sábado, 5 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO

O FIM DAS ILUSÕES ARMADAS
Zuenir Ventura

Há muitos detalhes do resgate de Ingrid Betancourt a serem esclarecidos, inclusive em relação ao seu estado de saúde. Como se explica a diferença entre a imagem da ex-refém descendo do avião aparentemente saudável e bem disposta, e o vídeo que correu o mundo há três meses, com a bela ex-candidata à Presidência da Colômbia debilitada e com aspecto doentio, ilustrando o que dizia numa carta: "A vida aqui é um desperdício lúgubre de tempo." Que ela estava com suspeita de hepatite B e leishmaniose, até seus companheiros de cativeiro confirmaram depois. Não ficou claro o que de fato houve durante esse período. Mais difícil ainda vai ser descobrir se é verdadeira a informação da rádio suíça segundo a qual a libertação dos 15 seqüestrados, entre os quais três americanos, foi resultado não de uma ação do Exército colombiano, mas do pagamento de US$20 milhões feito pelo governo dos EUA a um dos comandantes da guerrilha.

Em meio a esses mistérios não desfeitos, uma coisa é certa: caiu por terra o último mito que cercava as Farcs há 44 anos, desde que foram fundadas - o de organização inviolável e incorruptível. O da pureza ideológica já tinha caído há algum tempo, quando se descobriu que elas estavam mais para Fernandinho Beira-Mar do que para Che Guevara. Deixaram de aspirar ao poder para aspirar pó. Continuavam, no entanto, dando a ilusão de que, graças à "implantação" popular, mantinham-se fortes e eficientes, a ponto de poder infiltrar, nunca de serem infiltradas ou subornadas pelo inimigo, como teriam sido agora.

A Operação Xeque (ou seria Cheque?) constituiu não apenas uma derrota para as Farcs, que embora mantenham 400 reféns em seu poder, estes não têm o mesmo valor de troca da ex-candidata presidencial e dos três americanos. O seu sucesso pode também servir de advertência aos que, movidos por ecos nostálgicos, ainda flertam com as soluções violentas, lá fora e mesmo aqui dentro. Ingrid revelou que, depois da morte do líder histórico Manuel Marulanda, os guerrilheiros colombianos estão vivendo uma séria crise. "Eles adoram Chávez. Para a guerrilha, ele é um herói", informou a ex-refém. Acontece que a recente mudança de discurso do presidente da Venezuela, conclamando os seus adoradores a deporem as armas ("a luta armada está fora de lugar", "a guerra de guerrilha passou à história"), significa mais um sinal do isolamento político do grupo colombiano. Não sobrou nem Fidel. Pois até o velho comandante, quem diria, comemorou a libertação de Ingrid e seus companheiros, criticando os seqüestros como opção política. "Civis nunca deveriam ser seqüestrados, nem militares deveriam ser mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Nenhum propósito revolucionário justifica isto."

A questão agora é saber se esse revés da guerrilha vai afetar os negócios do narcotráfico.

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