quarta-feira, 2 de julho de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL

NÃO HÁ DITADURA COM A IMPRENSA LIVRE
Villas-Bôas Corrêa

Com o lançamento do primeiro volume do Jornal da ABI – talvez o ponto alto da muitas solenidades do caprichado programa de comemoração do centenário da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI da sigla perfeita – com as 82 páginas com artigos, reportagens, matérias e depoimentos assinados por escritores e jornalistas do primeiro time, o tema central, obsessivo e celebrado é o da intransigente defesa da liberdade de imprensa ao longo de uma história que passa pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, e os 21 anos da ditadura militar do rodízio dos cinco generais-presidente.

Isto para ficar na dupla de apagões mais recente. No irretocável artigo de abertura, o presidente da ABI, Maurício Azedo, afinado na justa euforia pelo reconhecimento unânime da sua exemplar administração que conseguiu o milagre de atrair os jornalistas para a freqüência regular à casa que é da classe e do Brasil, destaca a sua convicção de que a instituição defendeu a liberdade de imprensa, "bem essencial à vida democrática",

O reconhecimento universal de que a imprensa livre da humilhação da censura é dos inalienáveis princípios da democracia e um truísmo que reclama análise que destaque a excepcionalidade que se pode resumir no enunciado da sentença definitiva: é impossível a coexistência da ditadura com a liberdade de imprensa.

Parece obviedade que dispensa o registro. Não é bem assim. Com o Congresso, para ficar no exemplo mais chocante, as ditaduras pintam e bordam, impondo os vexames que foram uma das rotinas da ditadura militar: o recesso punitivo, as levas de cassações de mandatos para remendar a maioria para a manipular a eleição indireta de governadores pelas assembléias legislativas com a faca no gogó – tanto que nenhuma rejeitou os candidatos impostos na marra – a mais recente criação dos senadores de garupa, eleitos sem um único voto na anca dos candidatos para valer, em geral parentes ou financiadores da campanha, serão 20 em 81(25%, um quarto do pobre Senado da decadência); a extinção dos partidos pelo AI-2, de 27 de outubro de l965, editado pelo general-presidente Castelo Branco para a imposição do bipartidarismo de opereta e, como gorjeta, os muitos pitos e constrangimentos impostos aos parlamentares que apoiavam a ditadura, nas horas de espera nos gabinetes para a choradeira de liberação de verbas para Estados e municípios.

O Poder Judiciário pagou a sua cota de desfeitas com a aposentadoria punitiva de ministros do Supremo Tribunal Federal.

A imprensa censurada, tanto a submissa como os raros e honrosos casos de resistência, de que são exemplos o Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Diário de Notícias e poucos mais, sobreviveu, aceitando os cortes dos censores e as ordens por telefone.

Não era a imprensa. Mas a sua caricatura, a sua negação, a fantasia do mascarado saracoteando nas ruas.

Para o teste definitivo para apurar se o governo de um país é democrático ou um dos muitos disfarces da ditadura basta passar os olhos nos jornais, revistas, acompanhar o noticiário nas redes de TV ou emissoras de rádio. Nem é preciso constranger o eventual informante. Porque a ditadura gosta muito de falar em povo, mas é sempre apoiada pelos ricos e generosos financiadores do sistema de repressão.

E exala uma catinga que se percebe a distância. O olhar atento no comportamento da população decifra a alma do país. A face contraída pelo medo, a dissimulação diante de qualquer pergunta com duplo sentido, denuncia a ditadura.

Pois a ditadura cheira a sangue. E fede.

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