sábado, 16 de agosto de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL


UMA HISTÓRIA MAL CONTADA
Villas-Bôas Corrêa


NA ININTERRUPTA TRANSA dos bastidores, a surda disputa pela cobiçada presidência da Câmara registra a inscrição da deputada Rita Camata (PMDB-ES) que se apresenta desfraldando a bandeirola da renovação de valores e o que define como a democracia interna.

São duas estocadas com lâmina fina no deputado Michel Temer, também do PMDB-SP, ex-presidente do partido e ex-presidente da Câmara.

Como é um veterano, o deputado Michel Temer dispensou-se de apresentar a sua plataforma devidamente atualizada.

Mas candidato tem a língua solta e às vezes fala demais ou não atenta para o exato sentido das palavras, e diz o que não deve, escorregando no sabão da memória. Em artigo assinado, o candidato ao bis sustentou uma explicação extravagante ao misturar alhos com bugalhos para tentar justificar a fina flor da madraçaria parlamentar da semana de três dias úteis, da terça a quinta-feira. A folgada maioria que detesta Brasília e se recusa a morar onde trabalha, como todo mundo, deita e rola no tapete das mordomias, das vantagens, das regalias da longa lista que inclui as passagens aéreas semanais de ida e volta da capital à base política do folgado representante do povo e a indecorosa verba indenizatória de R$ 15 mil para o ressarcimento das despesas durante o repouso semanal.

No afanoso esforço para a agradar ao eleitorado, o candidato montou histórias mal contadas, parecendo às velhas potocas da Carochinha, mas que não pinga uma gota no pote da verdade. Do começo ao fim é uma criação de romancista frustrado, utilizado como visgo para pegar voto.

Vamos ao exercício do cronista-candidato. Sustenta o deputado Michel Temer, sem mover um músculo do rosto, de que a semana parlamentar de três dias úteis resultou de sérias e cuidadosas pesquisas de várias presidências da Casa, com a participação de membros da mesa diretora, líderes partidários e deputados interessados e que chegaram à luminosa conclusão que a semana normal de seis dias estava prejudicando o rendimento da Câmara. Deputados que representam estados distantes de Brasília encontravam dificuldades para passar o fim de semana com a família e atender aos seus eleitores, o que resultava em freqüente falta de quorum na segunda-feira. Na sexta-feira, o mesmo embaraço com sinal trocado: na debandada para os Estados nem sempre o horário dos vôos coincidia com o das sessões.

Para evitar o desgaste do Congresso e o desperdício de tempo, o jeitinho foi remover o sofá da sala, com o ponto facultativo às sessões de segunda-feira e sexta-feira. E a tranqüilidade voltou a reinar nas duas Casas do Legislativo, irmanadas na generosa compreensão do sagrado repouso nos quatro dias da semana: da sexta-feira para as viagens de ida, o sábado e o domingo da tradição universal do descanso e da segunda-feira para o corre-corre da volta ao batente, que ninguém é de ferro.

Vamos refrescar a cuca do pretendente ao ninho antigo.

A raiz da mandracice da semana de três dias úteis está enterrada na mudança da capital do Rio para o canteiro de obras da Brasília em construção, em 21 de abril de 1960, para atender à justa ambição de JK de voltar à Presidência da República.

Ninguém cogitou então da extravagância da semana parlamentar de três dias. Ao contrário, os prédios de apartamento para a residência dos senadores e deputados estavam prontos ou nos retoques finais.

Compreende-se: Brasília não era o Rio de 60, a Cidade Maravilhosa, com a atração irresistível de Copacabana, a Princesinha do Mar.

Para evitar a debandada dos que anunciaram a desistência da política, brotou no canteiro brasiliense a flor das mordomias, que se espalhou como tiririca pelos três poderes. Com suas variantes, do requinte das mansões à beira do lago para os ministros dos tribunais superiores e do Executivo ao exibicionismo dos palácios, que continuam a ser construído na Praça dos Três Poderes, apesar da fumaça das suspeitas de superfaturamento. E dos novos milionários dos salários e subsídios inflacionados.

O deputado Michel Temer certamente conhece as muitas mazelas a serem extirpadas nesta penumbrosa fase de crise ética do Congresso.

Não precisa dar asas à imaginação para o vôo a terra da fantasia.

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