terça-feira, 5 de agosto de 2008

DEU NA FOLHA DE S. PAULO /+MAIS!

"CRESCIMENTO PRECISA SER DIVIDIDO"
Raul Juste Lores



Expoente da Nova Esquerda, Wang Shaoguang diz que país aprendeu com as dores do capitalismo

Seus estudos sobre desigualdade social e políticas públicas são leitura do presidente Hu Jintao e de vários membros da atual geração que comanda o Partido Comunista.Isso demonstra o atual prestígio de Wang Shaoguang, 54, professor de ciência política na Universidade Chinesa de Hong Kong e de políticas públicas na Universidade Tsinghua -a segunda mais importante do país-, em Pequim.Ele é um dos líderes da Nova Esquerda.Como a maior parte do establishment acadêmico chinês, ele estudou nos EUA, é PhD em Cornell e lecionou na Universidade Yale entre 1990 e 2000, quando voltou à China.Ele diz que o país "mudou de rumo" nos últimos cinco anos, após "sofrer as dores do capitalismo" em 30 anos de abertura.Aos 12 anos, foi guarda vermelho, tendo participado da Revolução Cultural que expurgava dissidentes e burgueses. "Foram tempos violentos, mas excitantes", diz.Ele recebeu a Folha em seu escritório na Tsinghua.

Nova insegurança

Há 30 anos, vivíamos com menos conforto, mas com mais segurança. Todos éramos iguais, a desigualdade era mínima, você trabalhava em uma empresa estatal, com estabilidade, tinha saúde e educação garantidas por essa empresa.As necessidades básicas estavam cobertas e seu salário era o mesmo, independentemente de sua performance.Hoje você não sabe quando será demitido, quando será desnecessário. O crescimento econômico a qualquer preço criou muita insegurança. Sem saúde e educação públicas. Até 1999, o governo só tinha política econômica, não social.

Estado forte

Nos anos 1980, o bolo estava crescendo, mas ninguém queria dividi-lo. Nos últimos seis, sete anos, houve uma mudança de curso histórica. Depois de 20 anos de neoliberalismo, os chineses começaram a sentir as dores do capitalismo. Hoje o Estado chinês está mais forte.

Sociedade harmoniosa

O discurso de construir uma Sociedade Harmoniosa, do governo do presidente Hu Jintao e do premiê Wen Jiabao, é verdadeiro, e assume as perigosas desigualdades que estavam sendo construídas, principalmente entre a cidade e o campo, e entre o leste e o centro e oeste do país.Essa mensagem está se disseminando. Na escala Gini, que vai de zero para as sociedades mais igualitárias, a um, na desigualdade absoluta, a China era 0,28 em 1978, uma das mais igualitárias do mundo.Hoje ela está em 0,46. Ainda não é desigual como a América Latina, mas não vai mudar da noite para o dia.

Nova direção

A opinião pública chinesa tem marcado a agenda, há pressão na internet, melhores comunicações, as pessoas se expressam. Há poucos anos, todos falavam da crise na saúde -cara, inacessível, impossível de pagar para famílias humildes. As escolas, mesmo as mais simples, cobram mensalidade.Isso começa a mudar. Em 2002, começou a se criar um sistema de saúde rural em que o governo central contribuía mensalmente com 10 yuans [R$ 2,30], o governo local com outros 10 yuans e o cidadão com mais 30 yuans.Atualmente, Pequim coloca 40 yuans, os locais, outros 40 yuans, e o indivíduo, 20 yuans. Isso está longe de ser perfeito, mas mostra uma nova direção. A saúde e a educação nas cidades ainda recebem mais dinheiro que as rurais, mas há mudanças.Lei trabalhista

Sou a favor da nova lei trabalhista. Os salários têm aumentado de 10 a 15% ao ano, mas o trabalhador precisa de mais proteção, de horas extras, de contratos, direitos.Afinal, para quem é o crescimento da China? Ele precisa ser dividido.

Legado socialista

Cerca de 85% da população urbana chinesa mora em casa própria -um legado socialista.Mas, com o êxodo rural, certamente novas medidas precisarão ser implementadas. Acho que precisamos fazer como Cingapura ou Hong Kong e investir em imóveis para alugar que sejam razoáveis.

Mídia de direita

Se você faz uma busca na internet, certamente haverá mais histórias sobre a Nova Direita chinesa, sobre o neoliberalismo, aqui. Mas em termos de espaço acadêmico, de citações, debate, a Nova Esquerda tem um peso muito maior.Há mais restrições entre os intelectuais e as universidades que do governo. Nunca me senti censurado nos últimos anos.A Nova Esquerda agora é popular, mas, nos anos 80 e 90, ninguém queria saber dela, era irrelevante.

Desigualdades

Eu previa que seriam necessários de 30 a 50 anos para começar a diminuir as desigualdades entre a cidade e o campo, e na verdade elas já começaram a encolher. Há transferências de impostos em massa para o interior. Na prática, há uma descentralização.

Otimismo

Vivemos em um clima de grande otimismo. Li uma pesquisa do Pew Center segundo a qual 90% dos chineses aprovam o rumo do país. A educação será gratuita no ensino básico no interior a partir deste ano. A China está aprendendo a traçar seu caminho, buscando aprender com quem quer que seja.Ainda está formando sua identidade. Acho que o Estado chinês é muito mais descentralizado do que se imagina no exterior. O capitalismo também está mudando. O governo dos EUA está atuando no resgate de mercados, intervindo na economia. Nada é como era antes.

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