Ataque antissemita na Austrália é alerta para todo o mundo
Por O Globo
No lugar de
alimentar discurso de ódio, Brasil deve resgatar tradição de tolerância que
sempre o definiu
Não faltou aviso para o risco de crescimento do antissemitismo na esteira da resposta israelense ao ataque terrorista do Hamas no 7 de Outubro. Em agosto passado, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, enviou carta ao australiano, Anthony Albanese, acusando-o de “lançar gasolina no fogo antissemita” e de “encorajar o ódio aos judeus” por atos que, dizia Netanyahu, favoreciam terroristas do Hamas. É compreensível que o morticínio e a violência dos ataques israelenses em Gaza tenham despertado uma onda de simpatia pela justa causa palestina, mas isso não pode justificar ser contra a existência de Israel. O atentado antissemita na Praia de Bondi, em Sydney, que deixou pelo menos 15 inocentes mortos numa das principais celebrações do judaísmo — a primeira noite da festa das luzes, Chanucá — , comprova que Netanyahu não falava no vazio. O ódio milenar a judeus encontrou na defesa dos palestinos um biombo atrás do qual se oculta para passar por aceitável.
Sempre é uma
minoria que odeia, e uma minoria ainda menor transforma seu ódio em violência.
Felizmente, há heróis como o comerciante muçulmano de origem síria Ahmed
al-Ahmed, cidadão australiano, que desarmou sozinho um dos terroristas. Mas é
justamente a minoria violenta que pratica o terrorismo selvagem.
A leniência com o antissemitismo é salvo-conduto não somente para quem espalha
o ódio, mas também para os terroristas.
O atentado em
Sydney é apenas o mais recente numa série de incidentes antissemitas que
vicejam em tais ambientes. Lá mesmo em Bondi, um restaurante judaico foi alvo
de um ataque incendiário em 2024 e, dias depois, bombas foram lançadas contra
uma sinagoga. Vândalos também atacaram bairros e uma creche de judeus
australianos. Não se trata de problema restrito à Austrália. Em
Manchester, Reino Unido, um terrorista esfaqueou fiéis numa sinagoga em outubro
na data mais sagrada do judaísmo, o Dia do Perdão. Em Londres, no mesmo dia,
uma manifestação brandindo bandeiras palestinas bradava pela decapitação de
judeus. Nos Estados Unidos, uma marcha pacífica pela libertação de reféns foi
alvo de lança-chamas e coquetéis molotov em Boulder, e um casal de diplomatas
israelenses foi assassinado na saída de um evento judaico em Washington.
Universidades americanas ainda são terreno fértil para o antissemitismo.
No Brasil, é um
alento que a violência antissemita não tenha chegado a tal ponto. Mas a
situação no ambiente acadêmico não é diferente. Sinal disso foi a inaceitável
tentativa de censurar um palestrante pró-Israel na Faculdade de Direito da USP.
O balanço de incidentes antissemitas da Confederação Israelita do Brasil
(Conib) registrou aumentos de 255% em 2023 e 350% em 2024, na comparação com
2022 (os dados de 2025 não foram divulgados).
O aumento coincide com declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como a comparação absurda entre Israel e nazistas ou o abuso do termo “genocídio” ao falar em Gaza. Palavras assim fazem com que a condenação dele a ataques contra judeus soe sempre protocolar. O Brasil tem sido historicamente um país onde cristãos, muçulmanos e judeus convivem em paz. Mas o atentado em Sydney mostra que palavras e atitudes de governantes não são inócuas. Onde há condescendência, cresce o ódio. O governo precisa resgatar a tradição de tolerância e integração que sempre nos definiu.
Vitória do ultradireitista Kast no Chile traz
preocupação para América Latina
Por O Globo
No governo, novo presidente deveria deixar de
lado discurso radical e adotar práticas moderadas
O ultradireitista José Antonio Kast venceu a
comunista Jeannette Jara no segundo turno das eleições chilenas de domingo e
substituirá o esquerdista Gabriel Boric. Com 58% dos votos válidos, Kast, um
admirador do ditador Augusto Pinochet, conquistou o mandato com folga, apoiado
num discurso contra imigrantes e no temor da população em relação à segurança
pública. Mas o sucesso de seu governo dependerá de sua capacidade de fazer a
leitura certa do humor dos chilenos. A análise rápida do histórico político
recente do Chile sugere
radicalização, indo de um extremo (Boric) ao outro (Kast). A avaliação mais
atenta, porém, mostra um eleitorado mais moderado.
Kast está longe de ser unanimidade. No
primeiro turno, conquistou 24% dos votos e ficou em segundo lugar. Venceu
graças à transferência de votos de outros candidatos de centro e de direita. Para
os eleitores que foram às urnas, era o mal menor. Isso deveria ser suficiente
para ele moderar sua agenda, repleta de promessas populistas como deportação em
massa ou construção de mais e mais presídios. Em segurança pública, avanços
costumam exigir respostas específicas, e não promessas genéricas de ser duro
com bandidos.
Caso não adote uma política menos radical,
Kast repetirá o erro de Boric com sinal trocado. Boric também ficou em segundo
lugar no primeiro turno em 2021 (atrás de Kast), venceu na reta final por ser
considerado o menos ruim e, uma vez no Palácio La Moneda, prometeu “refundar” o
país. Apoiou uma assembleia constituinte desvairada que produziu um texto cheio
de alucinações esquerdistas, depois rechaçado nas urnas. Foi preciso tomar um
choque dos eleitores para ele buscar um tom mais moderado.
Kast faria bem em evitar radicalismos. Os
chilenos não querem mudanças extremadas. As ruas anseiam por políticas eficazes
contra o crime, uma economia mais inclusiva e crescimento sustentável. Sem
maioria parlamentar, ele terá de negociar para aprovar suas pautas.
Congressistas decerto barrarão as promessas mais desvairadas, como aumentar o
poder de ação das Forças Armadas dentro do território nacional, tema sensível
dada a história da ditadura chilena.
É grave para a América Latina o sucesso de discursos extremistas como os de Kast ou Jair Bolsonaro. A democracia chilena já foi modelo de sucesso para o continente. Será essencial preservá-la. Na Europa, Kast pode encontrar inspiração num modelo negativo e noutro positivo. Viktor Orbán chegou ao poder na Hungria, ocupou as instituições com seus apaniguados e se tornou o maior autocrata da União Europeia (UE). A italiana Giorgia Meloni trilhou outro caminho. Quando ainda estava na oposição, criticava a UE, elogiava o Brexit e se opunha a sanções contra a Rússia. Ao chegar ao poder em 2022, mudou de opinião. Diante do desafio de governar e entregar resultados, Meloni tem provado ser pragmática, mesmo no tema da imigração. É um bom exemplo para Kast.
Chile polarizado agora dá guinada à direita
Por Folha de S. Paulo
Kast, que derrotou governista do Partido
Comunista, afastou-se de discursos autoritários e antissistema
Triunfo da direita se soma a outros recentes
no continente, como Rodrigo Paz Pereira, na Bolívia, e reeleição de Daniel
Noboa no Equador
Democracia acostumada por décadas à
alternância do poder entre centro-direita e a centro-esquerda, o Chile consagrou
no domingo (14) o ultraconservador José Antonio
Kast, do Partido Republicano, que derrotou na eleição presidencial a
governista Jeannette Jara, do Partido Comunista.
Kast obteve
58,1% dos votos válidos, segundo o Serviço Eleitoral do Chile,
enquanto a ex-ministra do Trabalho do atual presidente, Gabriel Boric, ficou
com 41,8%, mesmo contando com o apoio da máquina governamental e de todos os
setores da esquerda.
Mais do que se sobrepor, nas urnas, a um
governo desgastado na opinião pública, Kast soube capturar a percepção de
insegurança da população e sua contrariedade com o aumento da imigração, trazer
tais temas ao centro do debate e apresentar-se como liderança capaz de
equacioná-los.
Aprendeu com seus fracassos nas duas eleições presidenciais
anteriores ao esquivar-se de promessas caras ao conservadorismo chileno, como o
veto ao casamento homoafetivo e às brechas ao direito de aborto, limitadoras de
seu potencial de inserção no eleitorado de centro.
Mesmo entusiasta declarado da ditadura
militar de Augusto Pinochet, Kast manteve distância de discursos autoritários,
disruptivos e antissistema observados na ultradireita ocidental.
Até por pragmatismo, Kast mantém um
compromisso com o mesmo Estado de Direito que avalizou sua vitória eleitoral e
o investirá na liderança do Poder Executivo em março. Compor-se com setores de
centro-direita do Congresso será chave para o êxito de sua gestão.
Ao propor controles imigratórios,
distanciou-se do modelo persecutório de Donald Trump,
nos Estados
Unidos. Ao prometer um corte de US$ 6 bilhões nos gastos públicos em
18 meses e a redução do tamanho do Estado, mostrou intenção de preservar os
atuais programas sociais.
Num país com bons fundamentos
macroeconômicos, reformas liberais bruscas e agressivas, ao estilo do
argentino Javier Milei,
mostram-se desnecessárias. O Chile tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) da América do
Sul e mantém contas públicas e inflação sob controle.
Sua dívida pública está pouco acima dos 40%
do PIB (são
90% no Brasil, pelos critérios do FMI),
pagando juros em
torno de 5% anuais (15% aqui).
A vitória da direita se soma a outras
recentes no continente. Assim foi na Argentina,
onde Milei, eleito em 2023, voltou a mostrar força no pleito legislativo deste
ano; na Bolívia,
onde o centro-direitista Rodrigo Paz Pereira venceu o pleito presidencial em
outubro; e no Equador,
com a reeleição
de Daniel Noboa em abril.
As instituições chilenas se fortaleceram no
período de estabilidade política e econômica a partir da redemocratização, em
1990, e resistiram à turbulência
iniciada com os protestos populares de 2019. Kast, felizmente,
parece ter compreendido isso.
Antissemitismo letal na Austrália
Por Folha de S. Paulo
Ataque em celebração judaica é resultado de
preconceito histórico nefasto que se intensificou recentemente
É preciso um esforço de esclarecimento para
impedir a associação impensada entre abusos do governo de Israel e a comunidade
judaica
Neste domingo (14), dois homens armados
abriram fogo em direção a um evento de celebração do Hanukkah na praia de Bondi
em Sydney, Austrália, matando 15
pessoas e ferindo outras 40. A escolha do local no dia da
festividade judaica evidencia a motivação antissemita da chacina.
Trata-se do ataque mais letal no país desde
1996 —quando 35 pessoas foram assassinadas por um atirador numa colônia
prisional no sudeste da Tasmânia.
O primeiro-ministro da Austrália, Anthony
Albanese, qualificou o
ato como "incidente terrorista devastador". De acordo com
a investigação, os atiradores eram um homem de 50 anos, morto no local, e seu
filho de 24 anos, que foi detido pela polícia.
Uma criança de dez anos e um sobrevivente do
Holocausto estão entre as vítimas. O país tem a terceira maior população de
judeus do mundo, atrás apenas de Israel e
EUA, estimada entre 110 mil e 120 mil pessoas. Houve aumento de casos de
antissemitismo recentemente.
Organizações judaicas australianas
registraram ao menos 1.654 incidentes contra o grupo etnorreligioso entre
outubro de 2024 e setembro de 2025. O número inclui de ataques a bomba em
sinagogas a grafites agressivos em escolas judaicas, entre outros.
A onda de preconceito se deu após o ataque
terrorista do Hamas a
Israel, em outubro de 2023, que gerou a guerra na Faixa de Gaza.
É preciso levar a cabo um esforço de esclarecimento para impedir a associação
impensada entre os abusos
cometidos pelo governo Binyamin Netanyahu e a comunidade
judaica —bem como punir responsáveis e usar inteligência para prevenção.
Além de sua brutalidade, o atentado em Bondi
foi ainda mais chocante para os australianos porque ataques a tiros são raros
no país, que possui uma das leis de controle de armas mais rigorosas do mundo,
instituída após o ataque na Tasmânia em 1996.
Apesar disso, o atirador mais velho, morto no
ataque, obteve licença para posse de armas de fogo em 2015 e tinha seis delas
registradas em seu nome.
O governo da Austrália prometeu endurecer
ainda mais a legislação, restringindo licenças por tempo indeterminado e
criando um registro nacional.
Leis são cruciais para o controle de armas, mas é necessário aplicá-las de modo eficaz. Especialistas estimam que o número per capita de dispositivos atualmente é maior do que o de 1996. Bondi mostra que o antissemitismo, ainda mais armado, é letal, e precisa ser contido para que novas tragédias não se repitam.
O Congresso não é inimigo do povo
Por O Estado de S. Paulo
Críticas a projetos de lei ou a parlamentares
são legítimas, mas retratar o Congresso como adversário dos brasileiros, como
fazem os petistas, revela vocação autoritária
No domingo passado, milhares de cidadãos
foram às ruas para protestar contra o Congresso, mais uma vez. O alvo principal
das manifestações foi o chamado PL da Dosimetria, que propõe nova interpretação
jurídica dos crimes contra o Estado Democrático de Direito pelos quais foram
condenados Jair Bolsonaro e outros envolvidos no 8 de Janeiro, com o efeito
prático de reduzir suas penas. Com menos ênfase, os atos também pugnaram pela
criação de um código de conduta para os ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF), reforçada pela publicação de fatos perturbadores que ligam Dias Toffoli
e Alexandre de Moraes ao Banco Master.
Promovidas pelo PT e por outros partidos de
esquerda, além de movimentos sociais, centrais sindicais e artistas alinhados
ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as manifestações vocalizaram ataques
ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e ao Congresso em geral,
classificado como “inimigo do povo” – mote criado pela máquina de propaganda
petista instalada no governo. O tom, malgrado ser politicamente compreensível,
merece uma reflexão mais serena – menos por seus excessos retóricos e mais
pelos riscos institucionais que encerra.
Ao rotular o Congresso como “inimigo do
povo”, a esquerda presta ao País o mesmo desserviço que a direita radical tem
prestado ao tachar o STF como um reduto de “tiranos”, “psicopatas” ou
“ditadores”. Nem uma coisa nem outra corresponde à realidade. E ambos os
discursos corroem a confiança pública em instituições essenciais à República.
Deslegitimar o Congresso implica minar os próprios alicerces do regime
democrático que se pretende defender. Revela espírito autoritário.
O Congresso não é inimigo do povo, muito ao
contrário. É a sua mais fiel representação institucional. É ali que os cidadãos
se fazem representar, delegando a parlamentares eleitos a tarefa de deliberar
sobre leis, políticas públicas e o Orçamento da União que dizem respeito a
todos. Ver-se mais ou menos representado por uma dada legislatura é parte do jogo
democrático; pressupor que seja “inimiga” da sociedade equivale a sugerir que
haveria um Congresso “amigo” ou “aliado” do povo – como se houvesse uma
instância iluminada capaz de arbitrar quais maiorias são aceitáveis e quais não
são. Goste-se ou não, o Congresso é a face política da sociedade que o elegeu.
Isso não significa, evidentemente, absolver o
Legislativo de suas muitas e graves deformações. A crítica à atuação do
Congresso é não só legítima, como necessária. O busílis é quando a crítica se
converte em demonização indistinta da instituição, abrindo espaço para saídas
autoritárias ou messiânicas. A história recente do País mostra que esse
caminho, à direita ou à esquerda, cobra um preço caro demais à democracia.
Ao mesmo tempo, seria desonesto de nossa
parte ignorar que o atual Congresso, por sua vez, tem dado razões de sobra para
esse mal-estar social. A percepção de que parlamentares são lenientes com
colegas envolvidos em condutas reprováveis, para dizer o mínimo, alimenta a
percepção de um Legislativo mais preocupado em se blindar do que em cumprir sua
missão institucional. A aprovação, na Câmara, da chamada PEC da Blindagem, um
evidente instrumento para dificultar investigações policiais contra
parlamentares, reforçou ainda mais essa impressão.
Some-se a isso a corrupção do Orçamento da
União por meio de emendas parlamentares distribuídas sem transparência,
critérios técnicos ou coerência programática. A operação da Polícia Federal
deflagrada na sexta-feira passada contra uma assessora parlamentar de Arthur
Lira (PP-AL), suspeita de atuar como espécie de “secretária-geral” do orçamento
secreto na Câmara, mostra quão vivo está o esquema a despeito dos honrosos
esforços do STF para acabar com essa perversão antirrepublicana.
Diante de tudo isso, não surpreende que
parcelas expressivas da sociedade se sintam ultrajadas. Há, de fato, uma crise
de representatividade que as lideranças do Congresso precisam tratar com
seriedade e autocrítica. Contudo, nada autoriza a retórica da esquerda que
trata o Congresso como “inimigo”. Esse discurso irresponsável, mesmo travestido
de virtude democrática, pavimenta o caminho para a desinstitucionalização da
política, um enorme perigo para uma democracia ainda tão jovem como a nossa.
O cidadão paulistano exige respeito
Por O Estado de S. Paulo
No meio do tiroteio entre a Enel, o governo
federal e as autoridades de SP, os cidadãos paulistanos padecem com a falta
constante de luz, insumo básico para a vida cotidiana e a economia
Mais uma vez, milhões de pessoas de São Paulo
ficaram no escuro por horas – em alguns casos, dias – após os estragos nas
redes de energia causados por um ciclone extratropical. Mais uma vez, o que se
viu não foram explicações consistentes ou ao menos razoáveis sobre as
dificuldades para restabelecer o fornecimento de energia no menor tempo
possível, mas um jogo de empurra entre autoridades públicas e a Enel São Paulo
no qual o principal objetivo é terceirizar responsabilidades.
Perdem-se tempo, alimentos, eletrodomésticos,
compromissos, dinheiro e vidas cada vez que um blecaute acontece. A população,
com toda a razão, está furiosa e não sabe a quem recorrer. Tudo que se pede é
um mínimo de planejamento para que esses incidentes, por óbvio inevitáveis,
durem minutos ou horas, e não dias, para serem solucionados. Mas, se faltam
respostas, sobram acusações que em nada aliviam o sofrimento dos paulistanos.
São Paulo é certamente uma área desafiadora
em termos de atendimento, já que cada problema que acomete a rede, por menor
que seja, tem o potencial de afetar milhares de consumidores. Mas a recorrência
com que eventos climáticos extremos têm atingido a capital paulista torna
rotineiros os apagões, que deveriam ser episódicos sobretudo em se tratando da
maior cidade do País e da América Latina.
A Enel São Paulo diz que cumpre o que está no
contrato. Se isso é verdade, o contrato é muito ruim, porque os paulistanos não
têm nenhuma garantia de que, em caso de blecaute, terão a energia restabelecida
num prazo razoável. As inúmeras multas que a empresa vem tomando há tempos
mostra, contudo, que o problema não é exatamente o contrato, mas a
incompetência. E note-se que a Enel nem é a pior concessionária de distribuição
de energia do País, como mostram os indicadores de qualidade apurados pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O Brasil, portanto, está mal
servido nessa área.
É verdade que a AES Eletropaulo, empresa que
antecedeu a Enel São Paulo, deixou de fazer investimentos importantes na região
metropolitana de São Paulo quando estava à frente da concessão, e as
consequências dessa imperícia só agora começam a aparecer. Mas também é
inegável que o grupo italiano tem deixado a desejar não apenas em São Paulo,
mas em outras áreas em que atua no País, como na Baixada Fluminense e no Ceará.
Apagões anteriores e tão duradouros quanto
esse ensejaram a aplicação da maior multa da história da Aneel à Enel São Paulo.
Mas o fato de eles continuarem a ocorrer a despeito dessas penalidades
desmoraliza a agência e mostra que os mecanismos que tem à mão para fiscalizar
o setor, inclusive os planos de contingência, não têm funcionado à altura.
Aí está um foco de atuação prioritário para a
Aneel. Está claro que os contratos de concessão que vigoraram desde a década de
1990, quando as distribuidoras estaduais foram privatizadas, precisam ser
adaptados não só a novas tecnologias, mas também a eventos climáticos extremos,
que serão cada vez mais comuns.
A renovação desses contratos, como é o caso
do da Enel São Paulo, que vence em 2028, é uma oportunidade para fazer
exigências críveis e que não inviabilizem as tarifas, tornando-as ainda mais
caras. Ter equipes técnicas mais numerosas de prontidão é uma solução mais
barata e ágil que o enterramento de fios, panaceia que ressurge a cada
blecaute.
Quanto às autoridades públicas, fariam bem se
fizessem seu trabalho. Passou da hora de o prefeito de São Paulo, Ricardo
Nunes, executar um plano de manejo para lidar com as árvores que caem a cada
dia chuvoso na cidade. Essa responsabilidade não é da Enel.
Do mesmo modo, é compreensível que o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, explore politicamente o desgaste
causado pelo apagão, que em última análise é problema da esfera federal, à qual
cabe a regulação da distribuição de energia elétrica. No entanto, esse
discurso, com viés eleitoral, não ajuda a religar a luz dos paulistanos. Serve
apenas para capitalizar a frustração e a raiva dos moradores da cidade.
A ‘intifada globalizada’
Por O Estado de S. Paulo
Massacre na Austrália mostra que os judeus
não estão seguros em lugar nenhum do mundo
Um dos gritos de guerra de movimentos que
diziam atuar pela causa palestina ao longo da guerra em Gaza era “globalizem a
intifada”. Intifada é o nome que se dá aos levantes palestinos contra Israel,
que incluíram atentados terroristas sangrentos contra civis; logo, “globalizar
a intifada” significa levar a reação violenta contra Israel para o mundo todo.
Os judeus então se tornaram alvos óbvios desse discurso de ódio, e não à toa os
casos de antissemitismo dispararam. O massacre de judeus numa cerimônia religiosa
na Austrália no final de semana passado foi o ápice, até aqui, dessa violência
– e pode-se dizer que, infelizmente, prova que os judeus não estão seguros em
nenhuma parte do mundo.
O ataque deixou 16 mortos, entre os quais uma
criança de 10 anos e um sobrevivente do Holocausto, em uma praia australiana
até então conhecida por atrair a população local, turistas e praticantes de
surfe. Houve ainda dezenas de feridos.
Os assassinos, pai e filho, abriram fogo
contra uma multidão que se reunia na praia de Bondi por ocasião do primeiro dia
do Chanuká, celebração judaica também conhecida como Festival das Luzes, que
rememora a resistência do povo judeu diante da perseguição.
A carnificina só não foi maior porque um
homem de origem síria chamado Ahmed al-Ahmed arriscou a própria vida para
desarmar um dos atiradores.
Enquanto Ahmed rapidamente converteu-se em
herói, detalhes sobre o pai e o filho assassinos ainda estão vindo a público. O
pai, que tinha licença para portar armas, foi morto pela polícia. O filho,
nascido na Austrália, já havia sido investigado por suspeita de associação ao
extremismo.
Na esteira dos ataques, o pior da história da
Austrália em quase 30 anos, lideranças do país prometeram dificultar ainda mais
o acesso a armas, que já é bastante restrito naquele país. Mas a real questão
nesse caso não é o acesso a armas, e sim o antissemitismo crescente, que agora
já provoca banhos de sangue até mesmo em lugares idílicos como a famosa praia
australiana.
Ainda não se sabe se o massacre na Austrália
tem alguma relação direta com a guerra em Gaza ou com os movimentos
pró-Palestina e anti-Israel, mas é fato que a exortação à “globalização da
intifada” nunca foi desestimulada por importantes líderes mundo afora,
sobretudo de esquerda.
No caso mais recente, o prefeito eleito de
Nova York, o democrata Zohran Mamdani, recusou-se a condenar esse chamamento à
violência durante sua campanha e até hoje não o fez de modo explícito. “Quando
você se recusa a condenar e apenas ‘desencoraja’ o uso da expressão ‘globalizar
a intifada’, você ajuda a facilitar (não a causar) o pensamento que leva ao
massacre da praia de Bondi”, comentou Deborah Lipstadt, uma das maiores
historiadoras do Holocausto e que trabalhou no governo de Joe Biden no combate
ao antissemitismo.
Portanto, cabe às autoridades, seja de que partido forem, desestimular de forma clara o discurso que deslegitima Israel e expõe os judeus à violência.
Sem planos, país fica indefeso diante de
desastres climáticos
Por Valor Econômico
Mais de 85% dos municípios brasileiros não
têm planos de adaptação para as mudanças climáticas
A passagem de um ciclone extratropical no
Centro-Sul do país este mês reafirmou tragicamente que eventos extremos agora
são o “novo normal”, em decorrência das mudanças climáticas. São Paulo, a maior
metrópole da América Latina, viveu cenas de caos e paralisia ao ser atingida
pelo quarto apagão da primavera desde 2023, evidenciando o despreparo da
empresa concessionária de energia e da gestão dos governos locais, municipal e
estadual, e federal. Não há progresso na contenção de danos ou na agilidade de
resposta de todos os envolvidos.
Chuvas e ventos de até quase 100 quilômetros
por hora derrubaram árvores e a rede elétrica da região metropolitana de São
Paulo na semana passada. Na quarta-feira (10), mais de 2,2 milhões de clientes
da concessionária de energia Enel estavam sem luz, e a normalização do
fornecimento de energia se deu lentamente, para desespero de cidadãos,
comerciantes e empresas. Até ontem, a região metropolitana ainda tinha quase 56
mil imóveis sem energia. A Fecomércio-SP estima um prejuízo de ao menos R$ 2,1
bilhões com o apagão, sendo R$ 1,4 bilhão em serviços e R$ 696 milhões no
comércio.
Depois dos outros apagões provocados por
fortes temporais nos meses de primavera — os anteriores foram em 3 de novembro
de 2023, 11 de outubro e 21 de dezembro de 2024 —, o Ministério de Minas e Energia
afirmou, no domingo, que a Enel poderá perder a concessão para operar se não
cumprir integralmente os índices de qualidade e as obrigações contratuais
previstas. A Enel tem o pior desempenho entre as concessionárias de energia,
segundo levantamento das agências Aneel e Arsesp. Vale ressaltar que qualquer
concessionária teria dificuldade em apresentar uma resposta dentro do padrão na
capital paulista após um evento climático extremo, considerando sua elevada
densidade demográfica e uma rede elétrica quase toda aérea, totalmente
vulnerável a queda de árvores e ventos fortes, mas a empresa tem falhado
sistematicamente. E, às vésperas de mais um ano eleitoral, a catástrofe não
deixou de ser explorada politicamente pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que abriu
uma queixa junto à Aneel, e pelo governador do Estado, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), que pede a intervenção na Enel e rejeita uma possível renovação
da concessão.
Só que o enfrentamento do novo normal exige
uma mudança estrutural de todas as esferas do setor público — federal, estadual
e municipal — e do setor privado, no caso a concessionária de energia. A
chegada da primavera no Sul e no Sudeste sempre trouxe consigo riscos de
temporais e vendavais, que nos últimos anos se tornaram cada vez mais destrutivos.
Falta investir em ações de adaptação climática.
Estudo na revista científica Sustainable
Cities and Society de julho aponta que mais de 85% dos municípios brasileiros
não têm planos de adaptação para as mudanças climáticas, segundo o índice geral
de adaptação urbana (UAI, sigla em inglês). Dos 5.569 municípios brasileiros em
2021, 40% tiveram nota baixa (0,21-0,40) e 33%, nota média (0,41-0,60),
enquanto só 1,4% teve uma nota alta, com destaque para Curitiba (0,98),
Brasília (0,95) e São Paulo (0,89). O valor do UAI varia de 0, a nota mais
baixa, a 1, a mais elevada. Porém, ter uma nota alta no índice não significa
que um município está bem adaptado para enfrentar as mudanças climáticas,
apenas que dispõe de dados e mecanismos, como leis de uso e de ocupação do solo
e planos para gestão de riscos ambientais e climáticos, que podem ser
empregados no processo de adaptação. Em outras palavras, o município teve um
potencial de adaptação, mas não necessariamente o utiliza.
No caso de São Paulo, a rede de energia aérea
é uma vulnerabilidade óbvia, mas sucessivos governos municipais se esquivam
desse desafio citando o investimento astronômico para tornar a rede subterrânea
— de cinco a oito vezes mais que a aérea. No entanto, deixam de fazer o cálculo
dos danos evitados, uma contabilidade que poderia ser favorável a fazer os
investimentos necessários, apesar dos custos.
O governo federal aprovou ontem o Plano
Clima, documento que visa a orientar, implementar e monitorar as ações do país,
com diretrizes setoriais e orientações para Estados e municípios, para zerar as
emissões de CO2 até 2050 e promover a adaptação aos efeitos das mudanças
climáticas por meio de estratégias de curto, médio e longo prazos. Estudos
apontam que 1.942 municípios brasileiros são vulneráveis à emergência
climática, que exigem mais do que mitigação e adaptação para enfrentá-la. No
entanto, a aprovação do documento exigiu concessões que ilustram uma
mentalidade mais voltada ao passado do que os desafios à frente, como o veto ao
termo desmatamento, substituído por supressão de vegetação.
Em 2024, as catástrofes naturais — incluindo as enchentes no Rio Grande de Sul, queimadas recordes e seca — causaram prejuízos de pelo menos US$ 6,7 bilhões (cerca de R$ 36,3 bilhões), de janeiro a setembro, segundo relatório da britânica Aon, de gestão de riscos e resseguros. Essa conta tende a se multiplicar à medida que cresce a frequência de eventos climáticos extremos. O custo de enfrentamento das mudanças climáticas é alto, e os esforços para prevenção e adaptação são complexos, mas eles salvam vidas e poupam bilhões de reais em prejuízos evitáveis.
Nova fase no combate à dengue
Por Correio Braziliense
Não se pode mais fechar os olhos para a nova
possibilidade sanitária que se avoluma no país a partir dos avanços da ciência
nacional. É dever coletivo mudar os rumos do enfrentamento à dengue no Brasil
Batendo à porta, a próxima temporada da
dengue vai encontrar nova barreira sanitária: uma vacina 100% nacional,
produzida pelo Instituto Butantan, com características que, na opinião de
especialistas, podem mudar o curso do combate à doença. Mais oportuno
impossível. O ciclo de 2024 foi o pior da história — com 6,4 milhões de casos,
cerca de 6 mil mortes e estruturas de saúde que quase colapsaram diante do
excesso de pacientes —; no seguinte, os números arrefeceram; e o de agora deve
manter o patamar. Fora da excepcionalidade, portanto, o Brasil tem condições
mais propícias para reforçar o arcabouço protetivo contra a traiçoeira
infecção.
No momento, estão prontas para a distribuição
1 milhão de unidades da Butantan-DV e trabalha-se com a projeção de 1,8 milhão
de infectados entre outubro de 2025 e outubro de 2026, sendo de 65% a 70%
moradores da Região Sudeste. Ao Correio, o presidente da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), Leandro Safatle, afirmou que profissionais de
saúde devem ser os primeiros imunizados, em razão da limitação de imunizantes,
e que a ampliação de protegidos se dará à medida que a produção deslanchar —
estima-se a oferta de mais de 30 milhões de doses em meados de 2026.
Seguido o roteiro, quando o novo ciclo
perigoso da dengue começar — tradicionalmente, os surtos são espaçados por períodos
de dois a quatro anos —, o país poderá estar mais preparado para contê-lo. Duas
características da Butantan-DV sustentam tal afirmação: ela protege contra os
quatro sorotipos do vírus da doença e por meio de dose única, diferenciando-se
da tecnologia já disponível. "Há, agora, a possibilidade de resposta
rápida em regiões com surtos. Vacinas que exigem duas aplicações dependem de
intervalo de meses para alcançar efeito pleno. A nova formulação permite ação
imediata e amplia a adesão, especialmente em operações de bloqueio",
resume Leandro Safatle.
Para tanto, será preciso vencer um movimento
de negação à eficácia de vacinas que contamina o país há anos. Em janeiro
último, apenas metade das doses de Qdenga disponíveis desde fevereiro de 2024
havia sido aplicada — isso logo depois da epidemia histórica. Também altamente
infeccioso, o sarampo teve um aumento recente na cobertura da segunda dose — de
57,6% em 2022 para 80,1% em 2024 —, mas está longe da meta de 95% indicada por
especialistas. Ainda que os esforços do governo atual contra o movimento
antivacina tenham ganhado fôlego, os números não deixam dúvidas de que é
preciso investir em novas estratégias de imunização.
Também são incabidos questionamentos à
robustez da Butantan-DV. Resultados publicados em revistas científicas
renomadas, como a britânica The Lancet, indicam eficácia geral de 74,7% e
proteção de 91,6% contra formas graves de dengue. Não à toa, agências de outros
países têm demonstrado à Anvisa interesse em integrar a fórmula a seu repertório
de tecnologias em saúde coletiva, reafirmando a importância do Brasil como um
player estratégico no cenário sanitário internacional.
A recente escolha de Luciano Moreira
entre os 10 nomes que mais influenciaram a ciência em 2025, lista elaborada
pela prestigiada revista Nature, é outra prova da força do país no combate à
doença. O engenheiro agrônomo, pesquisador da Fiocruz, lidera uma iniciativa
que, há uma década, altera o Aedes aegypti para bloquear a transmissão da
dengue, zika e chikungunya. Levantamentos mostram que a soltura do mosquito
modificado reduziu em até 70% o número de pessoas infectadas.
Não se pode mais fechar os olhos para a nova possibilidade sanitária que se avoluma no país a partir dos avanços da ciência nacional. É dever coletivo mudar os rumos do enfrentamento à dengue no Brasil: com adesão à nova vacina e constância na prática das estratégias de contenção consolidadas.
A mudança de postura dos Estados Unidos
Por O Povo (CE)
O governo dos Estados Unidos dá mostras,
finalmente, de que está abandonando a postura de priorizar aspectos ideológicos
nas relações diplomáticas com o Brasil. A última medida importante anunciada,
nesse sentido, foi a suspensão da aplicação da Lei Magnisky contra o ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e sua esposa, Viviane
Barci.
Era meio inexplicável, diga-se, que um
instrumento legal criado para punir autoridades e personagens estrangeiras,
impondo-lhe dificuldades para fazer negócios através da economia dos Estados
Unidos, fosse utilizado contra um juiz de outro país por decisões que tenha
tomado com base naquilo que a legislação local determina. A ideia original da
tal lei era atuar contra criminosos e figuras públicas cujas ações, em última
instância, estivessem em desalinho com regras democráticas universais.
Alexandre de Moraes não é um ser perfeito e,
claro, qualquer decisão sua está sujeita a crítica ou contestação. Aliás,
haverá poucas personagens do Brasil contemporâneo tão atacadas quanto ele pela
maneira como tem dirigido a investigação, no âmbito de sua competência como
ministro do STF, do movimento observado entre os anos de 2022 e 2023 cujo
objetivo evidente era romper o nosso quadro democrático.
O certo é que imputar-lhe viés ditatorial ou
o que valha pelas decisões que tem tomado, ideia que estava no centro da
justificativa do governo de Washington para manter o nome do magistrado na
lista dos puníveis pela Magnisky, parece um erro evidente. Mesmo que precise ficar
claro, reforçando, que isso não o torna imune a contestações, internas ou
externas.
O que chamava atenção no comportamento de
Donald Trump e seu governo era a confusão permanente entre uma coisa e outra.
Para manifestar apoio a aliados de pensamento político no Brasil utilizava-se
do aparato estatal dos Estados Unidos e valia-se até da lei do seu país,
conforme interesses políticos, para criar constrangimentos diplomáticos e
econômicos numa relação que precisa estar acima das ideologias para se fazer saudável.
Um passo no caminho de volta à racionalidade
já havia sido dado um pouco antes com a suspensão de boa parte da aplicação de
tarifas extras aplicadas, em vários setores, para produtos originários do
Brasil. Também inexistindo justificativas lógicas, técnicas ou comerciais, para
essas medidas, parcialmente revistas por Trump recentemente.
É animador que os movimentos recentes indiquem uma tendência de volta à normalidade nas relações, comerciais e diplomáticas, com os Estados Unidos. No entanto, ainda há um caminho longo por percorrer e o quadro desafiador segue a exigir, infelizmente, que enfrentemos a resistência de uma parcela de cidadãos e cidadãs que se recusam a colocar o interesse nacional na linha de frente de suas prioridades.

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