segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Direita pode disputar nas urnas sua vaga no 2º turno

Por Folha de S. Paulo

Datafolha indica que disputa irá à 2ª rodada; oponente de Lula é capaz de atrair votos avessos ao petista

É considerável ainda a probabilidade de que setores moderados do eleitorado venham a decidir a eleição por pequena margem, como em 2022

A principal incógnita da política nacional hoje é quem ocupará o posto de maior líder da direita com a neutralização de Jair Bolsonaro (PL), inelegível e condenado por tentativa de golpe de Estado. O que parece mais provável —e reforçado por mais uma pesquisa do Datafolha— é que a direita terá um lugar no segundo turno da disputa presidencial de 2026.

A outra vaga, salvo reviravolta improvável, será de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o incumbente que preserva um capital eleitoral invejável, mas não suficiente, nas hipóteses mais fortes, para encerrar o pleito na primeira rodada.

Lula não o fez mesmo quando desfrutava de índices de popularidade mais favoráveis que os atuais. Neste dezembro, segundo o Datafolha, 32% dos brasileiros aptos a votar consideram seu governo ótimo ou bom, ante 37% que o julgam péssimo ou ruim. Ao longo de todo este ano, a avaliação negativa superou a positiva.

A esta altura de seu primeiro mandato, o cacique petista, mesmo com a imagem abalada pelo escândalo do mensalão, obtinha equilíbrio entre aprovação (28%) e reprovação (29%) em dezembro de 2005. Em 2009, chegava a acachapantes 72% de ótimo e bom, mas sua candidata, Dilma Rousseff, precisou de dois turnos para vencer no ano seguinte.

Pesa contra Lula, neste momento, a rejeição de uma ampla parcela do eleitorado —44% dizem que não votariam nele em nenhuma hipótese. No campo oposicionista, apenas Jair Bolsonaro, que está fora do páreo, amarga taxa similar (45%).

Pela direita, o mais recente movimento foi o lançamento do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, como pré-candidato ao Planalto. O anúncio é encarado com boa dose de ceticismo porque Flávio se mostra um oponente mais frágil: é rejeitado por já expressivos 38%, cifra que tende a rumar aos patamares atribuídos ao pai.

De todo modo, trata-se de mais um motivo de dúvida quanto aos rumos desse espectro ideológico, sobretudo no diz respeito à candidatura presidencial do governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), o preferido da centro-direita. Além dele, são postulantes os governadores Ratinho Júnior (PSD-PR), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO).

As simulações do Datafolha, com diferentes combinações de nomes, sugerem um segundo turno —no qual o eventual desafiante de Lula, especialmente se não for um filho de Bolsonaro, terá chances de atrair votos avessos ao petista. Tal cenário eleva a possibilidade de a herança bolsonarista ser disputada nas urnas por dois ou mais competidores.

É considerável ainda a probabilidade de que setores moderados do eleitorado, embora numericamente menos expressivos, venham a decidir a disputa por pequena margem, como em 2022. Ao mesmo tempo, esquerda e direita têm dificuldade em abandonar discursos radicalizados que mobilizam suas bases fiéis.

Avanços no combate ao HIV

Por Folha de S. Paulo

Aliando política pública à ciência, Brasil elimina transmissão de mãe para bebê, e número de mortes cai

É preciso expandir testagens para reduzir contaminações; estima-se que cerca de 100 mil pessoas vivam com HIV no no país sem saber

Apesar dos desafios, o Brasil avança no combate ao HIV, comprovando o papel crucial de políticas públicas baseadas em evidências.

Segundo o Ministério da Saúdeo país eliminou a transmissão vertical do vírus, da mãe para o bebê, cuja taxa ficou abaixo de 2% em 2024. Ademais, pela primeira vez em 30 anos, o número de óbitos por Aids foi inferior a 10 mil (9.157 em 2024), com queda de 13% ante 2023.

É possível reduzir ainda mais as mortes, já que a piora da doença é evitável com diagnóstico ágil e continuidade no tratamento.

O Brasil adota a chamada Prevenção Combinada, uma série de estratégias para diminuir os riscos de infecção que inclui a distribuição de preservativos e também ferramentas mais recentes disponíveis no SUS, como Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Profilaxia Pós-Exposição (PEP), com eficácia comprovada antes e depois de contato com ao vírus.

Os casos de Aids (estágio avançado da infecção) caíram 1,5% entre 2023 e 2024, passando de 37,5 mil para 36,9 mil. Já o número de contaminações teve leve alta de 38,2 mil a 39,2 no período, em especial entre homens de 20 a 29 anos, o que pode ser explicado em parte por maior testagem, que precisa ser ampliada.

Estima-se que cerca de 100 mil pessoas vivam com HIV no Brasil sem saber, o que demanda mais ações de conscientização sobre a importância dos testes e do tratamento no estágio inicial, direcionada principalmente aos estratos que têm menos acesso à saúde sexual. Idosos, por exemplo, têm registrado números preocupantes de infecções.

Avanços na medicina e nas políticas públicas mudaram por completo a qualidade de vida dos portadores de HIV nas últimas décadas. A terapia antirretroviral, por meio de medicação diária disponibilizada pelo SUS, faz com que a carga viral chegue ao ponto de se tornar indetectável e, portanto, intransmissível.

E novas formas de combate à doença estão no horizonte. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou na semana passada que o país pretende produzir lenacapavir, um medicamento injetável de prevenção contra o HIV lançado neste ano.

Estudo internacional publicado na revista científica Lancet em julho projeta que o custo do remédio comercializado pela farmacêutica Gilead pode cair de US$ 25,3 mil (R$ 136 mil) por pessoa ao ano para US$ 25 (R$ 135) na sua versão genérica.

As últimas décadas de ações contra a Aids mostram que, quando se aliam à ciência, políticas públicas geram resultados eficazes.

Redução da pobreza não significa vitória

Por O Globo

É preciso celebrar queda da miséria e da desigualdade, mas cuidar para que não seja transitória

Ao redor de 8,6 milhões de brasileiros deixaram de ser classificados como pobres em 2024 — o equivalente à soma das populações de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Belém e Natal. Outro 1,9 milhão — população de uma capital como Curitiba — saiu da miséria. Ao longo dos últimos três anos, o Brasil registrou avanços contra pobreza e desigualdade, alcançando as menores marcas da série histórica iniciada em 2012. Os dados divulgados na quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são sem dúvida motivo de celebração. Mas é preciso entender se as causas dessas conquistas são duradouras ou se o progresso será transitório.

Ainda resta muito por fazer. Há 48,9 milhões de pobres no país, população superior à do Estado de São Paulo. A desigualdade, medida pelo índice de Gini — que vai de zero (sociedade igualitária) a 1 (extremo oposto) —, melhorou, mas ainda está em 0,5. Na América do Sul, apenas a Colômbia se sai pior. No mundo, não são muitos os países mais desiguais que o Brasil.

Para entender o avanço recente, é preciso examinar o que aconteceu nos últimos cinco anos. Criado em 2020, o Auxílio Emergencial conteve o impacto da pandemia na renda dos mais pobres. Países em estágio de desenvolvimento similar ao brasileiro, como o México, não fizeram nada parecido. Aquilo que inicialmente tinha justificativa emergencial logo passou a ser definitivo, usado como alavanca política. O então presidente Jair Bolsonaro rebatizou o Bolsa Família como Auxílio Brasil e multiplicou o valor sem se preocupar em medir a eficácia do gasto. Ao assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou o nome antigo, mas, preocupado com a popularidade, voltou a aumentar o benefício.

Como proporção do PIB, o gasto com o Bolsa Família quadruplicou, de 0,4% em 2018 para 1,6% em 2023. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a deficientes e idosos de baixa renda, alcançou o recorde de 6,5 milhões de pagamentos em setembro (ao custo de quase R$ 10 bilhões), ante 5,1 milhões no primeiro mês do governo (ao custo de R$ 6,7 bilhões). Com tanto dinheiro investido em programas sociais, as taxas de pobreza e extrema pobreza mantiveram queda contínua. Ao mesmo tempo, surgiram mais oportunidades de emprego, aumentando a renda do trabalho entre os pobres. A taxa de desocupação de outubro (5,4%) foi a mais baixa desde 2012, quando o IBGE adotou os critérios atuais.

Não têm faltado denúncias de fraudes ou desvios nos programas sociais. Com a ampliação, o Bolsa Família perdeu o foco nos miseráveis que garantia sua eficácia no passado. Olhando para a frente, é irreal acreditar que será mantido nas condições atuais. É também improvável que o desemprego continue caindo no mesmo ritmo.

Daqui em diante, para progredir no combate à miséria e à pobreza, o governo terá de aperfeiçoar os programas existentes. As políticas sociais estão “desbalanceadas em termos intergeracionais”, diz a economista do Insper Laura Machado. Quatro em dez brasileiros entre zero e 14 anos estão em situação de pobreza. Entre os idosos, 8%. É preciso corrigir essa distorção. No caso do Bolsa Família, há espaço para ajustar o foco nos necessitados, tornar o benefício mais equitativo em termos per capita e melhorar regras de saída. Por fim, a derrota da pobreza só será duradoura quando programas dessa natureza não forem mais necessários.

Gratuidade de bagagens nos aviões tem de ser relegada ao esquecimento

Por O Globo

Senado deveria ouvir o conselho do presidente da Anac: se projeto virar lei, aumentará o preço da passagem

O Senado faria bem em esquecer o Projeto de Lei enviado pela Câmara estabelecendo gratuidade obrigatória para bagagens despachadas de até 23 quilos em voos nacionais e internacionais. Se o Congresso chancelar essa barbaridade, a consequência imediata será o aumento no preço das passagens para todos, como afirmou ao GLOBO o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Tiago Faierstein. Apesar dos discursos inflamados em favor do consumidor, a gratuidade obrigatória não passa de uma falácia.

No ano passado, as companhias em operação no Brasil faturaram R$ 1,1 bilhão com a cobrança de bagagens, segundo demonstrações contábeis divulgadas pela Anac. O valor representa apenas 1,7% das receitas — o grosso (86%) vem da venda de passagens. Mesmo assim, o projeto aprovado na Câmara abriria um rombo bilionário a ser coberto de outra forma. “As companhias oferecem várias classes de tarifas, com direito apenas a bagagem de mão, a bagagem despachada ou a marcação de assentos”, disse Faierstein. “Com a aprovação do projeto, oferecerão apenas uma, a mais cara de todas.”

Em passado remoto, quando voar de avião era serviço acessível apenas a uma elite, o preço do bilhete incluía o transporte, a escolha do assento, refeições, bebidas e o despacho de mala. Com a popularização das empresas de baixo custo nas últimas três décadas, o setor se transformou. A britânica Flybe foi uma das primeiras a cobrar por volume despachado em 2006. Ao estabelecer a cobrança, ela podia reduzir o preço da passagem. Com a crise financeira nos Estados Unidos, o fim da gratuidade se tornou a norma.

No Brasil, as regras atuais foram adotadas em 2016 por uma resolução da Anac. O transporte de bagagem despachada passou a ser considerado um serviço adicional, passível de ser tarifado. Dentro das aeronaves, cada passageiro passou a ter o direito de levar sem custo pelo menos 10 quilos dentro dos limites definidos pelas empresas. Estudos acadêmicos confirmam que o preço das passagens seria hoje bem maior se valessem as regras antigas. É esse o experimento a que os deputados querem submeter os passageiros brasileiros.

É certo que as cobranças por todo tipo de serviço irritam o público. No ano passado, o Senado americano convocou executivos das maiores companhias aéreas do país para uma audiência pública. Na ocasião, o representante da Frontier Airlines disse que mais de 70% dos clientes não despachavam malas. Outros ressaltaram oferecer mais opções de preços aos viajantes. No caso das malas despachadas, a questão é incontestável: com a impossibilidade de um preço capaz de regular a oferta e a demanda, será inevitável o impacto para o consumidor. Em vez de legislar sobre regras do mercado aéreo, os congressistas deveriam deixar a decisão a cargo das autoridades técnicas competentes. Elas estão na Anac, cujo presidente descreveu de forma simples e precisa o significado da mudança.

Projeto de critérios do Orçamento é peça típica de ano eleitoral

Por Valor Econômico

Executivo e Legislativo são sócios na responsabilidade pela deterioração contínua das contas públicas

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026 (PLDO), que define os critérios para a execução do Orçamento da União, é uma peça típica de um ano eleitoral, que contempla demandas do Legislativo e do Executivo, que, em tese, estão em rota de colisão. O projeto, aprovado na quinta-feira pela Comissão Mista de Orçamento (CMO), amplia a possibilidade de gastos fora da meta fiscal, auxiliando o governo a obter um resultado que atinja pelo menos seu piso, de déficit zero. Permite também que o piso seja considerado para efeitos de cumprimento dos objetivos fiscais. Como retribuição a essas concessões, o Legislativo obteve algo que o Executivo relutou em fazer nos últimos três anos, mas agora desistiu diante das eleições: aprovar um cronograma para a liberação das emendas parlamentares.

O toma-lá-dá-cá entre os poderes não é uma barganha em que os consumidores e os eleitores saiam ganhando. A impositividade das emendas parlamentares beneficiou a cúpula das direções partidárias e dos parlamentares com mandato, que ficaram livres para manejar grandes volumes de recursos para reforçar seu prestígio junto a bases eleitorais. Os resultados dos pleitos municipais de 2024, com percentual alto de recondução dos incumbentes, reforçaram a tendência de baixa renovação política, algo que deve se repetir com igual força na representação federal na Câmara e no Senado.

Os parlamentares tentaram e conseguiram resolver a questão de como os R$ 50 bilhões de emendas alocados no PLDO de 2026 serão pagos em ano eleitoral. O governo controla, mal ou bem, sua liberação, e grande parte do azedume das lideranças do Congresso com o Executivo se deve ao atraso na entrega dos recursos -- até junho, só 27% dos R$ 33 bilhões das emendas impositivas foram pagos (O Globo, 5/12). Em primeiro lugar, o governo concordou em aceitar um cronograma prévio de liberação. Depois, cedeu em que esse pagamento abrangesse 65% das emendas individuais e de bancada, ou R$ 26,5 bilhões dos R$ 40,8 bilhões que serão destinados aos currais eleitorais de deputados e senadores.

Os partidos obtiveram outros recursos além desse. Foi aprovada a correção do fundo partidário, de acordo com as regras do regime fiscal, a saber, reajuste pelo teto de 2,5% real, desde 2016, ano considerado base. Pelos cálculos do relator Gervásio Maia (PSB-PB), que foi contrário à mudança, serão R$ 160 milhões a R$ 200 milhões a mais, sem contar o Fundo Eleitoral, que teve nas duas últimas eleições R$ 5 bilhões cada, o que parece ter se tornado o piso desses recursos.

Outra manobra abriu um enorme buraco no "defeso eleitoral", regra que proíbe aos governos doar bens, valores e benefícios nos três meses anteriores às eleições. Isso permite distribuição de cestas básicas, equipamentos etc. feita com recursos do Executivo ou das emendas parlamentares no período eleitoral, que em muito se assemelha à compra de votos, algo que a proibição, que consta da Lei Eleitoral, buscou coibir. A mudança reforça os poderes locais de captação de votos dos candidatos em exercício do mandato e dificulta a renovação das lideranças.

O Planalto, por seu lado, conseguiu em troca mais recursos para gastar sem empecilhos legais. Com o governo às voltas com grandes prejuízos dos Correios, a Comissão Mista de Orçamento autorizou que um gasto de R$ 10 bilhões na empresa seja abatido da meta fiscal e do teto de gastos. Em 2024, o Congresso já havia permitido o abatimento de até R$ 5 bilhões dos gastos das estatais feitos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Além disso, a senadora Dorinha Rezende (União Brasil-TO), relatora da Receita do PLOA 2026, deu parecer incluindo na arrecadação prevista uma alta de R$ 14 bilhões com o Imposto de Importação, o que liberará gastos extras de R$ 13,2 bilhões. Os recursos virão de aumento do imposto para proteção da indústria nacional, tendo como candidatos prováveis aço, produtos químicos e carros elétricos.

O governo obteve também o que já tinha: autorização para perseguir o piso, e não o centro, da meta fiscal. A legislação que instituiu o novo regime deixou isso claro, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu diferente: só com menção explícita no PLDO poderia a União usar esse parâmetro. A Comissão Mista de Orçamento deu seu aval a ele.

Antes das novas exceções de despesas desta semana, o Prisma Fiscal, apanhado de projeções privadas sobre o déficit fiscal, estimou um rombo de R$ 73,1 bilhões em 2026, superior aos R$ 68 bilhões de 2025. A meta fiscal é superávit de R$ 34,3 bilhões. Os acordos orçamentários com o Congresso Nacional não alterarão a posição minoritária da bancada governista, neste ou em um novo governo Lula, e só pioram a situação fiscal.

Apesar das divergências, Executivo e Legislativo são sócios na responsabilidade pela deterioração contínua das contas públicas.

O Supremo está com medo

Por O Estado de S. Paulo

Com a tentativa de limitar a possibilidade de impeachment de ministros, o STF afirma, em essência, que precisa se proteger do resultado da eleição para o Senado, um evidente disparate

A liminar do ministro Gilmar Mendes que reescreveu o rito de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal marca um divisor de águas. Não se trata de interpretação, mas de mutação, ou melhor, de mutilação constitucional por canetada. Um único ministro eliminou o direito do cidadão de apresentar denúncia, entregou ao procurador-geral da República um monopólio acusatório inexistente na Constituição, elevou o quórum do Senado a patamar impraticável e aboliu o afastamento cautelar do acusado. É difícil imaginar gesto mais despudorado de autoblindagem – e mais contrário ao espírito republicano que o constituinte pretendeu instaurar.

O ministro se justificou dizendo que a Lei do Impeachment, de 1950, está “caduca”. Ora, leis não “caducam”, a não ser que o legislador resolva mudá-las. A Lei do Impeachment, aliás, atravessou regimes, resistiu a crises e nunca foi considerada incompatível com o Estado de Direito. Tampouco há histórico de perseguição: nunca houve impeachment de ministro na história republicana moderna. Sugerir “risco sistêmico” ou “ataque ao Estado de Direito” é transformar divergência política em ameaça existencial – expediente típico de quem deseja blindar-se contra toda forma de controle. Alterar a Constituição por decisão monocrática não é defendê-la; é contorná-la segundo conveniências momentâneas ao sabor dos humores de quem ocupa a cadeira.

A motivação real não é o temor de um golpe imaginário. É o calendário eleitoral. Em 2026, dois terços do Senado serão renovados. A liminar nasce desse medo. É a primeira vez que uma Suprema Corte afirma, em essência, que precisa se proteger do resultado de uma eleição. Isso não é proteção institucional; é blindagem contra a democracia que implode os freios e contrapesos que impedem que qualquer poder se torne absoluto.

Ao criar um monopólio acusatório do procurador-geral da República – figura escolhida em processo politicamente condicionado e, hoje, dependente do beneplácito dos próprios ministros –, a decisão retira do Senado sua competência privativa e esvazia o princípio republicano da responsabilidade difusa. A Constituição define quem julga, mas não restringe quem acusa. O silêncio é proposital: o impeachment é instrumento político, cuja porta de entrada não pode ser trancafiada por um único ator estatal. Concentrar esse poder num só agente é transformar o controle externo do Judiciário em ficção e reduzir o Senado a um anexo consultivo.

A manobra integra um padrão: decisões monocráticas convertidas em “miniemendas”, inquéritos sem fim, censuras cautelares sigilosas, permissões éticas autoconcedidas, interferências diretas no Congresso. O abuso deixou de ser exceção e virou método. Nenhuma democracia pode sobreviver quando um dos Poderes assume simultaneamente o papel de juiz, parte e guardião de sua própria responsabilização. O País assiste, estarrecido, à construção de um Poder que opera por fora das regras que exige que todos os demais cumpram. Um movimento que ecoa – se não nos métodos, na lógica – o apetite tutelar das Forças Armadas no século 20: uma corporação não eleita (outrora com farda “positivista”, agora com toga “iluminista”) que se impõe como árbitro supremo da política, altera as regras do jogo e intervém nele à sua conveniência.

A Corte que se comporta descaradamente como corporação política: com narrativa, estratégia e mecanismos de autopreservação. A independência judicial exige garantias; o despotismo judicial exige blindagens. A liminar disfarça o último com a primeira e o apresenta como virtude. Mas não há democracia possível se um Poder se declara imune a toda forma de escrutínio. A mensagem é clara: ninguém nos controla, e qualquer tentativa de fazê-lo será punida como “ataque às instituições”.

O Brasil precisa de um Supremo forte, não de um Supremo absoluto. Sem autocontenção, sem limites externos e agora sem canais de responsabilização, a Corte se coloca acima da República. O que está em jogo não é o destino de um ou outro ministro, mas o princípio que sustenta governos livres: o poder que não pode ser controlado não é poder independente, é poder arbitrário.

A liminar não protege o Estado de Direito. Protege o Estado contra o Direito. Não salva a democracia. Desfere-lhe um golpe letal.

A fábula de Lula

Por O Estado de S. Paulo

Presidente diz que não houve corrupção na Petrobras e teima em fazer a estatal investir em projetos que já deram muito prejuízo. Assim, o petista quer reescrever a História na marra

Luiz Inácio Lula da Silva tem 80 anos e está em seu terceiro mandato presidencial. Logo, ninguém pode se dizer surpreso. Nunca houve razão para crer que Lula, mesmo com a idade avançada e a experiência, tivesse aprendido com seus inúmeros erros e pudesse ser um presidente melhor. Pelo contrário: como bom petista, Lula nunca erra. Por isso, insiste em projetos que já resultaram em imensos prejuízos para o País, na expectativa de que o resultado desta vez seja diferente. Diz a sabedoria popular que isso é sinônimo de insanidade, mas Lula de louco não tem nada. Sua missão, desde que saiu da cadeia por uma canetada do Supremo Tribunal Federal, é reescrever a História, para que toda a saga de corrupção, desmandos e incompetência do PT no poder se transforme numa fábula de superação, prosperidade e justiça contra todos os que, na visão de Lula, sabotaram o Brasil ao se opor aos petistas.

Tome-se o exemplo da Petrobras. Há poucos dias, em cerimônia para o anúncio de obras de ampliação da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, Lula declarou que, durante muitos anos, dizia-se que aquele projeto era desnecessário. Segundo sua versão, seus adversários afirmavam que “a Petrobras não precisava de uma nova refinaria” e que “isso aqui era um processo de corrupção que envolvia a Petrobras, governo e empreiteiros”. E completou: “E muitos de vocês acreditaram, porque a imprensa falava disso de manhã, de tarde e de noite”.

Ou seja, Lula quer fazer o País acreditar que a Petrobras não foi tomada de assalto por uma quadrilha de corruptos ao longo dos governos petistas. Foi explícito: “Eles conseguiram criar como se fosse uma peste nas pessoas da Petrobras dizendo que havia corrupção. E a História vai provar que quem queria fazer a corrupção eram aqueles que diziam que tinha corrupção na Petrobras”.

O problema da versão de Lula é que ela não corresponde aos fatos, amplamente documentados. Do extenso cardápio de exemplos, tomemos o caso da própria Refinaria Abreu e Lima. Há exatos 20 anos, no lançamento da pedra fundamental da refinaria, Lula estava eufórico: a obra seria o símbolo da sociedade entre o Brasil petista e a Venezuela chavista, no escopo do “socialismo do século 21” então em voga na América Latina. O caudilho Hugo Chávez prometeu colocar o dinheiro da PDVSA, a estatal de petróleo venezuelana, no negócio, mas não pôs um único bolívar na refinaria, deixando todo o custo galopante para a Petrobras.

Não foi por falta de aviso. Na “sociedade” para a construção da refinaria, como alertou na ocasião o Tribunal de Contas da União, as responsabilidades da PDVSA nunca ficaram estabelecidas, ainda que o objetivo fosse refinar também o petróleo venezuelano – que, por ser de baixa qualidade, encareceu ainda mais o empreendimento. A escalada do custo foi brutal: orçada inicialmente entre US$ 2,3 bilhões e US$ 2,5 bilhões (ao câmbio atual, entre R$ 12,2 bilhões e R$ 13,3 bilhões), a obra consumiu cerca de US$ 18,5 bilhões (que hoje correspondem a mais de R$ 98 bilhões) e chegou a ser citada como a refinaria mais cara do mundo. Agora, para duplicar a capacidade, sugará mais R$ 12 bilhões, conforme a estimativa original.

São gastos que não se justificavam na época, a não ser como parte do projeto político de Lula e Chávez de usar as estatais de petróleo como poderosas alavancas populistas. Na Venezuela, como se sabe, o chavismo exauriu a PDVSA. No Brasil, felizmente, o governo petista caiu antes de destruir completamente a Petrobras, que se tornara então a empresa de petróleo mais endividada do mundo. Sob direção mais racional, a estatal reviu investimentos absurdos e saneou seu balanço.

Mas, para azar do Brasil, Lula voltou ao poder e está mais determinado do que nunca em converter a Petrobras em financiadora de sua megalomania demagógica. Já sabemos como isso acaba. A corrupção na Petrobras na época do petrolão não foi a causa da derrocada da empresa, mas a consequência lógica do gigantismo de projetos sem sentido, que criaram um oceano de oportunidades para a rapinagem. Preferir a versão de Lula aos fatos não é muito inteligente.

Alerta na CVM e no BC

Por O Estado de S. Paulo

Rinha política desfalca ainda mais a CVM e trava indicações para diretorias do BC

A beligerância entre o Congresso e o Executivo causa ao País prejuízos que vão muito além da lamentável aprovação de pautas-bomba ou da derrubada de vetos presidenciais por revanchismo puro e simples.

Exemplo disso é que a indicação dos substitutos de dois diretores do Banco Central (BC), cujos mandatos se encerram no final deste ano, deve ficar apenas para 2026, uma vez que no clima atual, ventila-se, não há condições para um acordo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Estão em jogo duas das principais diretorias do BC. Uma delas é a de Política Econômica, atualmente comandada por Diogo Guillen. A área desempenha papel fundamental na formulação da política monetária e na comunicação com agentes do mercado.

Além de Guillen, Renato Gomes, atual responsável pela Diretoria de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução, também tem mandato prestes a se encerrar. Apesar de ter sofrido enorme pressão, a diretoria de Gomes não se dobrou e foi fundamental para que a compra do encalacrado Banco Master pelo BRB, um banco público, não fosse adiante.

Técnica, a decisão de barrar a compra prova-se mais acertada a cada dia que passa, já que informações estarrecedoras envolvendo o Master não param de surgir.

Embora os dois diretores possam seguir nos cargos até que a posse de seus substitutos venha a ocorrer, era de se esperar que, justamente em momento em que os desdobramentos do caso Master continuam vindo a público, dois nomes técnicos já tivessem sido anunciados pelo presidente da República, e que o processo de aprovação pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pelo plenário do Senado estivesse em andamento.

Infelizmente, porém, as nomeações estão travadas por conta da velha politicagem rasteira que em nada interessa ao País.

Sem ter conseguido avançar com um estapafúrdio projeto que daria ao Congresso o poder de destituir o presidente e diretores do BC, uma prerrogativa exclusiva da Presidência, partidos do Centrão agora tratam os cargos de diretores do Banco Central como moeda de troca para uma eventual aprovação do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

Além das diretorias do BC, a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também é cobiçada pelo Centrão. O caso da CVM, responsável pela fiscalização e desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, é ainda mais insólito.

Desde julho, quando o então presidente João Pedro Nascimento renunciou ao cargo, o órgão, cuja diretoria já estava desfalcada, é comandado pelo interino Otto Lobo. Mas o mandato de Lobo, assim como os dos diretores do BC, também se encerra em 31 de dezembro. Sem qualquer sinal de que uma indicação será formalizada e aprovada em tempo hábil, a CVM deve entrar em 2026 com apenas dois de um total de cinco diretores, ou seja, praticamente inoperante.

É urgente a indicação de quadros técnicos, e uma sabatina republicana, tanto para o BC quanto para a CVM. Os riscos de perturbação no mercado, graças ao esvaziamento ou à tutela indevida dessas autarquias, são consideráveis.

Os números melhoram, a realidade insiste

Por Correio Braziliense

A pobreza no Brasil caiu para 23,1% da população, o menor patamar desde 2012. É impossível negar o significado desse avanço, mas as estatísticas expõem a fragilidade socioeconômica do país. A situação é tão ruim que um patamar de pobreza de 23% pode ser celebrado como progresso

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trouxeram uma informação para lá de comemorada: a pobreza no Brasil caiu para 23,1% da população, o menor patamar desde 2012 — em 2023, esse índice era de 27,3%. A extrema pobreza também recuou, de 4,4% para 3,5%. Em números absolutos, mais de 8,6 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza entre 2023 e 2024.

É impossível negar o significado desse avanço: a combinação de recuperação do mercado de trabalho, geração de empregos e a atuação de programas sociais — como os benefícios de transferência de renda — têm papel claro na reversão dessa trajetória. Mas as estatísticas expõem a fragilidade socioeconômica do país. A situação é tão ruim que um patamar de pobreza de 23% pode ser celebrado como progresso.

Quando falamos em milhões de brasileiros na pobreza, estamos nos referindo a pessoas que vivem com cerca de US$ 6,85 por dia, o equivalente a aproximadamente R$ 694 por mês (teto definido por critério internacional estabelecido pelo Banco Mundial). Fazer de R$ 694 um referencial "aceitável" revela o quão modestas são as condições que consideramos mínimas. Essa era a realidade de 48,9 milhões de pessoas no ano passado.

Em 2023, o contingente na pobreza era de 57,6 milhões. Em situação ainda pior, o número de brasileiros na extrema pobreza, que viviam com renda de até US$ 2,15 por dia, cerca de R$ 218 mensais em valores corrigidos, passou de 9,3 milhões para 7,4 milhões. Ou seja, 1,9 milhão deixaram a condição de um ano para o outro. Melhorou, mas ainda é gente demais em situação muito carente.

O avanço recente não elimina desequilíbrios históricos entre regiões, gêneros, raças e classes sociais. A redução dos extremos de pobreza não garante acesso digno a educação, saúde, saneamento, transporte nem redução de desigualdades de oportunidades e renda. Quem sai da linha da pobreza continua, muitas vezes, em vulnerabilidade — com informalidade no mercado de trabalho, insegurança econômica e poucas possibilidades reais de ascensão.

Os números mostram que os ganhos recentes foram fortemente impulsionados por programas de transferência de renda. Segundo o estudo, sem eles, a extrema pobreza seria quase três vezes maior no país, subindo de 3,5% para 10% da população, enquanto a proporção da pobreza aumentaria de 23,1% para 28,7% em 2024. É uma dependência perigosa. Se a economia vacilar, se o emprego formal não se estabilizar ou se os benefícios forem ajustados para menos, a fragilidade da conquista será exposta — e milhões poderão voltar à condição anterior. Ao se contentar com a "menor pobreza desde 2012", corre-se o risco de institucionalizar o que é aceitável: não a riqueza nem a dignidade, mas a mera subsistência.

Sim — os dados do IBGE merecem ser reconhecidos. É um recuo real e uma conquista coletiva, que mostra que políticas públicas combinadas com recuperação econômica podem produzir resultados. Mas isso não deve ser lido como fim da pobreza, e muito menos como solução estrutural. Mais do que comemorar percentuais, é urgente converter esse alívio em ambição: não apenas reduzir a pobreza, mas elevar a dignidade. Trabalho decente, salários reais, educação de qualidade, saúde, habitação, mobilidade e cidadania plena. Até que isso aconteça, será sempre legítimo exigir mais — não apenas para reduzir números, mas para reconstruir vidas.

Futebol cearense tem grandeza para se reerguer

Por O Povo (CE)

O sucesso recente dos clubes os alçou a símbolos de pujança econômica de todo o Estado. Afinal, no país do futebol, 10% dos clubes de elite eram locais. O esporte, entretanto, vive de ciclos de vitória e de derrota e, neste domingo, 7, quem se impôs foi a queda

Ceará e Fortaleza viveram a disputa da Série A do Campeonato Brasileiro de formas quase sempre opostas. Mas terminaram o torneio da mesma forma melancólica, com rebaixamento à segunda divisão do futebol nacional.

O sucesso recente dos clubes os alçou a símbolos de pujança econômica de todo o Estado. Afinal, no país do futebol, 10% dos clubes de elite eram locais. O esporte, entretanto, vive de ciclos de vitória e de derrota e, neste domingo, 7, quem se impôs foi a queda.

Bicampeão cearense, o Ceará parecia viver um ano tranquilo. Recém-promovido à Série A, o time flertou com voos mais ousados, em competições internacionais. Era uma possibilidade real, que ampliava a marca da agremiação para além das fronteiras nacionais e gerava até possibilidades de novos negócios. Quis o destino que a boa fase se esvaísse no fim, com o time ocupando a zona de rebaixamento justamente na única rodada que define a próxima temporada. A derrota no Castelão lotado para o Palmeiras foi o capítulo final.

Já o Fortaleza, detentor de campanhas memoráveis nos últimos anos, ostentava o feito de ser o clube nordestino com mais anos consecutivos na elite nacional. Galgou novos públicos, foi finalista de torneio continental, investiu milhões de reais em reforços e, apesar de tanto, viu o risco de rebaixamento se desenhar desde o início do Brasileirão. Ao contrário do maior rival, mostrou melhora na reta final da temporada. Mas a evolução não chegou a tempo, e as derrotas anteriores pesaram ainda mais que o revés ante o Botafogo, no Engenhão.

Assim, os dois maiores clubes do Estado jogarão a Série B ao mesmo tempo, algo que não ocorre desde 2009, quando o futebol cearense era figurante no cenário nacional e completamente ausente internacionalmente. As vitórias elevaram o patamar competitivo, aqueceram os mercados turístico e imobiliário e fomentaram o consumo. O bolo cresceu e não ficou restrito às quatro linhas.

Mesmo dentro de uma das rivalidades mais acirradas do Brasil, a do Clássico-Rei, Ceará e Fortaleza ajudaram um ao outro a atingir um patamar mais alto. Por vezes, compartilharam patrocinadores, negociando de forma conjunta por uma receita maior para ambos. Os modelos de gestão, quando bem-sucedidos, foram absorvidos e adaptados pelo rival. O alto nível de competitividade inspirou soluções criativas.

O momento dos torcedores é de dor. Dos gestores, é de reciclagem. Se 2025 acabou com lamentos, que 2026 seja de alegrias.

A grandeza no esporte não se resume a vitórias, taças, festas. Ela se mostra, de verdade, na capacidade de se reerguer. A queda não é um fim nem em Porangabuçu nem no Pici. O desafio está posto. Os clubes cearenses, representantes de milhões de torcedores, têm agora a oportunidade de, na próxima temporada, mostrar ser equipes da elite nacional. 

 

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