Folha de S. Paulo
Supremo acirra disputa política e
institucional em provocação monocrática de Gilmar Mendes sobre impeachment de
seus ministros
Congresso, empoderado em novo contexto
político e institucional, pode reforçar atitudes legislativas delinquenciais em
defesa própria
Assistimos a um perigoso aprofundamento das disputas entre Poderes. De um lado, um Legislativo empoderado que, à diferença das regras de regimes parlamentaristas, não se submete a dissoluções e formações de novos gabinetes —tampouco à convocação de eleições pelo chefe de Estado. É um parlamentarismo sem ônus, que ameaça, chantageia e tumultua, como fez Davi Alcolumbre no episódio da indicação de Jorge Messias ao Supremo.
De outro, um STF disposto a
acirrar a disputa política e institucional de maneira explosiva, como atesta a
decisão monocrática de Gilmar Mendes, em alegada defesa do tribunal contra
ofensivas oportunistas do Legislativo relativas ao impeachment de magistrados.
Já sabemos da decadência do presidencialismo
de coalizão e que o Congresso subiu de prateleira graças a fatores
como fundos eleitorais e partidários, o advento de emendas impositivas e a
deplorável terceirização do poder levada adiante pelo governo de Jair
Bolsonaro, hoje, felizmente, encarcerado por conspiração golpista.
Já o Supremo, num contexto de inoperância da
PGR sob Bolsonaro, com a cumplicidade parlamentar da direita fisiológica e
radical, foi crucial na defesa da população na pandemia e do Estado de Direito
ameaçado pelo golpismo no poder. Sob fogo cerrado, assumiu riscos de decisões
questionáveis.
O fato de o Parlamento ter sido a instituição
histórica que contrastou com o absolutismo monárquico na revolução
inglesa do século 17 tende a favorecê-lo nas avaliações correntes
sobre riscos de tiranias. O pensamento político contempla, porém, a ideia da
tirania parlamentar, quando partidos e grupos se apoderam da instituição para
impor leis de seu interesse e erguer o que se apresentaria como uma ditadura da
maioria.
No Brasil, sob a hegemonia de um núcleo de
congressistas que faz da carreira política uma plataforma para o
patrimonialismo, a ocupação de cargos, o aparelhamento de órgãos públicos, o
atendimento a lobbies espúrios e o enriquecimento pessoal, Senado e
Câmara sentem-se à vontade para legislar em defesa própria e desafiar e lançar
ameaças aos demais Poderes.
Esse agrupamento parlamentar une-se hoje em
torno de uma agenda reacionária delinquencial em reação a Lula, que comanda a
Polícia Federal e demonstra renovadas chances de êxito eleitoral. Mas é
sobretudo contra o alcance de decisões do STF baseadas em investigações da PF
que a maioria parlamentar se defende. Setores expressivos do Congresso,
diga-se, passam a impressão de que não são apenas influenciados pelo crime
organizado, mas de que são, eles próprios, o crime organizado.
São conhecidas as tentativas de cercear a
atuação da PF e blindar
parlamentares da Justiça. Hugo Motta, presidente da Câmara, protege
deputados condenados em flagrante desafio ao Supremo. Analistas consideram a
reação espalhafatosa de Alcolumbre à indicação de Messias como pressão em
defesa de aliados expostos pelo caso do banco
Master.
Gilmar Mendes tem motivos para temer medidas
do Congresso e até argumentos para sua decisão, mas a medida monocrática não
poderia ser mais infeliz.
À véspera de período eleitoral, apelos à
contenção não encontram eco. Resta esperar que as festas de fim de ano
propiciem tempo para alguma reflexão. Será?

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