O Globo
Teremos números de saúde pública: saúde
mental, autoestima, suicídios. Teremos dados escolares. Haverá estudos de
sociólogos e antropólogos
Faz uma semana que as redes sociais australianas estão com 1 milhão de usuários a menos. É o resultado do início da proibição de acesso por menores de 16 anos. No país, a medida é popular: dois terços da população aprovam. Mas nada está de todo sedimentado. Existem alguns processos pedindo à Justiça que considere a medida inconstitucional, assim como existem algumas empresas do Vale do Silício, como Reddit, tentando definir de forma mais estrita o que é uma rede social. Ela jura não ser. Tem cara de que a lei ficará de pé, ao menos por alguns anos. É o que pensam os analistas locais. Pois o mundo, a partir de agora, prestará muita atenção.
Adolescência é um período difícil. Ganhamos
tamanho, mas não maturidade. Os níveis de hormônio no corpo, necessários para
transformar crianças em adultas, fazem exalar todo tipo de odor e mexem com a
cabeça. As emoções, na adolescência, são todas muito intensas. Da alegria à
tristeza. Os corpos são desconjuntados. Todo mundo é profundamente inseguro, e
todos querem parecer invencíveis. Às vezes já têm jeito de adulto, e o cérebro
ainda não completou todas as sinapses necessárias para a tomada de decisões com
um mínimo de sabedoria. É na adolescência que aprendemos a viver em comunidade,
que refinamos as habilidades para colaborar, nos relacionar, ouvir e saber
falar. Sem contar a sexualização, do amor ao prazer, que começamos a descobrir.
Redes sociais têm editor. São os algoritmos
de recomendação. O algoritmo quer descobrir o que mexe com todos nós a ponto de
nos mobilizar emocionalmente. Quando descobre, sabe que aquilo capturará nossa
atenção. Daremos ao tema todo o foco possível. E retornaremos, retornaremos
sempre, por mais uma pequena dose de dopamina. Funciona com todos os adultos
que se permitem usar as redes. Com adolescentes, funciona em dobro. Todos os
modismos a que já tendem a ser mais inclinados estão nas redes. Turbinados. A
tribalização da sociedade incentivada pelas redes, em que cada vez nos
identificamos mais como integrantes de grupos que odeiam outros grupos — isso é
também mais agudo entre adolescentes. E tem a questão da autoimagem. Do corpo
perfeito. A rede é o território das mulheres perfeitas de biquínis num verão
eterno, dos homens nunca flácidos.
É boa a ideia de estar numa rede social
justamente quando aprendemos a conviver em grupo? Quando estamos ainda
dominando a noção de status? Queremos profundamente ser queridos e desejados,
mas nunca achamos que conseguimos? Adolescentes são cruéis uns com os outros. É
da crueldade que nasce o medo de que sejam cruéis antes consigo próprios. O
pior da adolescência, nas redes, é ampliado. A humilhação, os cancelamentos, o
sentimento de inadequação. Que, de novo, todos nós sentimos. (Até aqueles que
eram os mais populares da escola.)
Um dos argumentos contra a proibição é que
deveria ser uma decisão dos pais. Não deveria. Adolescentes precisam ser
gregários. Adolescentes devem ter experiências compartilhadas. Se um jovem não
tem acesso à rede que todos os colegas têm, está excluído da experiência
coletiva. A experiência coletiva está no centro da vida de qualquer
adolescente. É o tipo da coisa que só funciona como proibição geral. No
particular, não vai.
Já consideramos haver experiências que não são
para adolescentes. Beber, fumar, dirigir. Mesmo no Código Penal, os mais
conservadores de nós concordam que os critérios para decisão sobre culpa não
são equivalentes para alguém de 14 anos e de 18. Porque entendemos que a
capacidade de julgamento muda nesse período. E muda mesmo. Não é só percepção,
é ciência.
Ainda assim, a proibição não deveria ser a
melhor opção. Idealmente, compreenderíamos todos como algoritmos de
recomendação manipulam emocionalmente. Ou, então, as empresas seriam mais
responsáveis na maneira como tratam, ao menos, os mais jovens. Mas não são.
Sabemos, porque já vimos os documentos, que a Meta sabia como seus algoritmos
levavam à automutilação de meninas adolescentes. E nada fez.
A Austrália está iniciando uma experiência.
Teremos um país relativamente rico em que será possível chegar aos 16 sem ter
vivido nas redes. Teremos números de saúde pública: saúde mental, autoestima,
suicídios. Teremos dados escolares. Haverá estudos de sociólogos e
antropólogos. Em dois, três anos, poderemos comparar e entender concretamente o
que acontece quando adolescentes vivem com e sem redes sociais. Aprenderemos
muito.

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