sábado, 13 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Inimigos do povo

Por CartaCapital

O Parlamento se firma como o covil do golpismo

Irritado com a repercussão nas redes e fora delas da expressão “Congresso, inimigo do povo”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ordenou à polícia legislativa a investigação do que considera um “ataque” ao Parlamento. Pai, mãe, padastro e padrinho do orçamento secreto, Alcolumbre não consegue largar o vício do poder acumulado pelo Legislativo durante o período em que o Brasil tinha na Presidência da República um cidadão que abandonou os afazeres do cargo para se dedicar exclusivamente ao planejamento de um golpe de Estado. O amapaense recorre a um subterfúgio típico: agressor, posa de agredido e atribui aos outros o seu comportamento autoritário. Na Câmara, Hugo Motta igualmente se faz de ofendido, embora com menos brio e altivez. E vale-se da truculência e da censura contra aqueles que denunciam suas manobras.

A noite da terça-feira 9, mais uma entre tantas jornadas infelizes nos últimos meses, corrobora a percepção popular que Alcolumbre e Motta gostariam de silenciar. Enquanto os deputados aprovavam o projeto assinado por Paulinho da Força para reduzir as penas dos golpistas, tanto da cúpula quanto dos predadores do 8 de Janeiro, e davam prioridade à cassação de Glauber Braga, do PSOL, em detrimento da punição dos condenados Carla ­Zambelli e Alexandre Ramagem e do traidor da pátria Eduardo Bolsonaro, os senadores atropelavam a determinação do Supremo Tribunal Federal e emplacavam uma emenda à Constituição que não só abriga a esdrúxula tese do Marco Temporal, forma de impedir a homologação de Terras Indígenas daqui em diante, mas legaliza a grilagem. Antes, tivemos a derrubada dos vetos do presidente Lula ao PL da Devastação, o endurecimento das regras para o aborto legal e a proteção dos criminosos de colarinho branco no insultuoso projeto relatado por Guilherme Derrite, ex-secretário de Segurança do governador paulista Tarcísio de Freitas, felizmente derrubado no Senado. O ano ainda não acabou e não seria surpresa se o Parlamento presenteasse o Brasil com outras barbaridades. Que o diga o Supremo Tribunal Federal, na mira do bolsonarismo e do Centrão.

O Congresso dá provas diárias de ter se transformado em um covil de golpistas e gângsteres, salvo as honrosas exceções, entre elas a bancada progressista na Câmara e senadores da estirpe de ­Otto ­Alencar, ­Renan Calheiros, Alessandro Vieira, ­Jaques Wagner e Fabiano ­Contarato. ­Esse grupo, minoritário, nada ou pouco pode fazer diante da avalanche reacionária, movida por interesses pessoais, às vezes ideológicos, e pela tática de preservar intocado o esquema das emendas parlamentares. Acuar o Palácio do Planalto e, em especial, o STF é a maneira de preservar a captura do orçamento nacional. Quem, senão mal-intencionados e mancomunados, age na calada da noite e atropela as mínimas garantias constitucionais para impor sua vontade? O País sempre sai derrotado quando parlamentares, ao estilo mafioso, tramam na madrugada.

Lamentamos informar às vossas excelências Alcolumbre e Motta: o Congresso se tornou, de fato, inimigo do povo. Não adianta espernear. Nem recorrer a amea­ças e à força bruta contra quem apenas constata o óbvio.

Vergonha na Câmara dos Deputados

Por Revista Será?

Nossa Câmara de Deputados vem de cometer algo que comentaristas de renome consideram uma ignomínia.  Em sessão convocada às pressas, e, segundo o jargão, “nas caladas da noite”, aprovou uma anistia disfarçada aos condenados pelo STF em longo e rigoroso processo legal, pela tentativa de golpe de Estado contra as instituições democráticas brasileiras. Pois outra coisa não é uma dosimetria – atribuição secundária dos ministros que julgaram os criminosos – dirigida a um elenco diferenciado de infratores, envolvendo até o tempo das etapas de prisão: fechada, aberta, domiciliar, etc.  Um verdadeiro “monstrengo legislativo”, segundo um desses sóbrios analistas.

E como se fosse pouco, nossos deputados simplesmente descumpriram a determinação do STF de cassar o mandato de uma parlamentar condenada a dez anos de prisão, foragida, presa na Itália, e submetida a processo de extradição. Na mesma sessão ignominiosa.

E agora? No caso da deputada delinquente, é difícil saber como reagirá a nossa Corte Máxima diante de tal confronto entre Poderes da República. No outro, O Senado pode ter uma atitude mais digna, como fez no evento da “blindagem dos deputados”, rejeitando o projeto de lei. O Presidente da República também pode vetar a lei, se passar no Senado. E o próprio STF pode declarar a inconstitucionalidade do “monstrengo legislativo”.

Um dos comentaristas acima citados, sobre o tal monstrengo, recorre à fábula grega de Procusto, que oferecia seu próprio leito aos hóspedes, mas impunha que a ele se ajustassem com perfeição: se mais compridos, cortava-lhes as pernas, se menores, esticava-os até chegar à medida necessária. Pelas características da tal dosimetria – a anistia mal disfarçada – a imagem do “leito de Procusto” é perfeita.

STF precisa com urgência de um código de ética

Por Folha de S. Paulo

Viagem de Toffoli com advogado e contrato com escritório da família de Moraes afetam reputação da corte

Regramento traria normas sobre moderação e conflitos de interesse; é difícil que alguém de boa-fé seja contra tal iniciativa republicana

Merece todo apoio a proposta de Edson Fachin, presidente do Supremo Tribunal Federal, de elaborar um código de ética para os ministros da corte. O órgão de cúpula do Judiciário não pode mais aceitar que a conduta individual de seus membros prejudique a instituição como um todo.

A iniciativa vem em boa hora. Embora gestada meses atrás, ela ganhou tração nos últimos dias, após dois colegas de Fachin serem flagrados em episódios que, na melhor das hipóteses, ensejam suspeitas gravíssimas.

Uma delas envolve Dias Toffoli, que deu um pulo em Lima, no Peru, para assistir à final da Taça Libertadores. Palmeirense, o ministro considerou adequado fazer a viagem no jato particular do empresário Luiz Osvaldo Pastore e na companhia de Augusto Arruda Botelho, que advoga para um dos diretores do Banco Master.

Por uma diatribe do destino, o ministro assumiu o caso Master logo depois de voltar ao Brasil e, ato contínuo, baixou uma ordem de sigilo no processo.

Sua intervenção recebeu compreensíveis críticas nas redes sociais e na imprensa, mas Toffoli não as entende. Em uma inversão completa da bússola moral, ele se julga no direito, inclusive, de queixar-se de Fachin, que teria aproveitado o momento para propagandear o código de ética.

Quem também se tornou alvo de olhares incrédulos foi Alexandre de Moraes. É que ficou conhecido, na última terça (9), o contrato entre o Banco Master e o escritório jurídico no qual trabalham a esposa e dois filhos do ministro.

Situações como essa sempre propiciam todo tipo de desconfiança, e ela só cresce quando estão em jogo cifras como a acordada com a banca da esposa de Moraes: R$ 3,6 milhões mensais durante três anos, perfazendo um total previsto de R$ 129 milhões. Não se imagina qual serviço advocatício possa custar essa fábula.

Os casos de Toffoli e Moraes estão longe de ser os únicos do gênero, mas instigaram reações mais acaloradas porque contêm pitadas evidentes de escândalo —e porque ocorreram em um momento sensível para o STF.

Basta ver que o presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), resolveu desconsiderar a decisão de Moraes que determinou a cassação do mandato de Carla Zambelli, deputada federal (PL-SP) presa na Itália.

Não é a primeira vez que algo assim acontece, e tampouco se trata da primeira ordem questionável exarada pelo Supremo, mas nunca há de ser bom sinal o desprezo pela caneta da mais alta instância judiciária no país.

Se o STF quiser recuperar sua reputação —e é bom que queira—, o código de ética vislumbrado por Edson Fachin representa um ótimo ponto de partida.

Inspirado no modelo alemão, o regramento imaginado pelo presidente da corte enfatizaria a transparência e incorporaria normas sobre moderação e conflitos de interesse. É difícil que alguém de boa-fé possa ser contra essa iniciativa republicana.

Apagão de planejamento

Por Folha de S. Paulo

Lentidão na resposta da Enel após eventos climáticos extremos em SP exige fiscalização rigorosa da Aneel

Este é o 5º apagão em SP desde 2023; fenômenos meteorológicos críticos, oriundos do aquecimento global, serão cada vez mais recorrentes

Eventos climáticos extremos não justificam falta de planejamento. Pelo contrário, espera-se que poder público e empresas concessionárias coloquem em prática planos de adaptação e mitigação para lidar com esses fenômenos que, como a ciência indica há anos, serão cada vez mais recorrentes.

Não é o que se vê em São Paulo, dada a inépcia da Enel, concessionária de energia, em lidar com crises e das autoridades em fiscalizá-la. Logo após a passagem do ciclone extratropical que atingiu Sul e Sudeste do país de forma intensa na quarta (10), quase 2,5 milhões de residências e comércios ficaram sem eletricidade.

Segundo dados desta sexta (12), o apagão ainda atinge 700 mil imóveis. A Enel alega que estes são casos de "alta complexidade" e que não há previsão de retorno.

Resta claro que a empresa precisa reforçar sua equipe de atendimento, com planejamento para situações críticas, e coibir ilegalidades esporádicas e inadmissíveis de funcionários —como um caso de cobrança de propina para religar a energia.

Do lado das autoridades, há uma disputa entre, de um lado, as gestões municipal e estadual e, do outro, a federal. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pede a caducidade do contrato —extinção antecipada de concessão por descumprimento grave e reiterado de obrigações contratuais ou legais— com a Enel, que vence em 2028.

Já o ministro de Minas Energia, Alexandre Silveira, diz que o contrato só seria renovado após análise e estudos técnicos e que apenas a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneelpode abrir processo para uma intervenção, como a caducidade.

De todo modo, cabe à pasta e à autarquia assegurar, por meio de gestão e fiscalização, que a concessionária seja eficaz no serviço. Na quarta (10), a Aneel deu cinco dias para que a empresa explique a falta de luz na capital.

Medidas pontuais como o corte regular de árvores, a cargo da prefeitura, também contribuem para evitar apagões. No entanto somente fiscalização e regulação adequadas funcionam de fato no médio e longo prazo.

Ressalte-se que a lentidão na resposta da Enel após fenômenos meteorológicos é recorrente. Este é o quinto apagão em São Paulo desde novembro de 2023.

Consumidores paulistas têm o direito a um serviço adequado. Não há fim visível para os eventos climáticos oriundos do aquecimento global. Há que buscar soluções técnicas, não voluntaristas, para equilibrar qualidade do serviço, rentabilidade da operação e parcimônia nas tarifas.

Caso Master exige transparência maior da Justiça

Por O Globo

Sigilo do processo diminui a confiança do público nas instituições

A curta trajetória do Banco Master, terminada com liquidação extrajudicial, deixou um prejuízo de no mínimo R$ 10 bilhões, além de vários indícios de crimes com envolvimento de caciques do Congresso e do governo do Distrito Federal. Na tentativa fracassada de salvar o banco, ficou claro que a lista de suspeitos é longa. Não é difícil resgatar registros dos defensores mais vocais do banqueiro Daniel Vorcaro. Agora, muitos deles correm para apagar seus rastros.

Em situações assim, a transparência costuma ser a melhor arma contra a impunidade. Por isso causou surpresa a medida tomada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), aumentando a exigência de sigilo sobre o processo envolvendo o Master. Ontem Toffoli decidiu vetar à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS acesso às informações financeiras e mensagens trocadas por Vorcaro.

É possível que Toffoli tenha querido evitar vazamentos que prejudiquem a investigação. Como não fundamentou de forma satisfatória sua decisão, é impossível saber ao certo. Seria mais saudável, de todo modo, que o processo corresse à vista de todos. Ainda mais diante das notícias que vieram a público nos últimos dias.

O colunista Lauro Jardim, do GLOBO, revelou que Toffoli viajou para Lima para assistir à final da Libertadores num jato particular, na companhia de Augusto de Arruda Botelho, advogado de um dos envolvidos no caso Master. No mesmo dia da viagem ao Peru, o processo do Master lhe foi distribuído por sorteio. Ele assevera que não tratou do caso na viagem. Menos de uma semana depois, contudo, atendeu à demanda da defesa, concentrando as decisões sobre a investigação e aumentando o grau de sigilo.

A situação despertou novos questionamentos depois que a colunista Malu Gaspar, também do GLOBO, revelou o valor do contrato do Master com o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes: cerca de R$ 3,6 milhões por mês, ou um total em torno de R$ 130 milhões durante três anos. Pelo contrato, tal valor remunera não a defesa de uma causa específica, mas a atuação genérica em favor do Master na Justiça, no Banco Central, na Receita Federal, no Cade, até no Congresso.

Embora Moraes não participe do caso Master, situações dessa natureza não suscitariam tanto estranhamento se o próprio STF não tivesse autorizado, em 2023, que juízes atuassem em casos envolvendo clientes de escritórios em cujos quadros trabalham parentes seus (desde que os familiares não atuem diretamente no caso). Esse é o tipo de situação que deveria ser repensada no novo código de conduta defendido pelo presidente da Corte, ministro Edson Fachin.

As acusações contra Vorcaro e Master não deveriam despertar suspeitas contra figuras de relevo na fronteira entre a política, os negócios e o meio jurídico. E manter o sigilo só faz alimentá-las. O melhor que Toffoli tem a fazer é conduzir o processo da forma mais transparente possível.

Apagões que afligem São Paulo voltam a pôr em xeque concessão da Enel

Por O Globo

Não é novidade que eventos climáticos extremos se tornam mais intensos e frequentes. É preciso garantir energia

Apagões já fazem parte da rotina paulistana a qualquer chuva mais forte. No mais recente, propiciado pelos vendavais da última semana, um quarto (25%) dos imóveis de São Paulo, ou 2,26 milhões de endereços, ficou sem luz, e mais da metade ainda estava às escuras depois de 24 horas. Mais de 400 voos foram cancelados, e os prejuízos da paralisia na maior metrópole do país foram estimados em R$ 1,5 bilhão.

Depois de, nos últimos três anos, ter aplicado multas somando R$ 345 milhões contra a concessionária Enel (ante média de R$ 15 milhões nos quatro anos anteriores), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) exigiu explicações sobre o colapso da rede de distribuição e lembrou que falhas graves na prestação do serviço podem levar à “caducidade da concessão” — seu cancelamento. A Prefeitura também pediu esclarecimento sobre por que havia tantos veículos de serviço parados nos pátios enquanto milhões estavam sem luz. O governador paulista, Tarcísio de Freitas, chegou a falar em intervenção. A Enel afirma ter alocado 1.600 funcionários para restaurar a energia. Há, contudo, relatos de cobrança de propina para religar a luz.

Não é novidade que os eventos climáticos extremos tendem a se tornar mais intensos e mais frequentes na esteira do aquecimento global. Cabe aos gestores públicos e às concessionárias privadas de serviços tratar o assunto de forma permanente em suas agendas e tomar as providências necessárias.

O mais grave, como registrou a Aneel, é que a Enel não foi apanhada de surpresa. Institutos de meteorologia e a Defesa Civil vinham alertando, desde o final da semana, sobre a formação no Sul do país de um ciclone extratropical capaz de provocar chuvas e fortes rajadas de vento no Sudeste. Desde o lançamento dos primeiros satélites meteorológicos, tempestades são previstas com antecedência e monitoradas cuidadosamente. Concessionárias de serviços públicos, como distribuidoras de energia, têm obrigação de acompanhar essas informações e de agir preventivamente para reduzir ao mínimo a probabilidade de apagões.

Energia é insumo de primeira necessidade. Quando 25% de uma cidade como São Paulo fica às escuras, os problemas ocorrem em cascata e semeia-se o caos pelo país. Aeroportos, lojas, bares, restaurantes e uma infinidade de negócios são prejudicados. A população perde renda e acesso a serviços essenciais, como hospitais ou trens metropolitanos. A falta de energia paralisa bombas de água, com isso bairros altos ou distantes enfrentam problemas de abastecimento. A sucessão de dificuldades é extensa.

Manter fornecimento de energia é essencial para a população. É o que a Enel não tem conseguido entregar. À frente da concessão em São Paulo desde 2018, a empresa — que também atua no Rio e no Ceará — tem se mostrado incapaz de melhorar a rede de distribuição. A situação exige atitude mais enérgica das autoridades. Não é apenas sobre São Paulo que caem temporais, nem por isso há apagões disseminados pelas metrópoles do país.

O Senado aprimorou o PL Antifacção

Por O Estado de S. Paulo

As mudanças corrigem excessos, preenchem lacunas e criam dispositivos que fortalecem o marco legal. Mas não solucionam a dispersão institucional que mantém as facções um passo à frente

O Projeto de Lei Antifacção (5.582/25) que a Câmara recebe de volta do Senado é melhor do que o que ela entregou. O texto original tinha méritos, fechou lacunas da Lei das Organizações Criminosas e endureceu penas para líderes e financiadores. Mas era vulnerável no ponto estrutural: a arquitetura institucional para enfrentar grupos que já operam como máfias transnacionais, com capilaridade econômica, territorial e política. A revisão dos senadores não chegou a anular totalmente essas fragilidades, mas corrigiu excessos, eliminou riscos jurídicos e conferiu coerência técnica ao conjunto.

Uma mudança relevante foi substituir o tipo de “domínio social estruturado” por uma definição mais precisa de “facção criminosa”. A intenção original – enquadrar o poder territorial – era correta, mas o dispositivo convivia com incertezas interpretativas e tensões com a legislação vigente. A nova redação preserva o objetivo, com maior clareza conceitual e menor risco de conflito com o Código Penal e a Lei das Organizações Criminosas, reduzindo a insegurança jurídica que inevitavelmente seria explorada pelas defesas dos criminosos. Também foram aprimorados avanços centrais da Câmara: penas mais duras e escalonadas para chefes e financiadores das facções, enquadramento adequado das milícias, agravantes proporcionais para crimes de integrantes de facção e instrumentos mais robustos para rastrear, bloquear e asfixiar fluxos financeiros criminosos.

O Senado acertou ao rejeitar novas tentativas de equiparação das facções ao terrorismo. Não se reduzem os riscos ao País com atalhos conceituais: terrorismo exige motivação política ou ideológica; facções brasileiras movem-se por lucro. Ao evitar esse desvio, o Senado protege o sistema jurídico de contradições perigosas e bloqueia aventuras interpretativas que poderiam justificar excessos, incluindo riscos à soberania nacional.

Duas inovações institucionais merecem atenção. O primeiro é a criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas, que inaugura um esforço – ainda incipiente – de integração de dados entre União e Estados. Não se enfrentam máfias com mais de 1.500 agências atuando de forma isolada e com métodos incompatíveis. O segundo é a vinculação de receitas das bets ao Fundo Nacional de Segurança Pública. Sozinha, a medida não resolve a desorganização federativa, mas cria fonte estável de financiamento e dá fôlego aos Estados que hoje sustentam, quase isoladamente, o enfrentamento cotidiano às facções. É um gesto de realismo fiscal raro num tema habitualmente capturado por retórica vazia.

Mas limites persistem. Ao atribuir à Polícia Federal a coordenação das forças integradas, o projeto concentra poder em uma única instituição. Sem uma autoridade nacional antimáfia – independente, técnica e blindada – a cooperação federativa seguirá vulnerável a disputas corporativas e à volatilidade política. A Itália só virou o jogo contra Cosa Nostra quando criou estruturas permanentes capazes de integrar inteligência, investigação e repressão com autonomia. O Brasil continua sem isso.

Persistem também tensões normativas entre o novo texto e a legislação vigente. Embora mitigadas, elas podem gerar interpretações divergentes e contenciosos que favorecem a impunidade, exatamente o que especialistas alertam há anos: onde o Estado vacila, o crime avança.

Há, ainda, uma lacuna relevante: o País não decidiu se enfrenta criminosos comuns ou estruturas paramilitares que exercem soberania de facto. Essa indefinição limita a precisão das políticas públicas e impede que o arcabouço jurídico acompanhe a escalada bélica e territorial das facções – um ponto que o projeto toca apenas lateralmente.

O Senado entregou um texto melhor, mais claro e mais funcional. A ser aprovado e sancionado, o Brasil terá uma lei razoável, mas ainda não uma estratégia nacional consistente. E enquanto combater máfias e narcomilícias com ferramentas desenhadas para crimes comuns, o Estado corre o risco de seguir um passo atrás de organizações que, em várias regiões, já acumulam recursos, logística e controle territorial capazes de desafiar sua autoridade.

Um experimento a se observar

Por O Estado de S. Paulo

Ao banir redes sociais para menores de 16 anos, Austrália cria marco que pode levar a um arcabouço para lidar com os danos que as plataformas têm causado a crianças e adolescentes

A decisão da Austrália de proibir o uso de redes sociais para menores de 16 anos é objeto de atenção no mundo todo, especialmente por pais e educadores que, diariamente, testemunham os efeitos negativos das plataformas de mídias digitais sobre crianças e adolescentes.

Aprovada pelo Parlamento no final do ano passado, a proibição passou a valer agora em dezembro. De acordo com as novas regras, as plataformas de redes sociais têm a obrigação de checar a idade de seus usuários por meio de documentos ou verificações faciais, desconectar as contas já existentes daqueles com menos de 16 anos e impedir a criação de novos perfis.

Puníveis com multa de até R$ 200 milhões, plataformas como Facebook, TikTok, YouTube, Snapchat e Instagram, entre outras, afirmaram estar cumprindo com as regras.

Por ora, redes como WhatsApp e Discord não precisam barrar menores de 16 anos, mas podem vir a ser obrigadas a fazê-lo caso o governo australiano julgue necessário. A lista de plataformas proibidas para menores é dinâmica, podendo ser revisada periodicamente.

Como acabou de entrar em vigor, a proibição ainda esbarra em desafios, como falhas no processo de verificação de idade. Há ainda o risco de que jovens usem redes privadas virtuais (VPN, na sigla em inglês) para driblar as restrições geográficas e acessar as redes como se estivessem em localidades onde não há proibição.

O governo australiano reconhece os problemas de execução e afirma não esperar que tudo flua com perfeição de um dia para o outro. Em artigo publicado no domingo passado, 7, o primeiro-ministro Anthony Albanese comparou as restrições às redes sociais à idade mínima de 18 anos para o consumo de bebidas alcoólicas.

“A mensagem que essa lei passa é 100% clara. Por exemplo, a Austrália estabeleceu em 18 anos a idade legal para o consumo de álcool porque nossa sociedade reconhece os benefícios dessa abordagem para o indivíduo e a comunidade”, disse o premiê.

De acordo com Albanese, não é porque, vez ou outra, adolescentes encontram maneiras de beber que a existência de uma regra clara, um padrão nacional, sobre bebidas, e agora sobre redes sociais, perde seu valor.

Mais do que um fim, a proibição instituída pela Austrália soa como um ponto de partida. Embora as redes sociais sejam uma ferramenta que aproxima pessoas, seu uso sem controle por crianças e adolescentes vem causando uma série de prejuízos à sociedade, que vão desde a dificuldade de prestar atenção a aulas até, infelizmente, casos de automutilação e suicídios.

No caso específico do Brasil, embora há muito se saiba dos efeitos nocivos do álcool e do tabaco, as restrições a propagandas e o estabelecimento de idade mínima para o consumo desses produtos não ocorreu da noite para o dia.

Foram décadas para que as regras fossem gradualmente apertadas até que, finalmente, a propaganda de cigarro fosse completamente banida dos meios de comunicação, enquanto a de bebidas alcoólicas ficou limitada a horários específicos. Hoje, nem mesmo os fabricantes desses produtos discordam das proibições.

Nesse contexto, a decisão da Austrália de proibir as redes para menores de 16 anos ganha ainda mais relevância, pois pode levar à criação de um arcabouço global, ajustado a realidades locais, sobre como mitigar os efeitos nocivos das redes sobre os jovens.

Mais de dois terços dos australianos concordam com as regras mais rígidas. Se a experiência é radical demais, só o tempo dirá. Mas o que a sociedade australiana está escancarando é que a exposição excessiva às redes (e a conteúdos nem sempre adequados) não pode seguir como está.

Cabe aos países, plataformas, pais e educadores observarem atentamente os resultados do experimento australiano e se adequarem aos novos tempos.

Já há consenso de que o uso indiscriminado das redes pode ter efeitos irreversíveis sobre o ser humano em seus anos de formação, mas falta entendimento sobre como lidar com esse novo problema. A Austrália convida o mundo a ao menos encarar um debate essencial – e inadiável.

Uma cobrança cínica

Por O Estado de S. Paulo

Governo que manobra suas contas chama dividendos antecipados de ‘manobra indecente’

A corrida para antecipar o pagamento de dividendos era totalmente previsível a partir da sanção da lei que determina a tributação do benefício financeiro a partir de 2026. Surpresa foi o governo de Luiz Inácio Lula da Silva achar que seria diferente, como mostrou o comentário feito em rede social pela ministra da Secretaria de Relações Institucionais, a petista Gleisi Hoffmann, que classificou de “manobra indecente” o movimento das empresas. Das duas, uma: ou demonstra a petulância de considerar que empresas e mercado estão obrigados a render-se aos interesses de Lula, ou se trata de total ignorância sobre as regras que regem o mercado.

Há ainda, como terceira hipótese, a ingenuidade, mas essa é difícil de engolir. Até porque Lula e Gleisi são tudo, menos ingênuos. A taxação de Imposto de Renda de 10% sobre o pagamento de dividendos a pessoas físicas quando o valor mensal ultrapassar R$ 50 mil foi uma das medidas encontradas pelo governo para compensar a ampliação da faixa de isenção do imposto para quem ganha até R$ 5 mil mensais.

Levando em conta que não há qualquer ilegalidade ou mesmo imoralidade na distribuição antecipada de lucros e dividendos, é natural que empresas e investidores aproveitem o prazo estreito antes da tributação para usufruir do sistema ainda em vigor. Reportagem recente do E-Investidor, plataforma sobre investimentos do Estadão, mostrou, com base em levantamento do banco BTG Pactual, que companhias brasileiras listadas na bolsa B3 aceleraram o anúncio dos pagamentos, totalizando R$ 68 bilhões, incluídos aí pelo menos R$ 35 bilhões em dividendos extraordinários.

Os analistas do banco avaliam que ainda deve vir muito mais por aí, já que se estima que, no terceiro trimestre, havia ao menos R$ 548 bilhões em lucros retidos e reservas de lucros no mercado. Ainda que os pagamentos não sejam, por óbvio, dessa magnitude, há um bom potencial de distribuição livre da incidência do imposto. Reportagem do Broadcast/Estadão mostrou que grandes bancos já estão oferecendo empréstimos voltados à antecipação para as empresas sem recursos suficientes em caixa.

Trata-se de uma vantagem lícita oferecida pelas empresas a seus acionistas que, por sua vez, garantem o investimento das companhias. A Petrobras, por exemplo, que anunciou o pagamento de R$ 12,2 bilhões em dividendos, sabe do retorno benéfico da medida a seus acionistas e, nesse caso, a União, que controla a companhia, será a maior beneficiada. Esperar que o mercado aguarde passivamente o início da taxação para só então distribuir parte de seu lucro é ir contra a própria lei da oferta e da demanda, princípio básico do mercado.

Ademais, denominar de “manobra indecente” uma dinâmica coerente pré-tributação soa como cinismo por parte de um governo que, esse sim, recorre a inúmeras manobras indecentes para maquiar resultados fiscais com os quais se comprometeu.

Disputa de poder afronta a Constituição

Por Correio Braziliense

Um dos princípios básicos da democracia — além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis

Um dos princípios básicos da democracia — além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis. O sistema de pesos e contrapesos entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário existe para garantir esse equilíbrio. Quando o Legislativo avança sobre a execução do Orçamento e faz a exegese das decisões judiciais, está ampliando suas prerrogativas para além do que é constitucionalmente estabelecido.

Nesse afã de se colocar acima dos demais Poderes, poucas vezes na história recente a Câmara dos Deputados se expôs de forma tão polêmica quanto nos últimos meses. A decisão de preservar o mandato da deputada Carla Zambelli, em afronta direta à Constituição e a uma sentença definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF), é apenas o capítulo mais recente de uma sequência preocupante de episódios que indicam degradação institucional e espírito corporativo. O fechamento do Plenário à imprensa, a retirada de parlamentar à força com um mata-leão e a tramitação da chamada PEC da Blindagem compõem um quadro incompatível com a centralidade que a Câmara ocupa na democracia brasileira.

Na madrugada de quinta-feira, o plenário da Casa decidiu não declarar a perda do mandato de Zambelli, condenada pelo STF a 10 anos de prisão em regime inicialmente fechado. A deputada foi considerada culpada, com trânsito em julgado, por integrar uma associação criminosa que invadiu o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e forjou um mandado de prisão contra o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes. Trata-se, portanto, de condenação definitiva, sem qualquer possibilidade de recurso.

A cassação, nesse caso, não era matéria sujeita a juízo político. É um imperativo constitucional. O artigo 55 da Constituição Federal não deixa margem para interpretações criativas: perderá o mandato o parlamentar que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. O verbo não é facultativo. Não se trata de prerrogativa do Legislativo, mas de obrigação jurídica. Ao se insurgir contra esse comando, a Câmara não apenas violou a Constituição, como se arrogou, indevidamente, o papel de instância revisora do STF.

A reação do Supremo foi inevitável. Ainda na quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes anulou a decisão do plenário e determinou que a Mesa da Câmara  efetive a posse do suplente no prazo máximo de 48 horas. Como destacou o ministro, cabe ao Congresso apenas declarar a perda do mandato por meio de ato administrativo vinculado à sentença judicial, e não deliberar politicamente sobre ela.

Não se trata de precedente inédito. Em 2013, quando a Câmara rejeitou a cassação do então deputado Natan Donadon, também condenado com trânsito em julgado, o STF interveio. À época, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu os efeitos da sessão e afirmou que, em casos de condenação a regime inicial fechado por período superior ao restante do mandato, a perda é automática. A lógica é elementar: alguém privado de liberdade não pode exercer representação política. O fato de Zambelli estar presa no exterior não altera essa realidade material.

O que prevaleceu agora, mais uma vez, foi o espírito de corpo. Abandonada pelo próprio Jair Bolsonaro, Zambelli foi instrumentalizada como peça numa disputa de poder entre parte do Congresso e o STF. O interesse público, a moralidade administrativa e o respeito às instituições ficaram em segundo plano. A preservação do mandato não teve como objetivo proteger uma parlamentar, mas enviar um recado à Corte que deve ser prontamente rechaçado pelo Supremo e pela sociedade.

A direção certa no combate às facções criminosas

Por O Povo (CE)

As organizações criminosas estão infiltradas em todas as instituições republicanas: no Judiciário, no Ministério Público e no sistema político

A operação que a Polícia Civil deflagrou na quinta-feira para cumprir 127 mandados de busca e apreensão e para bloquear recursos oriundos de ações criminosas está na direção indicada por especialistas para combater as facções: sufocar financeiramente o crime organizado.

Segundo informações da Polícia Civil do Ceará, a operação mirou o núcleo financeiro de uma facção criminosa com origem na cidade do Rio de Janeiro. Foram efetuadas 17 prisões e a Justiça autoriza o bloqueio de até R$ 50 milhões do núcleo financeiro criminoso, mostrando o poderio dos criminosos.

Guardadas as proporções, ações desse tipo inspiram-se na operação Carbono Oculto, cujo trabalho integrado entre a Receita Federal, Polícia Federal e outras instituições investiu contra um grande esquema de fraudes, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, atuando, inclusive, na economia formal, por meio de postos de combustível.

O que a Carbono Oculto ensina é que o problema não será resolvido apenas com a prisão de faccionados que dirigem os negócios em comunidades. Esses são elementos substituíveis, que agem na ponta da linha de um comando que atua em instâncias insuspeitas.

É preciso que as forças policiais e outras instituições ajam de forma integrada, fazendo prevalecer a inteligência, e evitando confrontos desnecessários, que põem em risco a vida da população. Somente assim será possível vencer a batalha contra as facções, que hoje se espalham por praticamente todo o território nacional.

As organizações criminosas, como vem repetindo o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator no Senado do PL Antifaccão, estão infiltradas em todas as instituições republicanas, no Judiciário, no Ministério Público, entre outras. No sistema político, elas influenciam eleições e financiam campanhas eleitorais.

No Ceará, Carlos Alberto Queiroz Pereira, eleito prefeito de Choró em 2022, está foragido até hoje, suspeito de manter ligação com facções criminosas.

Mais recentemente, o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo Bacellar — atualmente licenciado do cargo — ficou preso por uma semana, suspeito de vazar uma operação da Polícia Federal contra organizações criminosas.

Como afirmou o delegado-geral da Polícia Civil do Ceará, Márcio Gutierrez, "não se trata apenas de tirar criminosos violentos de circulação, mas também de confiscar e bloquear patrimônio oriundo do tráfico e de outros crimes".

Com relação ao assunto tramitam no Congresso a PEC da Segurança Pública e o PL Antifacção. O importante é que essas duas medidas se tornem ferramentas para que o combate ao crime organizado se torne mais eficaz no Brasil.

 

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