O Globo
De que vale o Supremo Tribunal Federal (STF)
ter sido guardião da democracia quando da tentativa de golpe, se os réus
condenados nos julgamentos não terão a punição devida?
Já se sabe que o presidente Lula vetará a legislação aprovada por um acordão no Congresso que reduz a pena de Bolsonaro e dos outros condenados pela tentativa de golpe de Estado de janeiro de 2023. Já se sabe, também, que os bolsonaristas insistirão no Senado por uma anistia que não virá. O veto está incluído no acordão e será derrubado assim que chegar à Câmara. Já se sabe que o senador Flávio Bolsonaro não será candidato à Presidência da República, a não ser que a família prefira perder com ele a tentar vencer com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Mas o hoje senador Flávio se arriscará a ficar sem o manto protetor do mandato parlamentar? O próprio Bolsonaro preferirá uma derrota anunciada, em vez de conseguir uma dose mínima de prisão fechada, cerca de dois anos?
De que vale o Supremo Tribunal Federal (STF)
ter sido guardião da democracia quando da tentativa de golpe, se os réus
condenados nos julgamentos não terão a punição devida? O avanço das
negociações, tanto relativas às penas quanto à regulamentação do impeachment
pelo Senado de integrantes do STF, se desenrola com o conhecimento e aceitação
da maioria do plenário, maioria essa que, por sua vez, reluta em aceitar o
Código de Conduta proposto por seu presidente, o ministro Edson Fachin.
Os casos do ministro Dias Toffoli — ele
garante que fumou, mas não tragou — e dos milhões que a mulher do ministro
Alexandre de Moraes recebia por contrato com o Banco Master são exemplos de
conflitos de interesses que não poderiam acontecer. A Suprema Corte do Estados
Unidos divulgou em 2023 um Código de Ética, o primeiro desde 1789, para mostrar
que foram ouvidas as muitas críticas a seus integrantes por atitudes
controversas, como viajar de avião particular a convite (juiz Clarence Thomas),
passar férias em lugares aprazíveis (o juiz Antonin Scalia morreu numa caçada
na fazenda de um empresário), receber presentes caros, fazer palestras em
reuniões empresariais etc. Pelo Código, são as seguintes as restrições a um
juiz:
a) Não pode participar de eventos financiados
ou associados a um partido político ou a campanha para cargo político;
b) Não pode participar de evento que promove
um produto comercial ou serviço, com exceção de livro do juiz que esteja à
venda;
c) Não pode participar de encontro organizado
por um grupo que ele saiba ter interesse substancial no desfecho de um caso
diante da Corte para julgamento ou que provavelmente estará em julgamento num
futuro próximo;
d) Pode comparecer a um evento de
levantamento de dinheiro (fundraising) para organizações sem fins lucrativos ou
relacionadas ao Direito, mas não pode ser o orador, nem convidado de honra ou
aparecer no programa;
e) Decidindo falar ou aparecer diante de
qualquer grupo, deve avaliar se aparentará impropriedade entre participantes.
Essa aparência não existirá quando falar a um grupo de estudantes, grupos
associados a instituições educacionais, grupos de advogados, grupos religiosos,
grupos não militantes ligados ao Direito ou grupos culturais.
O ministro Gilmar Mendes, que se diz “um
enfermeiro que já viu sangue”, aceitou retirar alguns pontos da legislação de
sua lavra sobre impeachment de ministros do Supremo pelo Senado, e uma outra
lei, desta vez feita por quem tem por função legislar, será montada em acordo
com ele. Até o momento, todos saem ganhando. A maioria do Congresso apoiou o
alívio na dosimetria das penas para obter a candidatura de Tarcísio à
Presidência. Lula vetará a redução das penas, ganha pontos em parte do
eleitorado e motivos para acusar o bolsonarismo e o Centrão. Bolsonaro ganhou
muitos anos a menos na cadeia, talvez um candidato competitivo no ano que vem.
Isso se todos cumprirem o combinado.

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