quarta-feira, 30 de julho de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


APENAS UMA JANELA PARA O VELHO TABU
Rosângela Bittar


Sempre que quer criar uma discussão que se esgota nela mesma e incomoda a federação, o governo recorre à reforma tributária, assunto de impasse já tradicional nas relações de estados e municípios com o governo federal. Todos sabem que não dará em nada e se alguma mudança for aprovada, numa legislação separada do conjunto conflitivo, será pontual e, provavelmente, secundária. Mas quando precisa de algo que consuma a discussão na política, em processo interminável e com certeza inconcluso, o governo tira do baú a reforma política. É questão para não ser levada a sério, a não ser que, com a reabertura agora de nova temporada para esta reforma, tenha o governo algum interesse real e objetivo em sua ressurreição.

O presidente Lula atribuiu à reforma política lugar de honra no seu programa de governo para o segundo mandato. Logo, porém, resolveu afastar-se dela, alegando tratar-se de uma atribuição do Congresso Nacional na qual o Executivo não deveria se meter. Diferentes iniciativas e projetos começaram a tramitar e uma reforma básica ficou definida como aquela que regularia a fidelidade partidária e instituiria a lista fechada e o financiamento público de campanhas. Embora votado em primeiro turno na Câmara -nunca havia chegado tão longe -, o projeto neste sentido não tem a mais remota chance de ser retomado e transformado em lei. Resolveu-se, como sempre quando se chega ao impasse destas reformas que nunca andam, retalhar o projeto e considerar cada tema em texto separado, para driblar polêmicas.

O que mais avançou foi o do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), votado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Esta peça tem a força de uma rasteira na interpretação judicial sobre a fidelidade partidária e acaba resultando na permissão da infidelidade. Na ausência de legislação sobre isto, o Tribunal Superior Eleitoral interpretou as normas e concluiu que o mandato pertence ao partido e não ao candidato, posição confirmada pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar recursos.

Pela via judicial, portanto, conseguiu-se uma norma para coibir a infidelidade indecorosa dos políticos brasileiros, alguns transitando por cinco, seis partidos em uma única legislatura. O que o projeto Flávio Dino faz é restabelecer a migração partidária, por um período de trinta dias, um ano antes das eleições, no que se chamou de "janela" em que a troca de partido pode ser feita à vontade, sem respeito aos critérios como os que haviam sido fixados pelo TSE e confirmados pelo STF: criação de novo partido, comprovação de que a legenda alterou sua posição ideológica ou se houver perseguição interna ao político.

Reforma repõe 3º mandato na pauta

Dentro do período da "janela" o troca-troca poderá ser feito plenamente. O projeto Dino, que foi explicado à época como uma restrição mitigada, nada mais é que uma anulação da decisão judicial sobre a fidelidade partidária.

Enquanto o Congresso providencia esta "correção" de um obstáculo legal que não interessa ao fisiologismo das duas Casas, o governo resolveu retomar o assunto para si e, desta vez, sem lembrar ao público, como fizera de outras vezes, que ele é prerrogativa de deputados e senadores. O ministro da Justiça, Tarso Genro, foi escolhido pelo presidente, anuncia-se em plenas férias de julho, para elaborar um projeto de reforma política, em parceira com o ministro José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais. A Presidência teria feito isto depois de chegar à conclusão de que "se não tomar a frente, não sai a reforma política".

As contradições evidentes reforçam a desconfiança de que qualquer iniciativa do governo no campo da reforma política tem a certeira intenção de abrir uma "janela" para a volta da discussão e das emendas do terceiro mandato consecutivo para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com esta conversa, a esta altura, o governo estaria, numa definição usada por Leonel Brizola à perfeição, costeando o alambrado para chegar onde quer.

Fora desta interpretação, não dá para levar o anúncio a sério. A história do Brasil está plena de exemplos de tentativas de fazer reformas, que goraram mesmo quando planejadas para entrar em vigor três eleições adiante do seu tempo. O historiador e cientista político Octaciano Nogueira dá o exemplo da cláusula de barreira, estabelecida numa emenda de 13 de outubro de 1978, no período Ernesto Geisel. Em junho de 1982, ano em que estava planejada para entrar em vigor, os parlamentares aprovaram nova emenda adiando-a para 1986; aí, outra emenda empurrou-a para 1990. Veio, então, a Constituinte, a lei dos partidos e, neste outubro de 2008, o país completa 30 anos de tentativas de aplicar a cláusula de barreira, sem sucesso. O mesmo se dá com a fidelidade partidária, que o país só conseguiu uma regra na Justiça, afirma Octaciano.

"O Brasil só adotou até hoje dois sistemas, o majoritário (de 1821 a 1932) e o proporcional (de 1932 para cá). Não se fez outra mudança, o conservadorismo não deixa mudar", diz o professor. Octaciano lembra a constatação a que, com sua experiência, chegou o cientista político italiano Giovani Sartori: "Não houve nenhuma reforma eleitoral, em nenhuma parte do mundo, que tivesse sido feita por aqueles que foram eleitos por um outro sistema. Pelo outro sistema ele sabe que se elege, está lá. Não sabe se, mudando, vai conseguir eleger-se".

Pedido Especial

A parceria secreta entre a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no caso Daniel Dantas-Supertele, não foi surpresa para quem acompanhou de perto o rito de passagem do cargo do delegado Paulo Lacerda para seu sucessor na direção da PF, Luiz Fernando Correa. Ao sair do posto na Polícia e antes de assumir a direção da Abin, Lacerda fez um único pedido especial ao novo diretor Correa: que mantivesse o delegado Protógenes Queiroz no comando do processo DD. Alegou que ele estava à frente da investigação desde 2004 e a vinha conduzindo com muita competência.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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