quinta-feira, 17 de julho de 2008

DEU NA GAZETA MERCANTIL

O PAÍS QUER OUVIR QUEM SABE TUDO
Augusto Nunes

FALA, DANTAS!, exortou a revista Veja na capa ilustrada pelo rosto inescapavelmente tenso do personagem que se apropriou, durante uma semana inteira, de todas as manchetes da imprensa e das chamadas de abertura de todos os telejornais. "Conta tudo, Daniel Dantas", tornaram mais abrangente o apelo mensagens multiplicadas pela corrente na internet que vai assumindo proporções tão impressionantes quanto a ladroagem devassada pela Polícia Federal. Conhecer a história completa, narrada pelo protagonista e sem a omissão de um único detalhe, um único episódio, um único nome - eis aí o sonho dividido por milhões de passageiros da esperança, que insistem em agir honestamente num país que reduziu a ética, a decência e o respeito à lei a coisas de otário.

Até o fim de junho, os inquéritos e processos que tratam das façanhas de Dantas bastariam para a montagem de um livro condenado ao êxito. Sobram leitores ansiosos por conhecer a saga do baiano nascido numa família de classe média que virou aluno genial na faculdade de economia que virou menino prodígio com dois ou três negócios que virou um dono de banco cobiçado por todos os investidores com muito dinheiro e pouca paciência que virou bandido pela pressa em juntar bilhões. e que fez tudo isso sem perder o direito de ir e vir. E que está cada vez mais rico. Não é pouca coisa.

Mas não é tudo, informou neste começo de julho a primeira amostra do baú de revelações obtidas pela operação executada em parceria por agentes da Polícia Federal e integrantes do Ministério Público, e sustentada pela independência do juiz federal Fausto De Sanctis. Agora está comprovado que, há mais de 10 anos, Dantas aluga figurões infiltrados nos três poderes, distribui propinas entre os que prendem ou soltam, suborna e intimida os que nomeiam ou demitem, sustenta bancadas suprapartidárias de bom tamanho no Congresso.

A devassa dos porões controlados por Dantas resgatou da semiclandestinidade o chefe da maior e mais atrevida quadrilha da história do sistema financeiro nacional. Ele chegou ao posto com a cumplicidade de pais da pátria da Era FH. Nele se manteve depois de adquirir a simpatia de Altos Companheiros da Era Lula. Nos anos 90, embolsou bilhões depois de presenteado com o mapa da mina da telefonia. Acaba de anabolizar a fortuna imensa por ter facilitado, com a venda do que conseguiu irregularmente, uma transação ilegal desejada pelo governo.

Essas descobertas avisam que o livro sobre a segunda vida de Dantas será mais que a narrativa de uma biografia singularíssima. Será um clássico da literatura político-policial. E tem tudo para ser promovido à estante das leituras indispensáveis aos interessados em conhecer o Brasil das sombras. Basta que Dantas decida falar. Basta que conte tudo. Só ele pode explicar as diferenças entre uma negociação com os donatários dos fundos de pensão durante o reinado neoliberal e um acordo com José Dirceu. Só Dantas sabe quem é o "João" e quem é a "Letícia" rabiscados naquele papel ao lado de boladas consideráveis.

Para livrá-lo das investigações da PF, emissários do chefão ofereceram US$ 1 milhão a um delegado da Polícia Federal. Dantas sabe quanto custava um deputado nos tempos de FH e quanto custa hoje um senador O preço de um juiz é calculado segundo a instância em que se aloja?, pergunta o país. Por que Dantas tem medo da Polícia Federal e da primeira instância do Judiciário? Por que confia no STJ ou no STF? Como foram as conversas com Lulinha. Enfim, qual é o organograma da quadrilha?

Até agora, Dantas valeu-se do silêncio para escapar da cadeia. Se for condenado por algum crime menor, mas amplamente documentado, poderá sentir-se tentado a abrir a boca. Foi o que fez a polícia americana para engaiolar Al Capone. Já que faltavam provas para prendê-lo por assassinato, extorsão, roubo e outros crimes de alta voltagem, o mitológico mafioso acabou em Alcatraz por ter lesado o Fisco. Sobram provas materiais para enquadrar Daniel Dantas por ter tentado subornar um delegado da Polícia Federal.

Ao trabalho, policiais, promotores e juízes. O Brasil quer ouvir o delinqüente que sabe tudo. Convençam o homem a falar.

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