Valor Econômico
Supremo só será capaz de inibir impeachment sem canetada quando se mostrar capaz de punir a corrupção entranhada no Judiciário
Em menos de três meses, a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelos atos golpistas que culminaram no 8/1 caminha para ser drasticamente mitigada para uma permanência, em regime fechado, de até dois anos e uns quebrados. A condenação que fez muitos acreditarem que o Brasil dava uma lição ao mundo aconteceu à luz do dia sob holofotes internacionais. Sua mitigação aconteceu madrugada adentro, durante a qual o relator, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) não escondia de ninguém: o Supremo não vai derrubar porque os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes deram sua anuência. Quando o dia amanheceu, um dirigente partidário confidenciou: não foi anuência, mas estímulo. Em troca de que? Desanuviar o clima contra a Corte.
Sete horas depois veio o adendo ao enredo da
“pacificação” protagonizado por Paulinho: o relator do projeto de lei que
pretende estabelecer um novo rito para o impeachment de autoridades, o senador
Weverton Rocha (PDT-MA), disse que, atendendo ao autor do PL, senador Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), pedia que se adiasse sua análise na CCJ do Senado para 2026.
Paulinho é presidente do partido que acionou o STF contra a lei do impeachment,
levando o ministro Gilmar Mendes a acatar a ação em decisão liminar, movimento
que levou o Senado a desenterrar o PL. Pacheco desfruta de igual confiança. Era
o nome da preferência aberta do decano para a vaga na Corte.
Ainda na tarde dessa quarta, o Senado pediu
que o Supremo suspendesse a tramitação da ação relatada por Gilmar enquanto não
se votasse o PL. O decano, como num balé coreografado, o fez, restringindo a
liminar propositura de impeachment por iniciativa exclusiva do procurador-geral
da República. Na decisão, o ministro elogia o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (“elevado espírito público, aguda percepção institucional, prudência
e notável coragem cívica”, atuando com “firmeza e responsabilidade”), e seu
antecessor, Rodrigo Pacheco (por demonstrar “zelo e equilíbrio”, de forma
“serena e escorreita”), mas deixa claro que manterá uma salvaguarda (o poder
exclusivo do PGR) até que o Senado demonstre ser merecedor da confiança da
Corte ou, como preferiu dizer, “como instrumento de proteção à independência do
Poder Judiciário”.
O ato mais frequentemente citado como
merecedor de proteção no Supremo Tribunal Federal é a relatoria do ministro
Flávio Dino das ações que contestam a opacidade das emendas parlamentares e o
torna alvo de dezenas de pedidos de impeachment. O clima a ser desanuviado,
porém, não advém apenas da relatoria, de rigor inatacável, de Dino sobre as
emendas, mas de condutas, reprováveis sob quaisquer ângulos, de ministros que
não se furtam a usufruir da intimidade de advogados de causas bilionárias no
STF.
A mais recente delas foi a carona que o
ministro Dias Toffoli aceitou em jatinho particular, ao lado de Augusto de
Arruda Botelho, advogado de um diretor do Master, revelada pelo jornalista
Lauro Jardim, de O Globo. Se o ministro só foi sorteado relator quando já havia
chegado ao seu destino, por que não se declarou suspeito? Há quem defenda que
não é preciso código de ética para isso. Apenas o cumprimento de normas que já
existem, como a Lei Orgânica da Magistratura, a Lei de Improbidade
Administrativa e a própria Constituição.
Este mesmo conjunto de leis também permitiria
que o presidente do STF pautasse no Conselho Nacional de Justiça, que também
comanda, os inúmeros processos lá existentes contra juízes, desembargadores e
ministros do STJ. Uma cruzada do gênero teria o poder de desmontar esquemas de
ministros do STF que se esmeram em colecionar indicados em tribunais inferiores
responsáveis por sentenças que giram negócios bilionários, tão longevos quanto
seus mandatos, envolvendo centenas de escritórios de advocacia.
No dia em que algo do gênero acontecer, a
máquina de convites e eventos que gira esta rede de conluios da magistratura
até poderia ser desidratada. O CNJ não tem jurisprudência sobre o STF, mas uma
ação do gênero teria um “efeito-demonstração” na visão de um ministro que a
defende. A punição em cortes inferiores inibiria a atuação desabrida de colegas
que atuam em seu próprio interesse por criar uma cultura de intolerância a
condutas indevidas, aposta este ministro. Para ser efetiva, esta intolerância
teria que revisitar, por exemplo, a decisão de 2023 que levou o STF a acatar a
ação movida pela Associação de Magistrados Brasileiros (parceira do
Solidariedade na ação contra a lei do impeachment) contra trecho do Código de
Processo Civil que impede juízes de atuar em processos de antigos clientes de
escritórios que tenham a atuação direta de familiares.
A vantagem de uma empreitada do gênero é que
não é possível revesti-la de uma disputa de prerrogativas entre os Poderes da
República. Seria apenas o Judiciário dando demonstração de que é capaz de
expurgar o abrigo de interesses espúrios, públicos e privados, em que se
transformou para se tornar merecedor da última palavra no ordenamento
constitucional do país. E, assim, acatar que suas togas supremas sejam
passíveis de impeachment como outras autoridades da República

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