo de bebidas alcoólicas.
“A mensagem que essa lei passa é 100% clara.
Por exemplo, a Austrália estabeleceu em 18 anos a idade legal para o consumo de
álcool porque nossa sociedade reconhece os benefícios dessa abordagem para o
indivíduo e a comunidade”, disse o premiê.
De acordo com Albanese, não é porque, vez ou
outra, adolescentes encontram maneiras de beber que a existência de uma regra
clara, um padrão nacional, sobre bebidas, e agora sobre redes sociais, perde
seu valor.
Mais do que um fim, a proibição instituída
pela Austrália soa como um ponto de partida. Embora as redes sociais sejam uma
ferramenta que aproxima pessoas, seu uso sem controle por crianças e
adolescentes vem causando uma série de prejuízos à sociedade, que vão desde a
dificuldade de prestar atenção a aulas até, infelizmente, casos de
automutilação e suicídios.
No caso específico do Brasil, embora há muito
se saiba dos efeitos nocivos do álcool e do tabaco, as restrições a propagandas
e o estabelecimento de idade mínima para o consumo desses produtos não ocorreu
da noite para o dia.
Foram décadas para que as regras fossem
gradualmente apertadas até que, finalmente, a propaganda de cigarro fosse
completamente banida dos meios de comunicação, enquanto a de bebidas alcoólicas
ficou limitada a horários específicos. Hoje, nem mesmo os fabricantes desses
produtos discordam das proibições.
Nesse contexto, a decisão da Austrália de
proibir as redes para menores de 16 anos ganha ainda mais relevância, pois pode
levar à criação de um arcabouço global, ajustado a realidades locais, sobre
como mitigar os efeitos nocivos das redes sobre os jovens.
Mais de dois terços dos australianos
concordam com as regras mais rígidas. Se a experiência é radical demais, só o
tempo dirá. Mas o que a sociedade australiana está escancarando é que a
exposição excessiva às redes (e a conteúdos nem sempre adequados) não pode
seguir como está.
Cabe aos países, plataformas, pais e
educadores observarem atentamente os resultados do experimento australiano e se
adequarem aos novos tempos.
Já há consenso de que o uso indiscriminado
das redes pode ter efeitos irreversíveis sobre o ser humano em seus anos de
formação, mas falta entendimento sobre como lidar com esse novo problema. A
Austrália convida o mundo a ao menos encarar um debate essencial – e inadiável.
Uma cobrança cínica
Por O Estado de S. Paulo
Governo que manobra suas contas chama
dividendos antecipados de ‘manobra indecente’
A corrida para antecipar o pagamento de
dividendos era totalmente previsível a partir da sanção da lei que determina a
tributação do benefício financeiro a partir de 2026. Surpresa foi o governo de
Luiz Inácio Lula da Silva achar que seria diferente, como mostrou o comentário
feito em rede social pela ministra da Secretaria de Relações Institucionais, a
petista Gleisi Hoffmann, que classificou de “manobra indecente” o movimento das
empresas. Das duas, uma: ou demonstra a petulância de considerar que empresas e
mercado estão obrigados a render-se aos interesses de Lula, ou se trata de
total ignorância sobre as regras que regem o mercado.
Há ainda, como terceira hipótese, a
ingenuidade, mas essa é difícil de engolir. Até porque Lula e Gleisi são tudo,
menos ingênuos. A taxação de Imposto de Renda de 10% sobre o pagamento de
dividendos a pessoas físicas quando o valor mensal ultrapassar R$ 50 mil foi
uma das medidas encontradas pelo governo para compensar a ampliação da faixa de
isenção do imposto para quem ganha até R$ 5 mil mensais.
Levando em conta que não há qualquer
ilegalidade ou mesmo imoralidade na distribuição antecipada de lucros e dividendos,
é natural que empresas e investidores aproveitem o prazo estreito antes da
tributação para usufruir do sistema ainda em vigor. Reportagem recente do E-Investidor, plataforma sobre
investimentos do Estadão,
mostrou, com base em levantamento do banco BTG Pactual, que companhias
brasileiras listadas na bolsa B3 aceleraram o anúncio dos pagamentos,
totalizando R$ 68 bilhões, incluídos aí pelo menos R$ 35 bilhões em dividendos
extraordinários.
Os analistas do banco avaliam que ainda deve
vir muito mais por aí, já que se estima que, no terceiro trimestre, havia ao
menos R$ 548 bilhões em lucros retidos e reservas de lucros no mercado. Ainda
que os pagamentos não sejam, por óbvio, dessa magnitude, há um bom potencial de
distribuição livre da incidência do imposto. Reportagem do Broadcast/Estadão mostrou que
grandes bancos já estão oferecendo empréstimos voltados à antecipação para as
empresas sem recursos suficientes em caixa.
Trata-se de uma vantagem lícita oferecida
pelas empresas a seus acionistas que, por sua vez, garantem o investimento das
companhias. A Petrobras, por exemplo, que anunciou o pagamento de R$ 12,2
bilhões em dividendos, sabe do retorno benéfico da medida a seus acionistas e,
nesse caso, a União, que controla a companhia, será a maior beneficiada.
Esperar que o mercado aguarde passivamente o início da taxação para só então
distribuir parte de seu lucro é ir contra a própria lei da oferta e da demanda,
princípio básico do mercado.
Ademais, denominar de “manobra indecente” uma dinâmica coerente pré-tributação soa como cinismo por parte de um governo que, esse sim, recorre a inúmeras manobras indecentes para maquiar resultados fiscais com os quais se comprometeu.
Disputa de poder afronta a Constituição
Por Correio Braziliense
Um dos princípios básicos da democracia —
além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é
a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis
Um dos princípios básicos da democracia —
além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é
a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis. O sistema
de pesos e contrapesos entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
existe para garantir esse equilíbrio. Quando o Legislativo avança sobre a
execução do Orçamento e faz a exegese das decisões judiciais, está ampliando
suas prerrogativas para além do que é constitucionalmente estabelecido.
Nesse afã de se colocar acima dos demais
Poderes, poucas vezes na história recente a Câmara dos Deputados se expôs de
forma tão polêmica quanto nos últimos meses. A decisão de preservar o mandato
da deputada Carla Zambelli, em afronta direta à Constituição e a uma sentença
definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF), é apenas o capítulo mais recente
de uma sequência preocupante de episódios que indicam degradação institucional
e espírito corporativo. O fechamento do Plenário à imprensa, a retirada de parlamentar
à força com um mata-leão e a tramitação da chamada PEC da Blindagem compõem um
quadro incompatível com a centralidade que a Câmara ocupa na democracia
brasileira.
Na madrugada de quinta-feira, o plenário da
Casa decidiu não declarar a perda do mandato de Zambelli, condenada pelo STF a
10 anos de prisão em regime inicialmente fechado. A deputada foi considerada
culpada, com trânsito em julgado, por integrar uma associação criminosa que
invadiu o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e forjou um mandado de
prisão contra o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro
Alexandre de Moraes. Trata-se, portanto, de condenação definitiva, sem qualquer
possibilidade de recurso.
A cassação, nesse caso, não era matéria
sujeita a juízo político. É um imperativo constitucional. O artigo 55 da
Constituição Federal não deixa margem para interpretações criativas: perderá o
mandato o parlamentar que sofrer condenação criminal em sentença transitada em
julgado. O verbo não é facultativo. Não se trata de prerrogativa do
Legislativo, mas de obrigação jurídica. Ao se insurgir contra esse comando, a
Câmara não apenas violou a Constituição, como se arrogou, indevidamente, o
papel de instância revisora do STF.
A reação do Supremo foi inevitável. Ainda na
quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes anulou a decisão do plenário e
determinou que a Mesa da Câmara efetive a posse do suplente no prazo
máximo de 48 horas. Como destacou o ministro, cabe ao Congresso apenas declarar
a perda do mandato por meio de ato administrativo vinculado à sentença
judicial, e não deliberar politicamente sobre ela.
Não se trata de precedente inédito. Em 2013,
quando a Câmara rejeitou a cassação do então deputado Natan Donadon, também
condenado com trânsito em julgado, o STF interveio. À época, o ministro Luís
Roberto Barroso suspendeu os efeitos da sessão e afirmou que, em casos de
condenação a regime inicial fechado por período superior ao restante do
mandato, a perda é automática. A lógica é elementar: alguém privado de
liberdade não pode exercer representação política. O fato de Zambelli estar
presa no exterior não altera essa realidade material.
O que prevaleceu agora, mais uma vez, foi o espírito de corpo. Abandonada pelo próprio Jair Bolsonaro, Zambelli foi instrumentalizada como peça numa disputa de poder entre parte do Congresso e o STF. O interesse público, a moralidade administrativa e o respeito às instituições ficaram em segundo plano. A preservação do mandato não teve como objetivo proteger uma parlamentar, mas enviar um recado à Corte que deve ser prontamente rechaçado pelo Supremo e pela sociedade.
A direção certa no combate às facções
criminosas
Por O Povo (CE)
As organizações criminosas estão infiltradas
em todas as instituições republicanas: no Judiciário, no Ministério Público e
no sistema político
A operação que a Polícia Civil deflagrou na
quinta-feira para cumprir 127 mandados de busca e apreensão e para bloquear
recursos oriundos de ações criminosas está na direção indicada por
especialistas para combater as facções: sufocar financeiramente o crime
organizado.
Segundo informações da Polícia Civil do
Ceará, a operação mirou o núcleo financeiro de uma facção criminosa com origem
na cidade do Rio de Janeiro. Foram efetuadas 17 prisões e a Justiça autoriza o
bloqueio de até R$ 50 milhões do núcleo financeiro criminoso, mostrando o
poderio dos criminosos.
Guardadas as proporções, ações desse tipo
inspiram-se na operação Carbono Oculto, cujo trabalho integrado entre a Receita
Federal, Polícia Federal e outras instituições investiu contra um grande
esquema de fraudes, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, atuando, inclusive,
na economia formal, por meio de postos de combustível.
O que a Carbono Oculto ensina é que o
problema não será resolvido apenas com a prisão de faccionados que dirigem os
negócios em comunidades. Esses são elementos substituíveis, que agem na ponta
da linha de um comando que atua em instâncias insuspeitas.
É preciso que as forças policiais e outras
instituições ajam de forma integrada, fazendo prevalecer a inteligência, e
evitando confrontos desnecessários, que põem em risco a vida da população.
Somente assim será possível vencer a batalha contra as facções, que hoje se
espalham por praticamente todo o território nacional.
As organizações criminosas, como vem
repetindo o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator no Senado do PL
Antifaccão, estão infiltradas em todas as instituições republicanas, no
Judiciário, no Ministério Público, entre outras. No sistema político, elas
influenciam eleições e financiam campanhas eleitorais.
No Ceará, Carlos Alberto Queiroz Pereira,
eleito prefeito de Choró em 2022, está foragido até hoje, suspeito de manter
ligação com facções criminosas.
Mais recentemente, o ex-presidente da
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo Bacellar — atualmente
licenciado do cargo — ficou preso por uma semana, suspeito de vazar uma
operação da Polícia Federal contra organizações criminosas.
Como afirmou o delegado-geral da Polícia
Civil do Ceará, Márcio Gutierrez, "não se trata apenas de tirar criminosos
violentos de circulação, mas também de confiscar e bloquear patrimônio oriundo
do tráfico e de outros crimes".
Com relação ao assunto tramitam no Congresso
a PEC da Segurança Pública e o PL Antifacção. O importante é que essas duas
medidas se tornem ferramentas para que o combate ao crime organizado se torne
mais eficaz no Brasil.

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