Valor Econômico
Código de ética no Judiciário é necessário, mas não devemos nos esquecer de quem está do outro lado do balcão
Corre pela internet um meme sobre o prêmio da
Mega da Virada, que neste ano pode chegar à estratosférica cifra de R$ 1
bilhão. Segundo a piada, com esse dinheiro o ganhador teria condições de
comprar 12.500 carros populares, 1.666 casas de ótimo padrão, 142 Lamborghinis,
dar 20 mil voltas ao mundo ou... pagar 8 consultorias como a que a advogada
Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, prestou ao
banco Master.
A divulgação das cifras do contrato assinado entre a instituição liquidada por evidências de fraude contra o sistema financeiro e o escritório de advocacia da esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 3,6 milhões mensais, entre 2024 e 2027, perfazendo um total de R$ 129 milhões) é mais um episódio sobre conflitos de interesses envolvendo a cúpula do Poder Judiciário.
No mesmo caso Master, temos o inconcebível
caso do ministro Dias Toffoli, relator da ação, que viajou num jatinho de um
empresário acompanhado de Augusto de Arruda Botelho, advogado de Luiz Antonio
Bull, um dos diretores do banco, para assistir à final da Copa Libertadores da
América em Lima.
Fora isso, temos a presença de integrantes do
STF em eventos privados, geralmente no exterior, que promovem contatos entre
empresários e autoridades públicas (quando não o promovem diretamente), o
recebimento de valores desconhecidos da população por palestras e a não
publicação das agendas desses magistrados.
A recorrência de episódios de conflitos de
interesses no topo do Judiciário brasileiro vem sendo exaustivamente denunciada
pelo professor Conrado Hübner, da Faculdade de Direito da USP. Como ele destaca
no livro O Discreto Charme da Magistocracia: vícios e disfarces do Judiciário
brasileiro, “uma corte que deixa corroer a própria reputação gradualmente perde
força e se marginaliza no sistema político”. E alerta: “Um STF sem capital
político pode ser desobedecido sem custos”.
Há anos o STF, sob sucessivas presidências,
tem silenciado a respeito desses desvios éticos de seus integrantes. Desta vez,
sentindo que o STF vem perdendo o respeito de boa parte da população
brasileira, o ministro Edson Fachin propõe a elaboração de um código de conduta
para os membros da instituição.
Inspirado no modelo do Tribunal
Constitucional alemão, a ideia é reforçar recomendações a respeito de
imparcialidade em julgamentos, restrições à participação em atividades externas
(sobretudo remuneradas), vedação ao recebimento de presentes e favores e
autocontenção em pronunciamentos públicos.
A rigor, um código de ética não seria
necessário se os magistrados simplesmente cumprissem a legislação brasileira,
que já estabelece que juízes devem se considerar suspeitos ou impedidos quando
tiverem relações com alguma das partes dos processos que julgam. Como lembra o
professor Hübner, “juízes não estão proibidos de ter amigos, de ter vida social
intensa, de viverem uma vida normal. No entanto, a ética da atividade judicial
pede vigilância a certos comportamentos, um senso de responsabilidade pelo
éthos da sua instituição”.
Enquanto o exemplo não vem de cima, a
sociedade brasileira tem se movimentado para exigir mudanças. Em outubro
passado, um trabalho publicado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, com a
participação de juristas e cientistas políticos de diversos matizes e
instituições, publicou uma “Contribuição para o Aperfeiçoamento Institucional
da Jurisdição Constitucional Brasileira”. Nele há uma lista de tópicos para o
fortalecimento da reputação pública do STF.
Todas essas iniciativas para o resgate da
ética no Judiciário brasileiro são necessárias e urgentes, no entanto pouco tem
se debatido sobre a responsabilidade de quem está no outro lado. Afinal, se o
Banco Master pagou uma mesada de R$ 3,6 milhões por serviços nebulosos
prestados pelo escritório da esposa de um ministro do STF, quanto não devem
pagar outros tubarões do empresariado brasileiro para escritórios de parentes
de outros integrantes da cúpula do STF e dos demais Tribunais Superiores?
Em todos esses casos de conflitos de
interesses envolvendo a cúpula do Judiciário é gritante o silêncio de
instituições que também deveriam combater essas práticas por parte dos seus
associados.
É comentário corrente nas altas rodas do PIB
brasileiro como grandes escritórios de advocacia realizam tráfico de influência
para empresas junto a órgãos dos três Poderes e honorários milionários acabam
sendo utilizados para corromper autoridades - sob a total complacência da Ordem
dos Advogados do Brasil, que resiste a qualquer proposta para elevar a
responsabilização de seus integrantes em casos de corrupção.
Da mesma forma, grandes bancos e gigantes da
indústria, do agro e do varejo investem milhões em atividades de lobby para
fortalecer suas conexões com autoridades e assim extrair vantagens. Enquanto
isso, Febraban, CNI, CNA, CNC tratam compliance como uma mera exigência
burocrática e discurso de marketing.
Como num mercado, desvios éticos ocorrem
quando oferta e demanda interagem. É preciso um código de conduta para quem
está em cada lado do balcão.

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