sábado, 5 de julho de 2008

O VELHO CONGRESSO
Villas-Bôas Corrêa

Voltei ao Palácio Tiradentes para receber das mãos do deputado Paulo Ramos, presidente da Assembléia Legislativa, o honroso e inesperado título de benemérito do Estado do Rio de Janeiro.

Se não consegui apreender as razões da inesperada homenagem, desisti de entendê-las e aproveitei o tempo, enquanto os demais condecorados ocupavam o microfone, para da visão abrangente da mesa, lavar a miopia na contemplação do plenário e soltar a saudade para as lembranças dos muitos anos em que freqüentei a Câmara dos Deputados, de 1948, quando comecei a minha longa jornada de repórter político até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960. Foram 12 anos de duro batente, os mais prazerosos dos meus quase 60 anos de uma vida.

O Palácio Tiradentes é um belo edifício de incalculável valor histórico. Mas na injusta comparação com o latifúndio das duas casas geminadas na Praça dos Três Poderes, com a imponência das curvas traçadas pelo gênio de Oscar Niemeyer, a lição que o venerando prédio da Praça 15 oferece ao saudosismo do veterano merece a reflexão de quantos se preocupam com a decadência ética do Parlamento na cegueira do insaciável desperdício dos milionários das mordomias, das vantagens, dos privilégios, do descaro da verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para ressarcir as despesas de suas excelências no fim de semana em suas bases eleitorais e demais mutretas da mandracice da semana de dois a três dias úteis.

A velha Câmara e o vetusto Senado do Palácio Monroe certamente que tinham as suas fraquezas. Que se desmancham no tempo e no confronto com o modelo do cerrado.

Era uma Câmara sóbria e modesta, com a predominância dos representantes da classe média, poucos milionários ou apenas ricos. Os bacharéis da UDN, do PSD e das mais de uma dezena de legendas dominavam a oratória, então uma arma poderosa no jogo do poder. Mas é obvio que nem só os doutores de anéis de rubi brilhavam nas tribunas da oposição e do governo e não é necessário citar exemplos.

Muito mais significativa é a diferença entre antes e depois de Brasília, com o castigo de senzala dos 21 anos da ditadura militar.

Se a Câmara que eu freqüentei não primava pelas preocupações sociais ou econômicas, ainda com as marcas da ditadura civil do Estado Novo, ela e o Senado viveram a fase de ouro do mais importante dos poderes.

Não por acaso, o Palácio do Catete, sede do Executivo, fica a razoável distância do centro e coração da cidade. E só nas crises era perceptível a intervenção do presidente da República no Congresso. O presidente entendia-se com o líder do bloco governista, que o representava com prestígio e autoridade.

As fórmulas de acordo ou as decisões pelo voto com passavam pelo debate no plenário. Testemunhei muitas vezes um discurso mudar a tendência da maioria.

A imprensa atendia ao interesse apaixonando da população pela novidade da atividade política, depois de anos do silêncio da censura do DIP, com as edições de mais de uma dezena de matutinos e as últimas novidades nos vespertinos, vendidos nos bondes e ônibus, a leitura para a volta a casa.

Dávamos conta do nosso recado com a cobertura total das atividades políticas. Com equipes especializadas em três áreas: plenário, as comissões e a apaixonante articulação dos bastidores.

Nada escapava do registro nas páginas inteiras dedicadas aos debates no plenário, com os discursos importantes publicados na íntegra. E o desdobramento nos vespertinos.

O despertar da saudade espanta os fantasmas. E o tombo na realidade é o amargo retorno à rotina das apreensões com o declínio do Congresso num dos piores momentos da sua tumultuada existência.

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