sábado, 16 de agosto de 2008

DEU EM O GLOBO


POEMA CONTRA A CORRUPÇÃO
Zuenir Ventura


Chegamos a Juiz de Fora nesta semana quase ao mesmo tempo: eu, para uma palestra; ele, vindo da penitenciária de Contagem, onde passara 58 dias e de onde renunciou ao cargo para não ser cassado. Trata-se do ex-prefeito da cidade, Alberto Bejani, um caso emblemático destes tempos de ficha-suja. Da dele constam as seguintes acusações: formação de quadrilha, ameaça a testemunha, falsidade ideológica, peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, fraude em licitação e lavagem de dinheiro.

Em abril, ao prendê-lo, a Polícia Federal encontrou em sua casa mais de R$1 milhão em grana viva, além de muitas armas. A apreensão foi documentada por um vídeo em que ele aparece recebendo propina de um empresário de transporte coletivo para supostamente autorizar o aumento das passagens de ônibus. Quatorze dias depois era solto por um habeas corpus da Justiça estadual. O de agora foi concedido pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar das provas visuais, Bejani saiu da penitenciária alegando inocência e se dizendo perseguido, para não fugir à regra. Bem-disposto, desafiou os candidatos à prefeitura a dispensarem o seu apoio. Segundo ele, são os "bejanistas" que irão decidir as próximas eleições. Ele aposta nisso tanto quanto garante que vai retomar o seu programa de rádio e depois se candidatar ao governo do estado. Declarou que não se interessa em ser prefeito ou deputado.

"Quero ser governador. Vou disputar, não tenham dúvida." Não encontrei na cidade quem duvidasse.
Três cidades depois - Barbacena, São João Del Rei e Viçosa - leio a notícia de que o TRE mineiro proclamou uma espécie de liberou geral: os candidatos com ficha suja vão poder concorrer livremente às câmaras municipais e às prefeituras. A medida beneficiará mais de 200 candidatos com processos naquele tribunal. Portanto, não surpreendeu o resultado de uma pesquisa que acaba de ser publicada aqui, revelando que mais de 80% dos consultados se manifestaram descrentes com a política e os políticos.

Para mim, o mais curioso da história não foi nem o convincente vídeo com as cenas de suborno explícitas, com direito a diálogo e tudo ("Os 150 nós vamos ficar com nós. 120 para você", diz o interlocutor), mas o nome da operação: Pasárgada. Como se sabe, Pasárgada é o lugar que Manuel Bandeira escolheu como metáfora do paraíso urbano, o eldorado que o poeta transformou num dos poemas mais bonitos de evasão e fuga.

"Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei."

Talvez tenha sido uma homenagem poética que a Polícia Federal quis prestar à cidade dos escritores Murilo Mendes, Pedro Nava, Rubem Fonseca, Raquel Jardim, Afonso Romano e Fernando Gabeira. Bandeira não podia imaginar que um dia a sua Pasárgada seria usada no combate à corrupção política.

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