segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Silêncios que gritam no caso do contrato milionário. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Código de ética no Judiciário é necessário, mas não devemos nos esquecer de quem está do outro lado do balcão

Corre pela internet um meme sobre o prêmio da Mega da Virada, que neste ano pode chegar à estratosférica cifra de R$ 1 bilhão. Segundo a piada, com esse dinheiro o ganhador teria condições de comprar 12.500 carros populares, 1.666 casas de ótimo padrão, 142 Lamborghinis, dar 20 mil voltas ao mundo ou... pagar 8 consultorias como a que a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, prestou ao banco Master.

A divulgação das cifras do contrato assinado entre a instituição liquidada por evidências de fraude contra o sistema financeiro e o escritório de advocacia da esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 3,6 milhões mensais, entre 2024 e 2027, perfazendo um total de R$ 129 milhões) é mais um episódio sobre conflitos de interesses envolvendo a cúpula do Poder Judiciário.

No mesmo caso Master, temos o inconcebível caso do ministro Dias Toffoli, relator da ação, que viajou num jatinho de um empresário acompanhado de Augusto de Arruda Botelho, advogado de Luiz Antonio Bull, um dos diretores do banco, para assistir à final da Copa Libertadores da América em Lima.

Fora isso, temos a presença de integrantes do STF em eventos privados, geralmente no exterior, que promovem contatos entre empresários e autoridades públicas (quando não o promovem diretamente), o recebimento de valores desconhecidos da população por palestras e a não publicação das agendas desses magistrados.

A recorrência de episódios de conflitos de interesses no topo do Judiciário brasileiro vem sendo exaustivamente denunciada pelo professor Conrado Hübner, da Faculdade de Direito da USP. Como ele destaca no livro O Discreto Charme da Magistocracia: vícios e disfarces do Judiciário brasileiro, “uma corte que deixa corroer a própria reputação gradualmente perde força e se marginaliza no sistema político”. E alerta: “Um STF sem capital político pode ser desobedecido sem custos”.

Há anos o STF, sob sucessivas presidências, tem silenciado a respeito desses desvios éticos de seus integrantes. Desta vez, sentindo que o STF vem perdendo o respeito de boa parte da população brasileira, o ministro Edson Fachin propõe a elaboração de um código de conduta para os membros da instituição.

Inspirado no modelo do Tribunal Constitucional alemão, a ideia é reforçar recomendações a respeito de imparcialidade em julgamentos, restrições à participação em atividades externas (sobretudo remuneradas), vedação ao recebimento de presentes e favores e autocontenção em pronunciamentos públicos.

A rigor, um código de ética não seria necessário se os magistrados simplesmente cumprissem a legislação brasileira, que já estabelece que juízes devem se considerar suspeitos ou impedidos quando tiverem relações com alguma das partes dos processos que julgam. Como lembra o professor Hübner, “juízes não estão proibidos de ter amigos, de ter vida social intensa, de viverem uma vida normal. No entanto, a ética da atividade judicial pede vigilância a certos comportamentos, um senso de responsabilidade pelo éthos da sua instituição”.

Enquanto o exemplo não vem de cima, a sociedade brasileira tem se movimentado para exigir mudanças. Em outubro passado, um trabalho publicado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, com a participação de juristas e cientistas políticos de diversos matizes e instituições, publicou uma “Contribuição para o Aperfeiçoamento Institucional da Jurisdição Constitucional Brasileira”. Nele há uma lista de tópicos para o fortalecimento da reputação pública do STF.

Todas essas iniciativas para o resgate da ética no Judiciário brasileiro são necessárias e urgentes, no entanto pouco tem se debatido sobre a responsabilidade de quem está no outro lado. Afinal, se o Banco Master pagou uma mesada de R$ 3,6 milhões por serviços nebulosos prestados pelo escritório da esposa de um ministro do STF, quanto não devem pagar outros tubarões do empresariado brasileiro para escritórios de parentes de outros integrantes da cúpula do STF e dos demais Tribunais Superiores?

Em todos esses casos de conflitos de interesses envolvendo a cúpula do Judiciário é gritante o silêncio de instituições que também deveriam combater essas práticas por parte dos seus associados.

É comentário corrente nas altas rodas do PIB brasileiro como grandes escritórios de advocacia realizam tráfico de influência para empresas junto a órgãos dos três Poderes e honorários milionários acabam sendo utilizados para corromper autoridades - sob a total complacência da Ordem dos Advogados do Brasil, que resiste a qualquer proposta para elevar a responsabilização de seus integrantes em casos de corrupção.

Da mesma forma, grandes bancos e gigantes da indústria, do agro e do varejo investem milhões em atividades de lobby para fortalecer suas conexões com autoridades e assim extrair vantagens. Enquanto isso, Febraban, CNI, CNA, CNC tratam compliance como uma mera exigência burocrática e discurso de marketing.

Como num mercado, desvios éticos ocorrem quando oferta e demanda interagem. É preciso um código de conduta para quem está em cada lado do balcão.

 

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