quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

País vive conflito entre abusos do STF e tirania parlamentar, por Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Supremo acirra disputa política e institucional em provocação monocrática de Gilmar Mendes sobre impeachment de seus ministros

Congresso, empoderado em novo contexto político e institucional, pode reforçar atitudes legislativas delinquenciais em defesa própria

Assistimos a um perigoso aprofundamento das disputas entre Poderes. De um lado, um Legislativo empoderado que, à diferença das regras de regimes parlamentaristas, não se submete a dissoluções e formações de novos gabinetes —tampouco à convocação de eleições pelo chefe de Estado. É um parlamentarismo sem ônus, que ameaça, chantageia e tumultua, como fez Davi Alcolumbre no episódio da indicação de Jorge Messias ao Supremo.

De outro, um STF disposto a acirrar a disputa política e institucional de maneira explosiva, como atesta a decisão monocrática de Gilmar Mendes, em alegada defesa do tribunal contra ofensivas oportunistas do Legislativo relativas ao impeachment de magistrados.

Já sabemos da decadência do presidencialismo de coalizão e que o Congresso subiu de prateleira graças a fatores como fundos eleitorais e partidários, o advento de emendas impositivas e a deplorável terceirização do poder levada adiante pelo governo de Jair Bolsonaro, hoje, felizmente, encarcerado por conspiração golpista.

Já o Supremo, num contexto de inoperância da PGR sob Bolsonaro, com a cumplicidade parlamentar da direita fisiológica e radical, foi crucial na defesa da população na pandemia e do Estado de Direito ameaçado pelo golpismo no poder. Sob fogo cerrado, assumiu riscos de decisões questionáveis.

O fato de o Parlamento ter sido a instituição histórica que contrastou com o absolutismo monárquico na revolução inglesa do século 17 tende a favorecê-lo nas avaliações correntes sobre riscos de tiranias. O pensamento político contempla, porém, a ideia da tirania parlamentar, quando partidos e grupos se apoderam da instituição para impor leis de seu interesse e erguer o que se apresentaria como uma ditadura da maioria.

No Brasil, sob a hegemonia de um núcleo de congressistas que faz da carreira política uma plataforma para o patrimonialismo, a ocupação de cargos, o aparelhamento de órgãos públicos, o atendimento a lobbies espúrios e o enriquecimento pessoal, Senado e Câmara sentem-se à vontade para legislar em defesa própria e desafiar e lançar ameaças aos demais Poderes.

Esse agrupamento parlamentar une-se hoje em torno de uma agenda reacionária delinquencial em reação a Lula, que comanda a Polícia Federal e demonstra renovadas chances de êxito eleitoral. Mas é sobretudo contra o alcance de decisões do STF baseadas em investigações da PF que a maioria parlamentar se defende. Setores expressivos do Congresso, diga-se, passam a impressão de que não são apenas influenciados pelo crime organizado, mas de que são, eles próprios, o crime organizado.

São conhecidas as tentativas de cercear a atuação da PF e blindar parlamentares da Justiça. Hugo Motta, presidente da Câmara, protege deputados condenados em flagrante desafio ao Supremo. Analistas consideram a reação espalhafatosa de Alcolumbre à indicação de Messias como pressão em defesa de aliados expostos pelo caso do banco Master.

Gilmar Mendes tem motivos para temer medidas do Congresso e até argumentos para sua decisão, mas a medida monocrática não poderia ser mais infeliz.

À véspera de período eleitoral, apelos à contenção não encontram eco. Resta esperar que as festas de fim de ano propiciem tempo para alguma reflexão. Será?

 

 

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