terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Uma derrota após a outra. Por Pablo Spinelli

Em 2026 haverá a celebração pela Revolução Americana, aquela que combinou a primeira ruptura colonial com ideias iluministas em prática em um grande arranjo inventivo com sistema de freios e contrapesos e com referências à Roma Republicana. É verdadeiro dizer que houve uma grande massa de excluídos na categoria de cidadãos, mas também o é afirmar que a arquitetura institucional não só abalou o arcabouço do Antigo Regime como serviu de inspiração para o futuro, sendo essa revolução somente substituída pela de 1917, na Rússia.

Dito isso, o cenário cinzento e pré-apocalíptico tomou conta da produção audiovisual estadunidense a partir da experiência (revigorada) Trump. O discurso trumpista é o oposto daquilo que pensavam os “Pais Fundadores” (Jefferson, Franklin, Madison, May e até em certo ponto, o centralizador Hamilton), como se vê na intervenção militar nas cidades lideradas pelo Partido Democrata e na política persecutória aos imigrantes em um eco da extrema-direita europeia com campos de concentração e separação entre pais e filhos. Nessa toada surge o filme Uma batalha após outra, dirigido por Paul Thomas Anderson (Sangue Negro) , um dos favoritos para o Globo de Ouro e Oscar.

O filme retrata um EUA distópico com uma radicalização de movimentos de luta armada que tem como estratégia explosões, assaltos, manifestos contra um governo autoritário e militarizado. Daí surge a vigorosa e radical Perfídia Bervely Hills (Teyana Taylo), uma ironia em termos, além de ser uma homenagem a um grande bolero de 1939 tocado no filme. Perfídia acaba por ser cobiçada pelo rebelde Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio) e pelo oficial Steven J. Lockjaw (Sean Penn) que nesse triângulo escaleno resulta uma filha, vivida muito bem por Chase Infinity.

O filme não fala somente da sombra do autoritarismo e da degradação dos valores democráticos em solo americano. Seu enfoque sobre a esterilidade das ações, da verborragia de manual de academia e a exposição da pauta individualista – seja pela negação de querer ser mãe, seja pela delação de companheiros de luta – acaba por ser a exposição de como chegamos a esse estado de coisas. 

A proposta de Anderson não é apenas a demonstração da derrota de um grupo – magistralmente apresentada por ele Boogie Nights – ou do “sonho americano”, mas que o excesso de liberalismo nos trouxe a antipolítica que acaba por fortalecer a política subterrânea (visualmente exposta) de uma oligarquia supremacista branca.

Esse, aliás, é um dos problemas do filme. Ao fincar o pé na canoa que critica o otimismo da vontade, a guerra de movimento, o anacronismo de bordões (como a alusão a Maio de 68 pelo nome do grupo rebelde), o roteiro não se esquiva de enfraquecer o papel paterno – o pai ou é um idiota dependente – em todos os sentidos – preso a um passado idealizado que se alimenta de álcool e drogas – ou é aquele que não tem escrúpulos em matar sua prole, numa versão 2.0 de Darth Vader. Nesse cenário, cabe à jovem mulher negra a sua própria libertação quando muito, ajudada por um mestiço indígena, além da permanência da luta de protestos. Não é por acaso que o filme faz uma alusão ao clássico e imperdível Batalha de Argel (1966), de Gillo Pontecorvo.

Com boas sequências, em especial, a da perseguição na rodovia – a vida tem altos e baixos, surge o inesperado da Fortuna – e com ótima atuação do elenco, com DiCaprio incorporando os maneirismos de Marlon Brando e Sean Penn na melhor atuação de sua carreira, o filme se apresenta forte ao Oscar mesmo com pontos fracos, como a irritante trilha sonora e furos no roteiro (sem spoiler, como o racista sabia que a filha estava naquele carro na estrada?) nessas duas canoas; a crítica da arma e a arma da crítica; a película se mantém como a alegoria do mundo em que vivemos. Esse filme terá uma boa chave interpretativa à luz da recente experiência chilena. Cabe ao fim a seguinte pergunta: como conseguir novos resultados falando e fazendo as mesmas coisas de sempre?

*Pablo Spinelli é Doutorando de Ciência Política PPGCP/UNIRIO e professor da rede pública de Saquarema e Petrópolis e da rede privada no Rio de Janeiro.

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